Já lhe aconteceu trabalhar com um chefe arrogante, que não escuta ninguém, não aceita sugestões, faz exigências irrealistas, pressiona constantemente, controla tudo, está sempre pronto a apontar os erros dos outros, mas não assume os seus, e desestabiliza as pessoas com estados de humor imprevisíveis? Se já passou por isto, já trabalhou com um líder tóxico.
Estes líderes sempre existiram, mas hoje é diferente. A dinâmica competitiva dos negócios e das carreiras profissionais, as pressões para se obter resultados e reduzir custos, e os sucessos que muitas vezes conseguem alcançar, tornaram as lideranças tóxicas um fenómeno endémico e aceite em muitas organizações como parte integrante da sua cultura.
As lideranças tóxicas têm enormes custos humanos e financeiros e são uma ameaça a longo prazo para as organizações. São um veneno silencioso. Muitos líderes de sucesso têm comportamentos tóxicos e os seus êxitos são celebrados nas capas das revistas de negócios. Noutros casos, lideraram estratégias que levaram as empresas à ruína. Ficaram tristemente célebres as lideranças de Richard Fuld Jr., na Lemon Brothers; de Jeffrey Skilling e Kenneth Lay, à frente da Enron; de Albert Dunlap, na Sunbeam (classificado pela Times Magazine como um dos dez piores gestores de sempre); e de Bernard Ebbers, na WorldCom.
O conceito de liderança tóxica abarca uma variedade de comportamentos caracterizados por dois aspetos. São comportamentos que vão contra os objetivos e interesses legítimos dos parceiros de negócio e põem em causa o bem-estar psicológico dos colaboradores. Por outro lado, são comportamentos destrutivos continuados, por oposição a ocorrências isoladas que são comuns nas relações interpessoais.
Os líderes tóxicos usam de forma consistente comportamentos para pressionar, intimidar, coagir, desconsiderar e desestabilizar os outros, para conseguirem o que querem ou, como diz Marta Whicker, “têm sucesso deitando os outros abaixo”. O critério mais seguro para identificar um líder tóxico é avaliar o impacto dos seus comportamentos de liderança nos parceiros de negócio, em particular nos colaboradores diretos, no clima da equipa e na atividade da organização a longo prazo.
As lideranças tóxicas têm consequências negativas em vários planos, variando com o tipo de comportamentos tóxicos, a reação dos atingidos e o contexto de trabalho. No plano psicológico, os colaboradores são os mais afetados. Estes líderes diminuem a autoestima dos colaboradores, elevam os níveis de exaustão emocional, de ansiedade, de depressão e de burnout, provocam o desinvestimento emocional no trabalho, dificultam a concentração nas tarefas e provocam irritabilidade, frustração e revolta. As pessoas tonam-se avessas ao risco, têm medo de cometer erros e tomar decisões. Evitam tomar iniciativas e dar sugestões, refugiam-se nas rotinas e inibem os processos criativos. Noutros casos, optam pela indiferença e fazem o essencial para manter o emprego. Mais raramente, optam pela confrontação. A nível físico, são frequentes as manifestações de fadiga crónica, insónia e perturbações do sistema gástrico.
Os efeitos das lideranças tóxicas no desempenho são igualmente graves. Reduzem a motivação, o envolvimento com o trabalho e a produtividade. Aumentam o absentismo e os conflitos no trabalho, as intenções de abandonar a empresa e os comportamentos contraprodutivos: a retaliação, a sabotagem, a não cooperação, os erros na transmissão da informação e o excesso de zelo. As lideranças tóxicas destroem a confiança, degradam a eficácia das organizações e têm consequências colaterais: aumentam a conflitualidade entre colegas de trabalho e no próprio contexto familiar através de mecanismos de transferência emocional muito comuns nestes casos.
Vários estudos mostram que os efeitos negativos das lideranças tóxicas têm o stresse e a exaustão emocional como variáveis mediadoras. Os líderes tóxicos impõem elevadas cargas de trabalho, limitam a utilização dos recursos, exercem uma pressão constante, aumentam a incerteza e provocam relações conflituais. Este quadro induz níveis elevados de stresse e esgotamento emocional, afetando assim o bem-estar psicológico, a motivação e a produtividade.
Ao contrário do que muitos julgam, os líderes tóxicos podem ser pessoas que, com a sua elevada competência profissional, dedicação e estilo enérgico, atingem resultados excecionais no curto prazo. O seu sucesso explica a permanência nas organizações, o reconhecimento que obtêm dos superiores, dos colegas e até de alguns colaboradores, e a rápida progressão na carreira. É, contudo, um sucesso transitório que sacrifica, a longo prazo, a saúde física e emocional dos colaboradores, destrói as equipas de trabalho e, não raro, liquida as próprias empresas.
É aquilo a que já se chamou “o paradoxo da tirania de gestão”. Os líderes tóxicos não obtêm sucesso com as pessoas, mas à custa delas. O sucesso destas lideranças é, a prazo, insustentável porque estão a destruir o capital humano. O problema ainda se agrava quando critérios de evolução na carreira consideram apenas os resultados imediatos, e não a forma como são alcançados, colocando estes líderes em posições de responsabilidade cada vez mais elevada. A liderança tóxica é, deste modo, encorajada, promovida e premiada. A sua influência negativa passa a afetar um número cada vez maior de pessoas, e a ser percebida como o modelo de liderança a adotar para se ter sucesso. Esta “espiral tóxica” é o mecanismo que leva à formação de culturas tóxicas.
A liderança tóxica é uma patologia que afeta muitas organizações. Uma sondagem da Gallup mostrou que 50% das pessoas abandonam os empregos por causa das chefias e uma investigação recente, nos Estados Unidos, indica que 78% dos empregados já foram afetados por lideranças tóxicas ou por comportamentos não-éticos. Este fenómeno tem sido ignorado, nuns casos, e glorificado, noutros. Os sucessos ocasionais das lideranças tóxicas escondem os danos que provocam na saúde das pessoas, no desempenho das equipas e na sustentabilidade das organizações. A pressão para os resultados de curto prazo, a competição para o sucesso nos negócios e as ambições pessoais desmedidas continuam a alimentar este fenómeno. Não será o momento de pensar se os fins justificam os meios?
Luís Caeiro, professor na Católica Lisbon School of Business & Economics
Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics