O sucesso à custa das pessoas
31-07-2023 - 06:00
 • Luís Caeiro

As lideranças tóxicas têm enormes custos humanos e financeiros e são uma ameaça a longo prazo para as organizações. São um veneno silencioso.

Já lhe aconteceu trabalhar com um chefe arrogante, que não escuta ninguém, não aceita sugestões, faz exigências irrealistas, pressiona constantemente, controla tudo, está sempre pronto a apontar os erros dos outros, mas não assume os seus, e desestabiliza as pessoas com estados de humor imprevisíveis? Se já passou por isto, já trabalhou com um líder tóxico.

Estes líderes sempre existiram, mas hoje é diferente. A dinâmica competitiva dos negócios e das carreiras profissionais, as pressões para se obter resultados e reduzir custos, e os sucessos que muitas vezes conseguem alcançar, tornaram as lideranças tóxicas um fenómeno endémico e aceite em muitas organizações como parte integrante da sua cultura.

As lideranças tóxicas têm enormes custos humanos e financeiros e são uma ameaça a longo prazo para as organizações. São um veneno silencioso. Muitos líderes de sucesso têm comportamentos tóxicos e os seus êxitos são celebrados nas capas das revistas de negócios. Noutros casos, lideraram estratégias que levaram as empresas à ruína. Ficaram tristemente célebres as lideranças de Richard Fuld Jr., na Lemon Brothers; de Jeffrey Skilling e Kenneth Lay, à frente da Enron; de Albert Dunlap, na Sunbeam (classificado pela Times Magazine como um dos dez piores gestores de sempre); e de Bernard Ebbers, na WorldCom.

O conceito de liderança tóxica abarca uma variedade de comportamentos caracterizados por dois aspetos. São comportamentos que vão contra os objetivos e interesses legítimos dos parceiros de negócio e põem em causa o bem-estar psicológico dos colaboradores. Por outro lado, são comportamentos destrutivos continuados, por oposição a ocorrências isoladas que são comuns nas relações interpessoais.

Os líderes tóxicos usam de forma consistente comportamentos para pressionar, intimidar, coagir, desconsiderar e desestabilizar os outros, para conseguirem o que querem ou, como diz Marta Whicker, “têm sucesso deitando os outros abaixo”. O critério mais seguro para identificar um líder tóxico é avaliar o impacto dos seus comportamentos de liderança nos parceiros de negócio, em particular nos colaboradores diretos, no clima da equipa e na atividade da organização a longo prazo.

As lideranças tóxicas têm consequências negativas em vários planos, variando com o tipo de comportamentos tóxicos, a reação dos atingidos e o contexto de trabalho. No plano psicológico, os colaboradores são os mais afetados. Estes líderes diminuem a autoestima dos colaboradores, elevam os níveis de exaustão emocional, de ansiedade, de depressão e de burnout, provocam o desinvestimento emocional no trabalho, dificultam a concentração nas tarefas e provocam irritabilidade, frustração e revolta. As pessoas tonam-se avessas ao risco, têm medo de cometer erros e tomar decisões. Evitam tomar iniciativas e dar sugestões, refugiam-se nas rotinas e inibem os processos criativos. Noutros casos, optam pela indiferença e fazem o essencial para manter o emprego. Mais raramente, optam pela confrontação. A nível físico, são frequentes as manifestações de fadiga crónica, insónia e perturbações do sistema gástrico.

Os efeitos das lideranças tóxicas no desempenho são igualmente graves. Reduzem a motivação, o envolvimento com o trabalho e a produtividade. Aumentam o absentismo e os conflitos no trabalho, as intenções de abandonar a empresa e os comportamentos contraprodutivos: a retaliação, a sabotagem, a não cooperação, os erros na transmissão da informação e o excesso de zelo. As lideranças tóxicas destroem a confiança, degradam a eficácia das organizações e têm consequências colaterais: aumentam a conflitualidade entre colegas de trabalho e no próprio contexto familiar através de mecanismos de transferência emocional muito comuns nestes casos.

Vários estudos mostram que os efeitos negativos das lideranças tóxicas têm o stresse e a exaustão emocional como variáveis mediadoras. Os líderes tóxicos impõem elevadas cargas de trabalho, limitam a utilização dos recursos, exercem uma pressão constante, aumentam a incerteza e provocam relações conflituais. Este quadro induz níveis elevados de stresse e esgotamento emocional, afetando assim o bem-estar psicológico, a motivação e a produtividade.

Ao contrário do que muitos julgam, os líderes tóxicos podem ser pessoas que, com a sua elevada competência profissional, dedicação e estilo enérgico, atingem resultados excecionais no curto prazo. O seu sucesso explica a permanência nas organizações, o reconhecimento que obtêm dos superiores, dos colegas e até de alguns colaboradores, e a rápida progressão na carreira. É, contudo, um sucesso transitório que sacrifica, a longo prazo, a saúde física e emocional dos colaboradores, destrói as equipas de trabalho e, não raro, liquida as próprias empresas.

É aquilo a que já se chamou “o paradoxo da tirania de gestão”. Os líderes tóxicos não obtêm sucesso com as pessoas, mas à custa delas. O sucesso destas lideranças é, a prazo, insustentável porque estão a destruir o capital humano. O problema ainda se agrava quando critérios de evolução na carreira consideram apenas os resultados imediatos, e não a forma como são alcançados, colocando estes líderes em posições de responsabilidade cada vez mais elevada. A liderança tóxica é, deste modo, encorajada, promovida e premiada. A sua influência negativa passa a afetar um número cada vez maior de pessoas, e a ser percebida como o modelo de liderança a adotar para se ter sucesso. Esta “espiral tóxica” é o mecanismo que leva à formação de culturas tóxicas.

A liderança tóxica é uma patologia que afeta muitas organizações. Uma sondagem da Gallup mostrou que 50% das pessoas abandonam os empregos por causa das chefias e uma investigação recente, nos Estados Unidos, indica que 78% dos empregados já foram afetados por lideranças tóxicas ou por comportamentos não-éticos. Este fenómeno tem sido ignorado, nuns casos, e glorificado, noutros. Os sucessos ocasionais das lideranças tóxicas escondem os danos que provocam na saúde das pessoas, no desempenho das equipas e na sustentabilidade das organizações. A pressão para os resultados de curto prazo, a competição para o sucesso nos negócios e as ambições pessoais desmedidas continuam a alimentar este fenómeno. Não será o momento de pensar se os fins justificam os meios?


Luís Caeiro, professor na Católica Lisbon School of Business & Economics

Este espaço de opinião é uma colaboração entre a Renascença e a Católica Lisbon School of Business and Economics