Portugal está a sofrer as consequências do desinvestimento no combate à toxicodependência, alerta na Renascença o diretor do Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD).
Comentando o estudo realizado entre março e maio de 2023 em 88 cidades europeias, que sugere que o Porto é a cidade portuguesa onde mais aumentou o consumo de cocaína - a partir de amostras de águas residuais - João Goulão lembra que nos anos 90 do século passado a prioridade política dada ao combate à chamada epidemia de heroína deu resultados.
“Nessa altura, os problemas da droga e da toxicodependência eram a primeira preocupação dos portugueses e isso conduziu a que fosse assumido como uma prioridade política”, lembra o especialista.
No entanto, os bons resultados alcançados, “com diminuição do consumo, redução das mortes por overdose e redução da criminalidade conexa”, João Goulão reconhece que “alguns mecanismos, como a capacidade de recrutamento, formas de aliciamento, profissionais para trabalharem nesta área, foram desaparecendo”.
“O país está a pagar esse desinvestimento”, constata o diretor do ICAD.
Crack impulsiona números de consumo no Porto
O estudo "Wastewater analysis and Drugs - A European multi-city study", publicado esta quarta-feira pelo grupo europeu SCORE, em colaboração com o Observatório Europeu das Drogas e da Toxicodependência, foi desenvolvido em 88 cidades europeias, sendo Lisboa, Porto e Almada os três casos portugueses a serem estudados.
A partir da análise às águas residuais, o documento sugere que o Porto é a cidade portuguesa onde mais aumentou a presença de vestígios de cocaína nas águas residuais.
O diretor do ICAD confirma esse cenário: “não será a cidade da Europa com maior consumo, mas é das cidades da Europa com maior aumento de consumo, nomeadamente cocaína crack”.
Neste quadro, João Goulão insiste na “necessidade imperiosa de aumentar a capacidade de resposta”.
Para que isso aconteça, o diretor do ICAD espera que com a entrada efetiva em funções do novo instituto, a partir de finais de março, “seja possível aumentar a capacidade de recrutar mais profissionais, de melhorar as condições de atendimento e de reduzir as listas de espera que, neste momento, em alguns casos, são incomportáveis”.
Droga nas águas residuais? “Não há problema”
Questionado pela Renascença sobre eventuais riscos para a saúde por via de uma eventual contaminação da água de consumo com substâncias psicoativas, o presidente da Associação dos Médicos de Saúde Pública, tranquiliza a população.
“As estações de tratamento já sabem que existem estas substâncias há muitos anos nas águas residuais e, portanto, já foi desenvolvido um tratamento para que elas sejam removidas ao máximo e, portanto, a água que nos chega a casa nas torneiras tem qualidade, é uma água vigiada”, diz Gustavo Tato-Borges, que afasta os receios “de que possa haver situações de contaminação”.
"Não há problema", conclui Tato-Borges.