O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, considera que a criação do Museu Judaico de Lisboa "é uma afirmação política" de uma cidade "aberta, livre e tolerante".
"Uma afirmação política muito clara neste tempo que vivemos, que Lisboa é, continuará a ser e vai se bater pelas forças da liberdade, da inclusão, da diversidade cultural, da convivência das culturas e do respeito mútuo, como elemento chave de uma sociedade digna", afirmou Fernando Medina (PS), após a assinatura de um protocolo de colaboração com a Associação Hagadá.
Medina referiu que se está a assistir em muitos locais do mundo ao ressurgimento de forças que há muito deviam estar colocadas para trás da história.
Considerando que "não há decisões na política cultural que não tenham um significado político", o autarca manifestou alegria no protocolo para a criação do Museu Judaico de Lisboa. Um projeto que vai permitir dar a conhecer a história milenar da comunidade judaica, realçando que o passado mostra que a cidade "era próspera porque era aberta" a múltiplas culturas.
Data simbólica
A assinatura do protocolo realizou-se no dia em que se celebra o segundo centenário da abolição do Tribunal da Inquisição, passo fundamental para a abertura do caminho da liberdade.
A presidente da Associação Hagadá, Esther Mucznik, disse que o acordo estabelecido "é o início, abre o caminho, um caminho que nem sempre foi fácil, para a criação do Museu Judaico de Lisboa".
Intitulado de Tikvá, que significa esperança em hebraico, o museu vai situar-se em Belém, com uma área de construção bruta de 3.869 metros quadrados. Será desenvolvido pelo arquiteto Daniel Libeskind, que desenhou os museus judaicos de Berlim, São Francisco e Copenhaga, bem como os memoriais do Holocausto nos Países Baixos, no Canadá e nos Estados Unidos.
O museu vai contar a história dos judeus portugueses, que data da época romana, que continuou com os visigodos e com os muçulmanos, e "até à criação da nação portuguesa e que perdura até hoje". Assim indicou Esther Mucznik, considerando que a longevidade e pluralidade de culturas dão "um caráter muito específico e muito peculiar ao judaísmo português".
Com largos períodos de escuridão, desde o édito de expulsão ao batismo forçado, inclusive quase três séculos de Inquisição, o museu não vai deixar de contar esses momentos. Contudo, o foco vai ser "a parte luminosa" na história da comunidade judaica, nomeadamente entre os séculos XII e XV, num "período em que os judeus mais contribuíram para a nação portuguesa", apontou a presidente da Associação Hagadá.
Esther Mucznik destacou as conquistas na medicina, na ciência, na astronomia, na matemática, nos descobrimentos portugueses, na cultura, na filosofia e na impressão, inclusive o primeiro livro impresso em Portugal foi o Pentateuco.
"Esse aspeto é o mais desconhecido da população portuguesa e da população em geral, da população estrangeira também, e é desconhecido porque foi apagado, foi erradicado da memória coletiva e queremos trazê-lo ao presente também, porque marcou o país que hoje somos", reforçou, deixando a mensagem de que são os períodos de liberdade e de convivência que permitem a inovação, a criatividade e o contributo de todas as pessoas.
Pluralidade de culturas
Além da história, o museu vai ter presente a cultura e a tradição judaica, porque "a pluralidade de culturas é uma riqueza para um povo e para uma nação", frisou a presidente da Associação Hagadá.
"Claro que vai ser uma mais-valia para a comunidade judaica nacional e internacional, mas o museu dirige-se sobretudo aos não judeus, às pessoas que não conhecem suficientemente a nossa cultura, a nossa história, isto é um museu português, um museu que conta a história dos homens e das mulheres que ajudaram a fazer Portugal", expôs Esther Mucznik.
Fernando Medina lembrou ainda as vicissitudes para a concretização do Museu Judaico de Lisboa. Nomeadamente que, quando foi aprovada a celebração da atribuição do terreno e do acordo financeiro relativamente à construção do museu, o executivo aprovou também uma terceira decisão para transformar o local que esteve previsto para o anterior museu em Alfama num memorial ao povo judaico, "não permitindo ali a edificação de mais nenhum edifício".
"Para que não sobrem dúvidas de que os percalços são mesmo percalços e que se afirma nesta decisão também aquilo que queremos no fundo afirmar de uma cidade aberta livre e tolerante", declarou o presidente da Câmara de Lisboa.
Em dezembro de 2020, a Câmara de Lisboa aprovou a construção do Museu Judaico em Belém e consequente revogação da instalação do equipamento em Alfama, localização que tinha sido alvo de contestação dos moradores.