Este segundo dia do Papa no Iraque foi marcado por três momentos muito distintos, mas todos com um traço comum: o apelo pela igualdade de direitos para os cristãos e outras minorias religiosas.
E tal como aconteceu no seu primeiro dia no Iraque, na sexta, Francisco teve um discurso diferente para fora e para dentro. Diferente, mas complementar.
Logo cedo de manhã Francisco foi até Najaf para se encontrar com o líder supremo dos muçulmanos xiitas, o ayatollah Ali al-Sistani. Foi um momento histórico, pela sacralidade de Najaf para os xiitas – só Meca e Medina ultrapassam – e pela importância de Sistani.
Na sexta-feira o Papa pediu aos políticos que garantam direitos para os cristãos, mas a diplomacia do Vaticano sabe que esse pedido é em vão se as forças religiosas da maior confissão do país, os xiitas, não lhe derem apoio e força. No comunicado final, depois do encontro privado, o ayatollah fez precisamente isso e a importância da pequena frase “os cristãos devem viver e gozar de plenos direitos ao abrigo da constituição”, carregada da sua autoridade, não pode ser menosprezada.
De seguida Francisco presidiu a uma cerimónia inter-religiosa em Ur, terra de Abraão. Mais do que o seu discurso, o próprio evento serviu para testemunhar a importância da coexistência num país onde os cristãos são apenas uma de várias minorias religiosas, e nem sequer a mais duramente perseguida. E o encontro testemunhou isso não só pelos presentes, muçulmanos xiitas e sunitas, cristãos e mandeus, entre outros, mas pela notória ausência de judeus, os primogénitos de Abraão, que não existem mais no Iraque precisamente por causa da perseguição a que foram sujeitos ao longo das últimas décadas.
À tarde, novo momento histórico com Francisco a tornar-se o primeiro Papa a celebrar missa o Iraque e o primeiro Papa a celebrar segundo o rito caldeu. Aí vimos, tal como ontem no encontro na catedral Siro-Católica de Nossa Senhora da Salvação, um discurso mais virado para dentro. Se na sexta-feira Francisco referiu a importância de o sangue derramado pelos mártires ser semente de paz e reconciliação e não de ressentimento e vingança, este sábado sublinhou o facto de ser precisamente na pequenez, na fraqueza e na mansidão que os cristãos do Iraque encontrarão as bem-aventuranças prometidas por Cristo.
Não há contradição nestas abordagens. Os cristãos são, de facto, cidadãos de segunda no Iraque, tanto na prática como diante da lei e essa é uma injustiça que deve ser retificada, mas é igualmente importante que os próprios cristãos compreendam que o caminho da Cruz, de perdão e mansidão, não são incompatíveis com a justiça, sendo antes o melhor caminho para lá chegar.
“Como reajo eu às situações funestas? À vista das adversidades, apresentam-se sempre duas tentações. A primeira é a fuga: fugir, virar as costas, desinteressar-se. A segunda é reagir, como irritados, com a força. Assim aconteceu com os discípulos no Getsémani: no alvoroço geral, vários fugiram e Pedro puxou da espada. Mas nem a fuga nem a espada resolveram coisa alguma. Ao contrário, Jesus mudou a história. Como? Com a força humilde do amor, com o seu paciente testemunho. O mesmo somos nós chamados a fazer; assim Deus realiza as suas promessas.”
O programa do Papa para este sábado terminou com esta missa, mas continua no domingo com uma visita a Erbil, capital do Curdistão iraquiano, a Mossul e a Qaraqosh, a maior cidade cristã do Iraque.
Na segunda-feira Francisco volta para Roma.