O primeiro-ministro, António Costa, demitiu-se. Será que o país vai mesmo para eleições, apenas 587 dias depois do início da legislatura? A bola está agora nas mãos do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa. Tudo indica que a dissolução é o cenário mais provável, mas há outras duas possibilidades em cima da mesa.
Em princípio, o Presidente da República só deve dissolver a Assembleia da República se não for possível formar um novo Governo a partir do quadro Parlamentar existente.
Ou seja, nas consultas que o Presidente da República vai fazer na quarta-feira, com os partidos com assento na Assembleia da República, Marcelo deve avaliar se existe alguma viabilidade do PS constituir um novo Governo, como fez Jorge Sampaio quando Durão Barroso trocou o Governo pelo cargo de presidente da Comissão Europeia.
A favor desta hipótese, joga o facto de o momento ser crítico para o país. O Orçamento do Estado para 2024 ainda está em fase de discussão na especialidade. Uma dissolução imediata do Parlamento pode inviabilizar a sua aprovação, marcada para 14 de novembro.
Há também que ter em conta que o PS dispõe de uma maioria confortável no Parlamento, conquistada há menos de dois anos.
Em todo o caso, o Presidente deu a entender em momentos anteriores que dissolveria o Parlamento, caso António Costa se demitisse.
A confirmar-se esse passo nos próximos dias, compete então ao mais alto magistrado da nação marcar a data das novas eleições para a Assembleia da República.
Marcelo Rebelo de Sousa pode também optar por um governo de iniciativa presidencial, como fez Ramalho Eanes, desde que o primeiro-ministro e o executivo tenham luz verde da maioria na Assembleia da República.
Qualquer que seja a solução encontrada pelo Presidente, o atual executivo deve praticar os atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos, até que seja empossado o novo Governo.
Maioria dos governos em democracia não completaram legislatura
Embora os últimos anos tenham sido caracterizados por uma certa estabilidade política (com oito anos seguidos de governação socialista), a verdade é que o regime democrático criado depois do 25 de Abril (a chamada Terceira República) tem sido pródiga a produzir primeiros-ministros demissionários.
Desde que teve início a democracia constitucional, em 1976, só seis governos, num total de 23, completaram a legislatura e por oito vezes o Presidente da República dissolveu o Parlamento.
Antes de 1987, quando teve início o primeiro governo com maioria absoluta de Cavaco Silva, nenhum governo chegou ao fim da legislatura.
As razões para o efeito foram variadas. Nalguns casos tiveram um carácter puramente político, como aconteceu com a rejeição de uma moção de confiança que derrubou Mário Soares do cargo de primeiro-ministro do I governo constitucional, em 1978.
Neste caso, o Presidente Ramalho Eanes optou por não dissolver o Parlamento, dando posse a sucessivos governos até à dissolução definitiva em 1979.
As eleições seguintes foram ganhas pela coligação de direita, a Aliança Democrática (AD), mas a morte trágica de Francisco Sá Carneiro, em dezembro de 1980, interrompeu o VI Governo constitucional.
Com Francisco Balsemão à frente dos destinos da governação, a legislatura pouco durou e em 1983 o país foi de novo a votos.
Dessa vez, Mário Soares regressou ao poder, ainda que por pouco tempo. A coligação formada por socialistas e sociais-democratas, também chamada de Bloco Central, não resistiu a mais do que duas sessões legislativas, numa altura em que o país tinha recorrido à ajuda do FMI.
Cavaco Silva é o único líder que completou duas legislaturas
Em 1985, Cavaco Silva chega ao poder e com ele tem início o período mais longo em que um chefe do Executivo se manteve no poder (10 anos).
No entanto, a governação do líder social-democrata começou na mesma toada das legislaturas anteriores. O primeiro governo esteve no poder apenas dois anos, findos os quais, o então Presidente Mário Soares dissolveu o Parlamento e convocou eleições.
A um governo interrompido, sucederam-se duas legislaturas completas de Cavaco Silva que continuam a ser inéditas na história da democracia portuguesa.
Findo o cavaquismo, Portugal foi alternando entre a estabilidade e a instabilidade.
António Guterres concluiu uma legislatura (a sétima da democracia) à frente de um governo com maioria relativa, mas sobreviveu pouco mais de dois anos na legislatura seguinte, antes de se demitir do cargo, para impedir que "o pântano" tomasse conta da nação.
Dissolvido o Parlamento pela quinta vez, uma coligação liderada pelo PSD conquistou o poder em 2022, mas José Manuel Durão Barroso aceitou o cargo de Presidente da Comissão Europeia dois anos depois, e Santana Lopes, que lhe sucedeu no cargo só resistiu oito meses, antes de ser demitido pelo então Presidente Jorge Sampaio.
Não dissolver pode favorecer a instabilidade política
Desde então para cá, José Sócrates, Pedro Passos Coelho e António Costa conseguiram cada um, por uma ocasião, completar uma legislatura.
No entanto, a José Sócrates, depois de meses de crise que conduziram à entrada da troika no país, não restou outra alternativa senão dirigir-se ao Palácio de Belém para pedir a demissão a Cavaco Silva, em 2011.
Também António Costa, depois de ter cumprido um mandato completo entre 2015 e 2019, viu o segundo mandato interrompido em 2022, por causa do chumbo do Orçamento do Estado, numa votação que marcou o fim definitivo da "gerigonça".
Esta terça-feira, Costa voltou a abandonar o cargo, desta vez, como o próprio admite, com a intenção de não voltar a candidatar-se. Se Marcelo Rebelo optar por dissolver o Parlamento será a nona vez que tal acontece na história da democracia portuguesa pós-25 de Abril.
Mas se optar por pedir aos socialistas para formarem um novo governo, o Presidente pode estar a dar um passo arriscado. É que os chefes de Estado que evitaram dissolver o Parlamento depois da demissão de um primeiro-ministro deram posse a governos que pouco duraram, dando assim início a períodos marcados pela instabilidade política.