Portugal acusado de armazenar em excesso medicamentos usados nos casos mais graves de Covid-19
06-04-2020 - 22:35
 • Renascença com Reuters

Organização que representa indústria de genéricos na UE cita Portugal e Áustria como os casos mais graves. Comissão Europeia lamenta que haja países que se arriscam a deixar estragar medicamentos e material essencial em vez de o partilhar com outros Estados onde existe escassez.

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Portugal é um dos países acusados de estar a armazenar em excesso medicamentos e material médico essencial para tratar infeções mais graves pelo novo coronavírus, denuncia o secretário-geral de uma organização que representa os retalhistas farmacêuticos da Europa.

À Reuters, Kasper Ernest, da organização Affordable Medicines Europe, aponta que dois dos países que estão a armazenar em excesso são Portugal e a Áustria, no seguimento de um comunicado da Agência Europeia de Medicamentos (EMA) em que é denunciado que vários hospitais da União Europeia (UE) estão a enfrentar escassez de medicamentos usados em doentes com Covid-19.

“Alguns Estados-membros indicaram que começam a enfrentar ruturas de certos medicamentos usados em pacientes com Covid-19, ou esperam que essas ruturas comecem muito em breve”, aponta a EMA num comunicado divulgado esta segunda-feira. Entre os hospitais afetados inclui-se o San Rafaele, de Milão, e o Vall d’Hebron, de Barcelona.

Quando a crise começou, segundo representantes da indústria farmacêutica citados pela Reuters, as principais dificuldades prendiam-se com ruturas na China e obstáculos ao comércio com a Índia, mas o principal problema agora são os próprios Estados da União Europeia.

Isso mesmo aponta também a EMA, que supervisiona a autoridade do medicamento em Portugal (Infarmed) e nos restantes países da UE. A agência começa por apontar que "o número de medicamentos em falta tem aumentado nos últimos anos" e que a situaçaõ se "agravou com esta pandemia". Entre outros fatores, houve "um aumento de procura para tratar doentes com Covid-19, excesso de armazemamento em alguns hospitais, excesso de armazenamento individual, pelos cidadãos, mas também nacional, pelos Estados-membros".

A escassez abrange sobretudo medicamentos usados em doentes com as complicações mais graves causadas pelo novo coronavírus, como anestésicos, antibióticos e relaxantes musculares, que permitem aos pacientes poder receber apoio respiratório com ventiladores.

Em meados de março, o Infarmed já tinha alertado para a compra excessiva de medicamentos no mercado português, recomendando em comunicado restrições na dispensa de medicamentos às farmácias e locais de venda.

O problema, segundo representantes da indústria farmacêutica, é que muitos dos países da União Europeia adotaram medidas protecionistas, encomendando em excesso ou impedido a exportação de medicamentos, máscaras e outros materiais médicos. E entre os Estados que mais apostaram nesse reforço de stocks "em excesso" estarão Portugal e a Áustria, aponta Kasper Ernest.

“Os países estão a abastecer-se destes medicamentos. Isso é normal, mas por vezes os stocks são demasiado grandes e isso vai impedir os outros países necessitados de os receber”, acrescenta Adrian van den Hoven, dirigente da associação Medicamentos pela Europa, que representa a indústria dos medicamentos genéricos, em declarações à Reuters.

Van den Hoven cita um exemplo de um país, sem especificar qual, cuja encomenda abrangia a totalidade da produção anual de uma empresa. “Isto é irracional e não é só um país”, acusa.

Ao contrário da maioria dos Estados-membros da UE, e também de acordo com dados da EMA, Portugal não tem disponível online um catálogo a identificar que medicamentos estão indisponíveis ou em vias de escassez.

Em Espanha, por exemplo, a base de dados com o registo da escassez de medicamentos dá conta, neste momento, de problemas de disponibilidade de algumas dosagens de paracetamol (analgésico) ou amoxicilina e azitromicina (antibióticos).

Neste contexto, a Comissão Europeia está também a avaliar a legalidade de medidas adotadas por países como França, Polónia, Hungria, Roménia e Eslováquia, que estarão a impedir as suas empresas de exportar material médico nesta fase de pandemia de Covid-19.

“Numa altura em que estamos focados em salvar vidas esta não é a altura certa para restringir exportações de medicamentos e de equipamento médico essencial, nem de os deixar passar de prazo em vez de partilhar”, lamentou Stella Kyriakides, a comissária europeia com a pasta da Saúde.

Para mitigar as interrupções nas cadeias de fornecimento, um grupo executivo da UE, responsável por gerir a escassez de medicamentos causada por grandes eventos como esta pandemia, está neste momento a trabalhar com a indústria farmacêutica para criar um sistema que ajude a acelerar a deteção e resolução de falta de medicamentos dentro do espaço comunitário.

Com o i-SPOC (industry single point of contact), cada empresa farmacêutica passa a avisar diretamente a EMA sempre que antecipa ou deteta a escassez de medicamentos essenciais no contexto da Covid-19.

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