Para um Governo apostado na escola inclusiva, o Ministério da Educação demorou demasiado tempo a renunciar à ideia parva da escola digital – quem sabe, sussurrada ao ouvido pelos produtores de conteúdo – e, então, anunciar que a escola, agora, se fará através da televisão.
Em parte, há que ter em consideração a prudência que António Costa tem imposto no sentido de equilibrar as medidas de contenção indispensáveis ao controlo da epidemia com a necessidade de manter o país alimentado, comunicativo, com acesso à água, à energia e às comunicações digitais, tudo o que precisamos para garantir a sobrevivência individual, a saúde e aqueles mínimos de funcionamento económico que nos permitem cuidar uns dos outros e desejar um futuro melhor para todos.
Esta prudência inclui a educação e de um modo complexo: porque as redes de escolas públicas e privadas têm um peso económico enorme, porque os professores e as suas famílias são um eleitorado capaz de desequilibrar muitas balanças, porque os pais que estão em teletrabalho têm os filhos consigo e os profissionais que estão a garantir a saúde, a segurança, as comunicações e a alimentação, também têm filhos e precisam de alguém que cuide deles, quando a rede de avós não deve estar disponível. Portanto, uma situação muito complexa.
No entanto, o ministro da Educação já deveria ter-se dirigido ao país para afirmar – com clareza cristalina – duas coisas essenciais e para as quais não há qualquer justificação para atraso: que nenhum aluno vai perder o ano por causa da pandemia e que todos os alunos do ensino secundário terão condições de realização de exames e de acesso à universidade num calendário sensato que, se calhar, ainda não sabemos qual é.
A questão universitária/politécnica é relativamente simples de resolver e, nos últimos 30 anos, já passou por muitas situações complicadas e parece que ninguém morreu por isso nem empobreceu definitivamente a sua capacidade de enfrentar os estudos superiores.
Os alunos podem ser avaliados sobre os conteúdos dos dois primeiros trimestres – e, estando os exames já impressos – aplicar-se uma fórmula de correção no cálculo da nota final. Como num sistema online de examinação é impossível controlar as fraudes, teremos de esperar por condições adequadas para exames presenciais, feitos com um grande rigor de medidas preventivas que garantam a saúde dos implicados.
Depois, as universidades terão de se adaptar a um novo calendário escolar mas três meses de aulas perdidas no secundário facilmente se diluem em três anos de licenciatura, para não falar do eterno divórcio entre o que o ensino secundário dá – nas suas melhores condições – e aquilo que o ensino superior pede, e que agora é uma vantagem.
A experiência também nos diz que os alunos de ensino secundário podem ocupar-se com aulas online de um modo produtivo e eficaz. Provavelmente a maioria até preferia estudar através de uma plataforma digital. No entanto, não esqueçamos que a resposta digital é eficiente, mas não é equitativa: em Portugal há 2 milhões de pessoas a viver no limiar da pobreza e num número enorme de famílias não há acesso à internet.
A ideia de enviar todos os alunos de ensino secundário para a escola parece-me inviável, até porque muitos deles estão a dar uma ajuda importante às suas famílias, tomando conta dos irmãos e tratando das tarefas domésticas, e isso já é uma educação para a vida. Inviável também, como já afirmou Marçal Grilo, pela exigência de condições sanitárias que, já sabemos, não serão cumpridas.
Então, a primeira coisa que as escolas precisam de identificar são os alunos sem acesso digital e, depois, equacionar-se um sistema de discriminação positiva em que esses alunos recebem acompanhamento presencial na escola em pequenos grupos de trabalho, algumas horas por semana, recebendo instruções, materiais e todas as orientações necessárias, devolvendo os trabalhos realizados – certamente, muito à base do manual – para um ensino à distância... que já existia antes da internet.
Relativamente ao ensino básico, faço minhas as palavras de Daniel Oliveira no jornal Expresso. Embora a opção pela televisão seja mais equitativa, não podemos lavar as mãos da situação de inferioridade objetiva em que estão as crianças de famílias sem recursos económicos e culturais para se encarregarem da orientação escolar dos filhos, quer se trate da educação formal ou da educação informal. E, depois, há o caso, muito generalizado, das famílias monoparentais, mais sobrecarregadas do que nunca. Podíamos aproveitar esta situação existencial e económica de limite para parar de falar dos portugueses como se todos pertencêssemos a uma classe média imaginária.
PS. Como gostaria que ainda pudéssemos usufruir do conhecimento acumulado e da extraordinária competência dos técnicos do Ministério da Educação que trabalhavam no Instituto de Inovação Educativa e no Gabinete de Estudos e Planeamento, mas ambos foram extintos por governos muito eficientes e eficazes. Agora, fazem-nos falta.