Em maio de 2018 a Assembleia da República chumbou os projetos de lei do PS, Bloco de Esquerda, PAN e PEV, que despenalizariam a eutanásia. Há menos de um ano tivemos eleições legislativas; durante a campanha o tema da eutanásia praticamente não foi abordado. No entanto, agora, o Parlamento aprovou cinco projetos de lei para despenalizar a morte medicamente assistida em Portugal. Projetos substancialmente muito semelhantes aos reprovados há dois anos.
Na Assembleia da República foi entregue uma petição solicitando que o problema da eutanásia seja submetido a referendo. Mais de 95 mil pessoas subscreveram a petição – bastariam 60 mil para desencadear um complexo processo que deverá levar, mas não é certo, a um referendo sobre a eutanásia.
Perante esta situação, os bispos portugueses reclamaram também a realização de um referendo sobre a eutanásia. E o Cardeal Tolentino, em entrevista à Renascença, considerou a eutanásia um retrocesso de civilização. Trata-se de católicos, dir-se-á para desvalorizar estas posições.
Claro que, para um católico, a vida não lhe pertence como senhor absoluto: foi-lhe dada por Deus. Mas muitos não crentes rejeitam a célebre opinião de Jean-Paul Sartre, um filósofo ateu, segundo o qual “o inferno são os outros”. Esta ideia parece inspirar boa parte das sociedades atuais, onde falta a solidariedade e se agravam as desigualdades.
Claro que muitos defensores da eutanásia o fazem por motivos respeitáveis: aliviar o sofrimento das pessoas em doença terminal. Só que existem, ou deveriam existir (por cá existem pouco), cuidados paliativos, cuja finalidade é essa mesma. E a Igreja condena o exagero de intervenções médicas em doentes incuráveis, que frequentemente transformam o fim da vida desses doentes num calvário.
O problema de fundo está na banalização da eutanásia, que conduz a uma verdadeira cultura de morte. Graça Franco, que conhece bem o que se passou e passa na Bélgica e na Holanda, alerta para o que se tem chamado a “rampa deslizante”.
“Na Holanda, onde a lei foi aprovada há quase vinte anos”, escreve Graça num artigo que pode e deve ler neste “site”, “a eutanásia tornou-se um fim habitual. A sociedade, devagarinho, foi fazendo o caminho passando da vaga comoção inicial à celebração oficial”.
A lei holandesa, especifica Graça, “inicialmente falava apenas em doenças incuráveis e sofrimento físico insuportável e foi depois acolhendo, passo a passo, quase tudo, desde as crianças, ao sofrimento psicológico, passando pelas doenças psiquiátricas e acabando agora nas demências sem renovação de vontade no momento da morte”. E acrescenta: “Há poucas semanas o Supremo Tribunal de Justiça (da Holanda) publicou o acórdão que faltava. Os médicos podem estar descansados porque não serão punidos, mesmo por praticar a eutanásia ‘à força’, desde que a pedido dos familiares, caso o doente, mesmo demente, resolva resistir.”
Não surpreende, assim, que em Portugal o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida tenha dado parecer negativo aos projetos de lei para legalizar a eutanásia. E que o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos tenha declarado frontalmente que “se recusará a indicar ou nomear médico(s) para qualquer comissão que a legislação preveja e/ou a praticar qualquer tipo de ato do qual resulte uma colaboração e/ou participação, direta ou indireta, da Ordem dos Médicos em procedimentos preparatórios e/ou de execução de atos de ‘antecipação da morte a pedido’ ou da ‘morte medicamente assistida’, na vertente da eutanásia e da ajuda ao suicídio”.