Nota prévia: para se perceber o que aqui se escreve é preciso ver (ou rever) o vídeo de campanha de Santana Lopes em 2005.
Há uma geração de jovens adultos que não tem qualquer memória política de Santana Lopes – primeiro-ministro e muito menos de se lembra que teve um hino de campanha adaptado de uma música brasileira. O Menino Guerreiro passava nos comícios e era o hino e o retrato de um homem que se considerava injustiçado, mas ainda assim ia à luta.
Passados 12 anos, Santana vai mais uma vez à luta, agora para tentar reconquistar o seu PPD/PSD. Com uma aura de senador, que conseguiu ganhar nos últimos anos, mas sem esconder nada. “O meu nome é Pedro Santana Lopes. Assumo tudo o que fiz até hoje”, proclamou na apresentação da sua candidatura, este domingo, em Santarém.
"Um homem também chora, menina morena, também deseja colo, palavras amenas. Precisa de carinho, precisa de ternura, precisa de um abraço, da própria candura."
É toda uma descrição de Santana. Ninguém como ele é capaz de levar às emoções à política. Qual Marcelo!?! O Pedro, como lhe chamam os seus, os “PPDs-PSDs”, vive das emoções, deseja ser amado, pelo partido, pelo país; precisa dos aplausos dos congressos, dos abraços dos militantes, do colo de figuras como Conceição Monteiro ou Virgínia Estorninho, que não faltaram em Santarém.
Ninguém como ele emociona um congresso e o levanta em palmas e não se coíbe de o fazer mesmo que, como lembrou este domingo, possa ofuscar o presidente do partido.
O PPD-PSD é a sua casa, cada congresso uma festa de família a que não se falta, mesmo que se esteja zangado com um tio ou até com o pai, porque meninos-guerreiros sabem que a avó, as tias e vários primos vão lá estar para os abraçar e promover a reconciliação.
Poucos como ele – na política, talvez só António Costa – percorreram tantos e tão diferentes cargos políticos: deputado, secretário de Estado, eurodeputado, presidente de câmara, primeiro-ministro, presidente da bancada parlamentar, líder de um partido. Fora da política, foi presidente do Sporting; entre a política e a sociedade, foi provedor da Misericórdia de Lisboa. Nenhum, como ele, foi capaz de ir à luta por outros lugares, que alguns chamariam menores, depois de ter sido primeiro-ministro.
“Guerreiros são pessoas, são fortes são frágeis, guerreiros são meninos no fundo do peito, precisam de um descanso, precisam de um remanso precisam de um sonho que os tornem refeitos”.
Nunca “o Pedro” deixará de ser um menino. Pode armar-se em senador, mas o menino está lá: no olhar, na traquinice, na fragilidade de quem deseja amor e aprovação. A meninice no fundo do peito é a sua fragilidade, mas também a sua força, a força dos que esquecem depressa e estão sempre prontos a recomeçar, a abraçar um novo sonho que os refaça, mesmo que o menino mais forte da turma os tenha deixado no chão ou o director da escola os tenha posto de castigo.
A cada sonho desfeito, Pedro Santana Lopes refez-se e lançou-se numa nova batalha. E também fez questão de lembrar isso em Santarém. A todos os que o acusam de inconstante, lembrou todos os mandatos que levou até ao fim, aos que tantas vezes lhe ditaram a morte política recordou todas as batalhas que travou, aos que só vão à luta com a vitória garantida, disse bem claro que nunca fugiu de uma luta, sobretudo quando para isso foi convocado pelo partido.
“Quando o partido precisa de mim, regra geral estou presente, não estou presente só quando eu preciso do partido”, afirmou Santana, que dedicou a Rui Rio uma boa parte do seu discurso, mas sem nunca dizer o nome do seu adversário. Mostrou a diferença com Rui Rio na relação com o partido, na solidariedade com Pedro Passos Coelho e os anos da austeridade, mas também insinuou as diferenças no que toca a valores e a costumes e na promessa de “não deixar à esquerda o combate pelos valores morais”.
"É triste ver este homem, guerreiro-menino, com a barra do seu tempo por sobre os seus ombros. Eu vejo que ele berra eu vejo que ele sangra a dor que traz no peito, pois ama e ama".
Santana ainda traz no peito da dor de ter sido corrido por Jorge Sampaio. Este domingo, voltou a mostrá-lo. E disse aquilo que muita gente também vai dizendo “se isto fosse no Governo de Santana Lopes…”. Mas também quis mostrar que aprendeu, aprendeu sobretudo que o poder não se herda, tem de se ganhar na batalha. E Pedro Santana Lopes, em 2004, herdou o PSD, o Governo e o país que Durão Barroso lhe deixou para ir presidir à Comissão Europeia.
Esta nova batalha a que Santana não resistiu é um ajuste de contas com 2004, com muitos barões que não o aceitaram, com uma parte do PSD e de uma certa elite que tentou conspirar para que fosse Manuela Ferreira Leite ou até Marcelo Rebelo de Sousa a herdar esse poder. Mas era Santana o herdeiro. Meses antes, no Congresso de Oliveira de Azeméis, Durão tinha-o escolhido como número dois, prevendo um caminho que ainda ninguém via, e os partidos funcionam como funcionam, não pelas simpatias pessoais de um Presidente da República ou de um conjunto de comentadores.
Jorge Sampaio, naquele Julho de 2004, tinha dois caminhos: convocar eleições ou manter o Parlamento, dando posse a um novo governo, formado pela mesma maioria PSD-CDS, mas com um novo primeiro-ministro. Escolheu a segunda, porque se tinha comprometido a isso com Durão Barroso e temendo que a convocação de eleições legitimasse Santana ou lhe desse mesmo uma maioria absoluta. Abriu, assim, o caminho ao Governo Santana e, ao mesmo tempo, à liderança de José Sócrates no PS.
É verdade que aconteceu de tudo, mas, à luz de tudo o que se passou entretanto, já quase que parecem questões menores. A imagem do seu Governo começou logo por ficar marcada pela posse atribulada, com Santana a trocar-se todo no discurso, com Portas a mostrar surpresa por ser ministro também do Mar, com Teresa Caeiro a ser anunciada como secretária de Estado da Defesa e a tomar posse nas Artes e Espetáculos.
Depois houve o arranque de ano escolar mais atribulado da história recente, com a falência do sistema informático a obrigar a uma distribuição de professores pelas escolas de forma manual.
Seguiram-se episódios de contradições entre o ministro das Finanças (Bagão Félix) e o da Economia (Álvaro Barreto), uma polémica com o “barco do aborto”, um comunicado por causa de uma sesta em São Bento. E, por fim, a saída de Marcelo da TVI por alegadas pressões do ministro Rui Gomes da Silva e a demissão de Henrique Chaves, que considerou uma despromoção passar de ministro Adjunto para ministro do Desporto e escreveu uma carta em que acusava o primeiro-ministro de falta de “lealdade e verdade”.
"Um homem humilha-se se castram seus sonhos, seu sonho é sua vida e vida é trabalho e sem o seu trabalho um homem não tem honra e sem a sua honra, morre-se, mata-se."
Sampaio, em 2004, deu a Santana a concretização de um sonho, mas que durou quatro meses. Santana foi um primeiro-ministro humilhado na praça pública. Pelo Presidente da República, mas também dentro do seu partido, com Cavaco Silva - que viria depois a recusar que a sua figura fosse usada nos cartazes eleitorais das legislativas de 2005 - a classifica-lo de “má moeda” num artigo no “Expresso”.
O então primeiro-ministro, ao sentir o cerco apertar-se, comparou o seu Governo a “um bebé nascido de um parto difícil e, por isso, a necessitar de incubadora e que vê os irmãos mais velhos a dar-lhe estaladas e pontapés”.
Em Fevereiro de 2005, o PS de Sócrates teve a sua primeira e, até agora, única maioria absoluta. O PSD teve 28 por cento, elegeu 75 deputados. O seu parceiro de coligação, Paulo Portas, demitiu-se na própria noite eleitoral, mas Santana ainda tentou resistir. Só percebeu que não podia continuar a liderar o PSD quando os presidentes das distritais lhe mostraram que não o apoiavam.
Seguiu-se Marques Mendes, que por sua vez foi por derrubado por Luís Filipe Menezes, que foi sucedido por Manuela Ferreira Leite, por falta de comparência de Rui Rio. E quando precisaram, como também lembrou em Santarém, lá chamaram “o Pedro”. Menezes para líder parlamentar, Ferreira Leite para tentar tirar Lisboa a António Costa. E Santana, por amor ao partido, ao poder ou por não resistir a um desafio, aceitou.
"Não dá para ser feliz, não dá para ser feliz".
Santana só parece ser feliz na luta. Nos últimos tempos recusou duas. Primeiro, a candidatura à Presidência da República, que lhe estava a apetecer, mas que a sombra de Marcelo, que demorava a decidir, fez protelar. Depois, a Câmara de Lisboa, o sítio onde gosta de dizer que foi mais feliz, mas onde acabou por não querer tentar voltar, talvez pensando já na batalha que se seguiria pelo PPD-PSD, aquela que lhe faltava ganhar.
Na apresentação da sua candidatura, falou mais do seu passado do que do futuro do PSD. Mas isso fica para a apresentação do programa. Precisava de arrumar o passado que lhe está constantemente a ser lembrando, mas que também precisava de atirar à cara dos que estão do outro lado. E é por esse passado e pelas emoções que sabe que é capaz de despertar que Pedro Santana Lopes deixou de andar por aí e anunciou que está aqui “para clarificar”. Rui Rio que se cuide. E trate também de resolver as emoções e o passado.