O Conselho das Finanças Públicas (CFP) alerta para o otimismo do Governo e “riscos orçamentais consideráveis” no âmbito do Orçamento Suplementar
A instituição presidida por Nazaré da Costa Cabral lembra que o contexto é de elevada incerteza e, por isso, aumenta a necessidade de um cenário macroeconómico “prudente”.
No entanto, na proposta agora apresentada pelo Governo, o CFP sublinha o optimismo das projeções macroeconómicas, face às das generalidades das instituições, o que “representa riscos orçamentais consideráveis”.
O organismo dá como exemplo na nova projeção das finanças a contração da atividade económica de 6,9% este ano, que está “no limite superior do intervalo de projeções das instituições oficiais (CE, BdP, FMI, OCDE)”.
Impacto das medidas pode ser superior ao estimado
Segundo o CFP, o impacto total das medidas adoptadas desde o início da pandemia pode vir “a ser mais negativo do que o previsto” pelo Governo, “uma vez que dependerá da extensão espacial e temporal do fenómeno epidemiológico, não podendo ser excluído o risco de uma nova vaga de infeção e de restrições ao exercício da atividade económica”.
Este relatório sublinha ainda o risco associado às responsabilidades contingentes do Estado com algumas medidas como as linhas de financiamento com garantia do Estado e as moratórias públicas, para apoio às empresas, famílias e outras entidades.
“A atual PAOE/2020 e o PEES não apresentam de forma clara e sistematizada uma estimativa para a materialização destas medidas ou um valor global das mesmas”, explica, destacando “a flexibilização do pagamento das obrigações fiscais e contributivas, as moratórias no crédito à habitação e no crédito a empresas, seguros de crédito à exportação com garantias do Estado e linhas de crédito igualmente garantidas pelo Estado, incluindo linhas para financiamento de tesouraria e investimentos de longo prazo”.
“Neste âmbito, importa assinalar a possibilidade de estes apoios poderem vir a constituir um risco orçamental, em particular nos casos em que se verifique o incumprimento das obrigações pelos seus beneficiários (empresas e famílias), o que a acontecer implicaria uma assunção dessas responsabilidades por parte do Estado, com consequente impacto negativo no saldo e na dívida das administrações públicas, nos próximos anos”, acrescenta.
Outro exemplo, nas despesas de capital, é a possibilidade de o empréstimo do Estado português à TAP poder "atingir 1.200 milhões de euros, em vez dos 946 milhões de euros considerados na PAOE/2020, em contabilidade nacional".
Medidas de combate à pandemia representam 25% da revisão do saldo orçamental
A resposta orçamental à pandemia representa um quarto da revisão do saldo previsto na proposta do Orçamento Suplementar, face à proposta do Orçamento do Estado para 2020. “Esta estimativa que aponta para um impacto orçamental direto daquelas medidas no saldo de 3408 milhões (1,7% do PIB) sustenta-se na quantificação de medidas realizada pelo MF e na informação adicional solicitada ao MF, ainda incompleta e não respondendo a questões relevantes”, refere o relatório.
Ainda segundo as contas do Conselho das Finanças Públicas, 80% do impacto no saldo resulta da despesa com subsídios e da perda de receita contributiva, “resultante da isenção da Taxa Social Única no âmbito do lay-off e do apoio à família”.
A despesa com as medidas excecionais adotadas na primeira fase da pandemia, entre março e maio, e as recentemente aprovadas no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), “com incidência sobretudo na despesa pública totalizam 3.498 milhões de euros”.
Os apoios financeiros a entidades externas, que inclui o Novo Banco e a TAP, e o reforço da contribuição financeira à União Europeia, justificam 1.700 milhões de euros de despesa pública.
Falta transparência no Orçamento Suplementar
O Conselho das Finanças Públicas deixa duras críticas à informação ou falta dela no Orçamento Suplementar. A começar pelo facto das projeções económicas não terem sido avaliadas pela instituição, o que fragiliza a “solidez institucional e a própria credibilidade dessas previsões”.
Como exemplo, o CFP refere que “o recurso a financiamento ao abrigo de mecanismos europeus como o SURE, não parece ter reflexo” no capítulo sobre a dinâmica da dívida, a ausência de informação para uma “conciliação entre a ótica da contabilidade pública e a ótica da contabilidade nacional” e a ausência do valor do PIB nominal, só posteriormente disponibilizado ao CFP.
“Por uma questão de transparência deveria constar no relatório por forma a que o público em geral possa calcular outras grandezas em função desse valor. A mera disponibilização de valores arredondados para o crescimento do PIB e para o seu deflator não substitui a sua ausência por originar erros de arredondamento que podem ser consideráveis e por requerer conhecimentos nem sempre presentes na população em geral”, acrescenta.
As finanças também não responderam a todos os pedidos de informação adicional feitos pelo CFP, “a informação recebida não respondeu a todas as questões colocadas, razão pela qual permanecem dúvidas relevantes quanto às previsões orçamentais apresentadas”.
Segundo o organismo presidido por Nazaré Cabral, a realização deste relatório “continua a ser prejudicada por insuficiências de transparência orçamental nos documentos que acompanham a PAOE /2020, bem como por dificuldades na obtenção de informação relevante”.