Os habitantes de Hong Kong fizeram fila, nesta terça-feira de manhã, para comprar o jornal pró-democracia “Apple Daily”, em sinal de apoio ao diário, após a detenção do proprietário, ao abrigo da lei de segurança nacional.
Antecipando a procura, o “Apple Daily” imprimiu, excecionalmente, 550 mil exemplares, contra 70 mil em circunstâncias normais.
O dono de um restaurante no popular distrito de Mongkok comprou cerca de 50 exemplares, explicando que tencionava distribuí-los gratuitamente aos clientes.
"Uma vez que o Governo não quer que o ‘Apple Daily’ sobreviva, temos de ser nós, os habitantes de Hong Kong, a salvá-lo", justificou à agência de notícias France-Presse (AFP).
"A polícia está agora a lutar abertamente contra a liberdade de imprensa. Estou muito zangada", afirmou, por seu, uma mulher que pediu o anonimato depois de comprar 16 exemplares.
O magnata Jimmy Lai, muito crítico de Pequim, foi uma das dez pessoas detidas na segunda-feira, numa vasta operação contra o movimento pró-democracia, tendo duas centenas de agentes policiais feito buscas ao diário de que é proprietário.
A manchete do jornal mostra uma fotografia de página inteira de Lai, escoltado pela polícia, com o título "O Apple [Daily] vai continuar a lutar".
Os apoiantes de Jimmy Lai também fizeram disparar as ações do grupo Next Digital, editor do jornal, com o valor em bolsa a subir 350% após a detenção, na segunda-feira.
Nesta terça-feira, as ações da empresa Next Digital voltaram a disparar na bolsa de Hong Kong. Às 11h00 (4h00 em Lisboa), as ações cotavam-se a 0,68 dólares de Hong Kong (0,075 euros), com ganhos de quase 167%, depois de terem fechado na segunda-feira a valer 0,26 dólares de Hong Kong (0,285 euros), quase triplicando o valor de abertura.
A espetacular subida das ações do grupo editorial surgiu depois de grupos pró-democracia terem apelado ao apoio à empresa, através da aquisição de ações.
"A liberdade de imprensa não tem preço”
De acordo com o “Apple Daily”, personalidades dos meios de comunicação social declararam que iriam apoiar o jornal, comprando ações e assinando a publicação.
O antigo colunista financeiro do jornal Stanley Wong anunciou, na segunda-feira, na rede social Facebook, que gastou 95 mil dólares de Hong Kong (10.434 euros) para comprar 1,2 milhões de ações da empresa, vendendo-as com ganhos ao final do dia, com os lucros a serem aplicados em bolsas de estudo para alunos universitários no território.
O presidente honorário da Federação de Tecnologia de Informação de Hong Kong, Francis Fong, disse ter comprado 50 mil ações da Next Digital, por 8.800 dólares de Hong Kong (cerca de 966 euros), afirmando que considerava o investimento como o equivalente a uma assinatura do jornal durante dez anos, de acordo com o Apple Daily.
"A liberdade de imprensa não tem preço. As organizações dos meios de comunicação social precisam do nosso apoio. O valor na bolsa é uma indicação de que a empresa é saudável e está a funcionar", disse Fong, citado pelo diário.
A espetacular subida da Next Digital na bolsa criou um efeito multiplicador noutras empresas de comunicação social.
A empresa Most Kwai Chung, editora da revista satírica Most100, ganhou 47%, enquanto o grupo Media Chinese, que publica o jornal em mandarim Ming Pao, subiu 9,8%.
Magnata já esperava detenção
O magnata dos media de Hong Kong Jimmy Lai, altamente crítico de Pequim, foi detido na segunda-feira, tal como dois dos filhos e vários executivos do grupo Next Digital, sob a acusação de "conluio com forças estrangeiras" e fraude, ao abrigo da nova lei de segurança.
Jimmy Lai, de 72 anos, é o proprietário de duas publicações pró-democracia frequentemente críticas de Pequim: o diário “Apple Daily” e o “Next Magazine”.
Visto por numerosos habitantes de Hong Kong como um herói e único magnata do território crítico de Pequim, Jimmy Lai é descrito nos meios de comunicação oficiais chineses como "um traidor", que inspirou as manifestações pró-democracia realizadas na região chinesa, e o líder de um grupo de personalidades acusadas de conspirar com nações estrangeiras para prejudicar a China.
Em meados de junho, duas semanas antes de ser aprovada a nova lei de segurança nacional, Jimmy Lai disse à AFP esperar a detenção.
"Estou pronto para ir para a prisão. Se isso acontecer, terei a oportunidade de ler livros que ainda não li. A única coisa que posso fazer é ser positivo", afirmou.
O empresário disse então que a nova lei iria "substituir" o regime legal de Hong Kong e "destruir o estatuto financeiro internacional" da cidade.
A lei da segurança nacional criminaliza atos secessionistas, subversivos e terroristas, bem como o conluio com forças estrangeiras para intervir nos assuntos da cidade.
O documento entrou em vigor em 30 de junho, após repetidas advertências do Governo de Pequim contra a dissidência em Hong Kong, abalado em 2019 por sete meses de manifestações em defesa de reformas democráticas e quase sempre marcadas por confrontos com a polícia, que levaram à detenção de mais de nove mil pessoas.
Hong Kong regressou à soberania da China em 1997, com um acordo que garante ao território 50 anos de autonomia a nível executivo, legislativo e judicial, bem como liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio “um país, dois sistemas”, também aplicado em Macau, sob administração chinesa desde 1999.