O Governo enviou ao Tribunal Constitucional dois diplomas referentes à vinculação de professores para fiscalização sucessiva, pedido que deu entrada no passado dia 12 de agosto, confirmou à Lusa o TC.
A notícia foi avançada pelo semanário Expresso, com um excerto da segunda parte de uma entrevista ao primeiro-ministro, António Costa, e confirmada esta quarta-feira à agência Lusa por fonte oficial do Tribunal Constitucional.
"No nosso sistema de Governo quem governa é o Governo. E o nosso sistema tem várias subtilezas só aparentemente irrelevantes, mas são essenciais à estabilidade institucional. Uma delas é a lei-travão, outra é a reserva de administração por parte do Governo e não creio que seja saudável para as nossas instituições transferir para a Assembleia da República competências que são próprias do Governo e que devem exclusivamente exercidas pelo Governo", respondeu António Costa a este semanário, cuja segunda parte da entrevista é publicada na sexta-feira.
Nesta entrevista, Costa adianta que "aqui não se trata deste Governo, mas de cumprir e fazer cumprir a Constituição" e, no seu entender, "é dever do primeiro-ministro assegurar que não há uma alteração do equilíbrio da separação e interdependência de poderes".
"No meu entendimento, acho que é importante para a estabilidade institucional evitar a perversão daquilo que é o equilíbrio e a interdependência dos poderes na Constituição, pacificamente. Há aqui áreas de reserva da competência do Governo que não devem ser ultrapassadas pela Assembleia da República", sustenta.
Em causa estão dois diplomas, aprovados pela Assembleia da República e promulgados pelo Presidente: um dos diplomas do parlamento obriga o Governo à abertura de um concurso de vinculação extraordinária de professores nas escolas do ensino artístico especializado e o outro obriga o executivo minoritário socialista a negociar a revisão do regime de recrutamento e mobilidade do pessoal docente dos ensinos básico e secundário.
O Presidente da República promulgou o primeiro diploma em 02 de julho. Em relação ao segundo, promulgado em 15 de julho, Marcelo Rebelo de Sousa explicitou que, "pelas mesmas razões invocadas aquando da promulgação" do decreto sobre o ensino artístico, decidiu pela promulgação "como fez noutras ocasiões em que o parlamento aprovou soluções de caráter programático, na fronteira da delimitação de competências administrativas, como foi o caso com a Lei do Orçamento do Estado para 2021, em ambos os casos, pacificamente, fazendo doutrina".
A 17 de julho, em declarações aos jornalistas, em Luanda, à margem da Cimeira da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), questionado sobre a possibilidade de o Governo recorrer ao Tribunal Constitucional após Marcelo Rebelo de Sousa ter promulgado os dois diplomas, o primeiro-ministro recusou que exista um conflito ou um braço de ferro entre Governo e Presidente da República, admitindo apenas "divergências" entre o parlamento e o seu executivo sobre as competências de cada um.
A questão surgiu depois de também em julho, o Tribunal Constitucional ter considerado inconstitucionais várias normas de diplomas que reforçavam os apoios sociais, na sequência de um pedido de fiscalização sucessiva da constitucionalidade dos decretos em questão.
Os diplomas foram aprovados pelo parlamento e promulgados pelo chefe de Estado. Na altura, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que perdeu juridicamente com a decisão do Tribunal Constitucional, mas considerou que ganhou politicamente.
Em declarações à SIC Notícias e questionado sobre se tinha perdido "um braço de ferro com o Governo" nesta matéria, Marcelo Rebelo de Sousa respondeu: "É discutível, juridicamente certamente perdi, politicamente acho que ganhei".
Numa reação em nome do Governo, o secretário de Estado Adjunto do primeiro-ministro, Tiago Antunes, considerou que se assiste a "um reiterado desrespeito por parte da Assembleia da República" relativamente a matérias que competem em exclusivo ao Governo enquanto "órgão superior da Administração Pública".
"Continuamos, infelizmente, a assistir a um reiterado desrespeito por parte da Assembleia da República, como sucedeu ainda recentemente com a aprovação de dois decretos sobre o recrutamento de professores", apontou o secretário de Estado, alegando que "esses diplomas interferem naquilo que é um domínio específico de atuação governamental, violando jurisprudência anterior do Tribunal Constitucional".
A segunda parte entrevista ao semanário Expresso, é divulgada numa altura em que Costa está de férias e a ministra de Estado e da Presidência, Maria Vieira da Silva, quarta figura na hierarquia do Governo, é primeira-ministra em exercício.