A venda da ANA - Aeroportos de Portugal à Vinci "não salvaguardou o interesse público”, conclui o Tribunal de Contas, numa auditoria ao negócio e aos contratos de concessão celebrados com o Estado no final de 2012, que passaram a gestão dos aeroportos portugueses para a ANA, por 50 anos.
Segundo o relatório agora divulgado, o Estado vendeu na pior altura, em recessão, sem estar garantida a “regularidade, transparência, estabilidade, equidade e maximização do encaixe financeiro” e sem a avaliação prévia exigida por lei. O Estado foi “lento” em garantir o interesse nacional, mas “lesto” a promover a privatização.
Contas feitas, o Estado fez um desconto de mais de 71 milhões de euros à Vinci, ao entregar os dividendos de 2012 (ainda a gestão era pública), suportando ainda os custos financeiros do contrato de concessão. As partes tinham acordado em fechar o negócio por quase 1.200 milhões de euros, mas a Vinci acabou por pagar 1.127 milhões.
O Tribunal de Contas acusa ainda o Governo de Passos Coelho, responsável pelo negócio, de ter privilegiado o “potencial encaixe financeiro no curto prazo em detrimento da partilha de rendimentos com a concessão no longo prazo”. Segundo a auditoria, a privatização da ANA inclui “a concessão de um monopólio fechado por 50 anos num setor estratégico para a economia”, desperdiçando a oportunidade de aumentar a concorrência.
A acrescentar a isto, entre 2020 e 2023 a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) acumulou competências conflituantes, de reguladora e gestora da concessão aeroportuária.
É ainda considerada “deficiência importante” a omissão nas contas públicas da receita das taxas aeroportuárias.
Há ainda várias críticas às “desconformidades e inconsistências” no Caderno de Encargos, para as quais a Parpública, que gere as participações do Estado, não tem explicação. São falhas consideradas graves, que revelam “risco material de falta de fidedignidade de documentação que foi determinante para a escolha do comprador”.
A “falta de controlo público” detetada durante a privatização continuou “durante a primeira década da ANA privada, nomeadamente devido à falta de acompanhamento apropriado da gestão dos contratos e à falta de controlo da receita pública”.
O relatório conclui que não foi “minimizada a exposição do Estado Português aos riscos de execução” nem “assegurados os interesses nacionais”.
Assegurar partilha de riscos, responsabilidades e benefícios com privados
Nas recomendações, o Tribunal de Contas sugere que sejam esclarecidas as inconsistências detetadas no Caderno de Encargos, que conduziu à privatização da ANA.
No âmbito do serviço público concessionado a privados, pede que seja assegurada a “partilha de riscos, de responsabilidades e de benefícios económicos e financeiros com parceiros privados”.
No caso específico do setor aeroportuário, é necessário adequar a concessão atribuída à ANA à legislação em vigor, incluir nas contas públicas a receita das taxas aeroportuárias, nomear administradores públicos para as taxas e para a gestão dos contratos de concessão.
A auditoria recomenda ainda que sejam avaliadas as alienações de ativos públicos, tendo em conta o custo-benefício. Estes processos devem também decorrer de forma transparente, sem riscos de conflito de interesses.
Sem nomear ninguém, o relatório refere que quando a alienação envolve empresas públicas, não deve ser admitida “a transição de administradores de empresas alienadas, bem como de outros intervenientes (direta ou indiretamente) na escolha dos adquirentes, para empresas privadas resultantes dessas alienações”.
A privatização da ANA foi acompanhada pelo escritório de advogados CMS, de José Luís Arnaut. O social-democrata é hoje chairman da gestora aeroportuária.