Bruno de Carvalho: "Se for condenado, sou o criminoso mais imbecil do mundo"
28-02-2020 - 19:15
 • Renascença

O ex-presidente do Sporting garante que nada sabia dos planos para invadir a Academia de Alcochete, atira culpas a Jorge Jesus e garante que sofreu "mil vezes" mais que os jogadores.

Bruno de Carvalho, ex-presidente do Sporting, garantiu, esta sexta-feira, que não teve qualquer papel no planeamento do ataque à Academia de Alcochete, pelo que não entende porque está entre os arguidos, e garantiu que foi ele que mais sofreu com as consequências.

"Em dezembro de 2017, proibi as claques de entrar na Academia e o Jorge Jesus [então treinador] foi por trás e deixou-os entrar. Abriu um precedente. Perguntei-lhe se ele era treinador ou presidente. Se eu for condenado, é porque sou o criminoso mais imbecil do mundo", declarou.

Em declarações ao coletivo de juízes, no Tribunal de Monsanto, Bruno de Carvalho garantiu que desconhecia os planos para atacar a Academia: "Absolutamente nada de nada." O ex-presidente do Sporting disse que só soube do que acontecera durante uma reunião em Alvalade e sublinhou que não compreendia por que razão falava "na qualidade de arguido":

"O que se passou em Alcochete foi hediondo, criminoso. Foi indescritível o que as pessoas passaram. Decidiram passar-me de testemunha/vítima para arguido. Que nenhuma resposta seja vista como minimização do que aconteceu, mas colocaram-me do lado errado da acusação."

Apesar de insistir que não se vitimizaria, o ex-presidente do Sporting garantiu que ninguém sofreu tanto como ele, com as consequências do ataque a Alcochete: “Devido à acusação, a minha mulher fugiu oito meses com a minha filha. O Ministério Público fez-me uma miserável acusação. O que os jogadores passaram eu passei mil vezes.”

Reunião com a claque


A 5 de abril de 2018, após a derrota do Sporting com o Atlético de Madrid, para a Liga Europa, Bruno de Carvalho escreveu um duro "post" no Facebook, a criticar os jogadores. Dois dias depois, reuniu com vários membros da Juventude Leonina, na sede da claque.

Sobre a sua presença na reunião, o ex-presidente do Sporting disse ter sido um pedido expresso de André Geraldes, então "manager" da equipa. Bruno de Carvalho vincou diz que recusou várias vezes, por causa da saúde da filha, mas acabou por ir. A juíza Sílvia Rosa Pires perguntou o porquê da insistência de Geraldes. "Não sei, por isso é que digo que devo ser o criminoso mais imbecil do mundo", declarou Bruno.

Nessa reunião, Bruno de Carvalho disse à claque para "fazerem o que quisessem". O arguido explicou o contexto dessa afirmação.

"Eram dezenas de pessoas aos gritos. Tentaram agredir-me, só não me chamaram de santo. Não ouvi absolutamente ninguém a dizer que ia à Academia. Falavam dos meus 'posts', de tarjas, inclusivamente de tarjas contra mim. Tinha de conseguir sair dali. Disse 'façam o que quiserem' para aquilo não descambar mais. A única coisa que era clara ali na reunião era que me queriam bater. Fala-se nas mensagens, mas a vontade de me baterem está expressa em todo o lado", apontou.

A confusão no Funchal


O Sporting perdeu o segundo lugar do campeonato e, consequentemente, a qualificação para a Liga dos Campeões com uma derrota diante do Marítimo, no Funchal. No aeroporto, após o jogo, houve confrontos entre alguns jogadores e membros da Juventude Leonina.

Bruno de Carvalho acredita que foram Jorge Jesus, então treinador, e Ricardo Gonçalves, antigo diretor de segurança da Academia, que autorizaram a passagem dos adeptos pelo cordão policial do aeroporto.

De qualquer forma, o ex-presidente do Sporting, que não viajara com a equipa para a Madeira, devido a problemas de saúde da filha, relatou que só soube da troca de palavras entre adeptos e jogadores "pela televisão".

"Na reunião [com os jogadores, depois do incidente], perguntei ao Acuña o que se tinha passado. E vejo o Acuña, o Battaglia e o William muito despreocupados. Aquilo que lhes disse foi: 'não sabem o que eu passei a noite toda, vais logo meter-te com o líder", contou o arguido.

Dedo apontado a Jesus


Bruno de Carvalho atribuiu culpas a Jorge Jesus pelo ataque a Alcochete, por ter alterado as medidas de segurança da Academia.

"Após o ataque, instaurei um processo disciplinar a Ricardo Gonçalves, que depois é colocado na gaveta e ele acaba promovido. Ele disse-me que Jorge Jesus mandou retirar a entrada por cartões, mandou tirar a medida de segurança. Fala-se aqui de um alarme. Aquele alarme não estava ligado a nada, só está lá para fazer barulho. As portas estavam todas abertas desde o início da época, sempre que havia treino por ordem do Jorge Jesus. Nada disto tinha acontecido se não tivessem sido retiradas as minhas medidas de segurança", acusou o ex-líder leonino.

Questionado, pela juíza Fátima Almeida, se houvera algo de anormal naquele final de época do Sporting, Bruno foi taxativo:. "Foi um período anormalíssimo. Houve muitas coisas graves neste final de época."

Contexto do processo


A 15 de maio de 2018, cerca de 40 adeptos encapuzados, alegadamente afetos ao Sporting e à claque Juventude Leonina, invadiram a Academia do clube, em Alcochete, e agrediram jogadores e equipa técnica.

O processo tem 44 arguidos, acusados da coautoria de 40 crimes de ameaça agravada, de 19 crimes de ofensa à integridade física qualificada e de 38 crimes de sequestro, todos (97) classificados como terrorismo.

Mustafá, líder da Juventude Leonina e que acaba de sair em liberdade, e Bruno Jacinto, ex-oficial de ligação aos adeptos do Sporting, e Bruno de Carvalho estão acusados de autoria moral de todos os crimes.