Treze anos de tortura. Prisioneiro de Guantanamo conta tudo
20-01-2015 - 17:00
 • Carla Caixinha, com agências

Livro, colocado à venda esta terça-feira, descreve detalhes de humilhação sexual, tortura e de como é “viver sob terror” no centro norte-americano, em Cuba.

A história é contada na primeira pessoa por Mohamedou Ould Slahi. O livro, lançado esta terça-feira, descreve a sua viagem da Mauritânia para Cuba, onde narra mais de uma década de cativeiro e episódios de brutalidade.

No "Diário de Guantanamo", ao longo de 466 páginas, conta como foi a detenção, os interrogatórios e os abusos a que foi sujeito ao longo de 13 anos.

Slahi, detido em Cuba desde 2002 mas nunca acusado de qualquer crime pelos Estados Unidos, descreve como é “viver sob terror”.

O livro é o primeiro diário a ser lançado por um prisioneiro de Guantanamo ainda detido. Começou a ser escrito em 2005, mas no início eram apenas cartas para os seus advogados, que lutaram durante sete anos para que o manuscrito fosse desclassificado.

Um extracto publicado pela revista “Slate”, no ano passado, revela detalhes das provações a que esteve sujeito: desde a humilhação sexual até à cela fria onde foi detido. "A célula - melhor, a caixa - foi arrefecida para estar a tremer na maior parte do tempo", escreveu. "Estava proibido de ver a luz do dia. De vez em quando davam-me um tempo no exterior, mas era no meio da noite para me impedir de ver ou interagir com outros prisioneiros. Vivia literalmente em terror. Não me lembro de ter dormido uma noite em silêncio”.

Em 2010, a sua libertação foi ordenada por um tribunal federal de Washington, mas a decisão foi objecto de recurso por parte do Governo e Slahi e seus advogados ainda aguardam uma nova audiência.

Uma obra que quer ser libertadora
O livro, editado e apresentado pelo autor Larry Siems, um advogado de direitos humanos, vai servir de base a uma campanha internacional para o libertar.

"O tratamento de Slahi em Guantanamo está entre os casos mais extremos e mais bem documentados de tortura que há registo", disse o activista. "Quando, depois de mais de seis anos de litígio e negociações, os seus advogados conseguiram fazer com que uma versão do seu manuscrito fosse divulgado, perguntaram-me se gostaria de vê-lo. Eu não podia acreditar. Sabia, pelos registos e pelas transcrições das suas audiências em Guantanamo, que seria uma história comovente e realista, contado por alguém perspicaz. Eu disse que sim. O manuscrito tinha 466 páginas, estava escrito à mão, em inglês - língua que, em grande parte adquiriu em Guantanamo – e não fiquei desapontado”.

Uma das advogadas de Slahi, Nancy Hollander, lembra que este nunca foi acusado de qualquer crime. “Estamos a lutar pela sua libertação desde que tivemos conhecimento do seu caso em 2005”. “Este livro é uma janela para a prisão de Guantanamo, escrito por um jovem que sofreu tortura física e psicológica, mas que ainda pode separar o bom do mau, a verdade das mentiras… o leitor vai descobrir o que o governo dos Estados Unidos tem tentado manter em segredo”, disse ao jornal “The Guardian”.

Mohamedou Ould Slahi entregou-se voluntariamente à polícia para interrogatório na Mauritânia, seu país natal, em 20 Novembro de 2001. Uma semana depois, a mando do governo dos EUA, foi colocado num voo para a Jordânia. Slahi, que viveu na Alemanha e no Canadá, foi interrogado e libertado pelas autoridades jordanas de qualquer envolvimento no plano frustrado de Ahmed Ressam, residente no Canadá, para explodir uma bomba no Aeroporto Internacional de Los Angeles na véspera do Ano Novo de 1999. Contudo, a CIA não deu o assunto por encerrado e, em Julho de 2002, levou-o para a Base Aérea de Bagram, no Afeganistão. Passado um mês foi transferido para Cuba.

Em Dezembro passado foi divulgado um relatório sobre os métodos de tortura utilizados pela CIA. O documento de 6.000 páginas, fruto de uma investigação que durou mais de três anos, descreve gráfica e detalhadamente os métodos do programa “Rendição, Detenção, Interrogatório”, levado a cabo em segredo pela CIA e autorizado por George W. Bush, depois dos atentados de 11 de Setembro.

O relatório revela que os detidos foram sujeitos a ameaças sexuais, simulações de afogamento, exposição a baixas temperaturas e privação de sono.