O procurador-geral do Nebrasca, nos Estados Unidos, divulgou na quinta-feira um relatório sobre casos de abuso sexual praticados no âmbito da Igreja Católica ao longo das últimas décadas.
O relatório identificou 258 vítimas de abusos sexuais praticados por 57 padres, sendo que alguns dos casos remontam à década de 1930.
Durante a apresentação do relatório, o procurador Doug Peterson disse que a forma como a Igreja falhou na proteção de muitas das vítimas é chocante, mas sublinhou que as medidas de prevenção adotadas em 2000 pelo episcopado americano parecem ter feito descer drasticamente o número de casos de abuso.
A “Carta de Dallas”, como ficou conhecido o documento emitido no ano 2000, estabelece uma conduta de boas-práticas para lidar com casos suspeitos de abusos e consagra o princípio da tolerância zero. Ficou estabelecida a colaboração imediata com as autoridades civis e a suspensão provisória dos suspeitos, bem como o estabelecimento de comissões independentes nas dioceses para investigar os casos.
Segundo Peterson, “a vasta maioria” dos casos que constam do relatório data de antes da adoção da "Carta de Dallas" que, segundo o procurador, corrigiu a ausência de “processos e políticas necessárias e apropriadas” em muitas dioceses.
“Pelo que me é dado ver a Carta de Dallas teve um grande impacto”, sublinhou, na conferência de imprensa. Os poucos casos pós-2000 que foram detetados parecem ter sido todos devidamente investigados, afirmou.
Padrão comum
Um dos dados que ressalta do relatório, segundo Peterson, é a semelhança da metodologia adotada por quase todos os abusadores. Os padres procuravam sobretudo crianças adolescentes, do sexo masculino, e cultivavam uma relação de confiança e de proximidade com eles, e por vezes com as famílias, através da oferta de presentes, entre outros meios, procurando ainda isolá-los dos seus amigos e familiares.
Tal como acontecia em muitas outras dioceses americanas e, como se tem verificado, em muitos outros países do mundo, durante décadas a atitude dos bispos foi dar prioridade à reputação da Igreja em detrimento do bem-estar das vítimas.
Os dois casos mais graves apurados pelo relatório dizem respeito a dois sacerdotes que, entre eles, abusaram de quase 100 vítimas. Num dos casos a documentação da diocese de Lincoln mostra que, em 1998, o bispo Bruskewitz pediu ao padre Leonard Kalin para listar todas as pessoas com quem tinha tido relações de natureza sexual. O padre fez então uma lista de 50 jovens rapazes, incluindo casos que tinham acontecido no mês anterior. Em resposta o bispo proibiu-o de estar sozinho na companhia de homens com menos de 40 anos, mas uma nota na documentação diocesana relativa ao padre diz que ele “não cumpriu rigorosamente” a ordem.
O padre Kalin morreu em 2008, mas o bispo Fabian Bruskewitz, que entretanto se reformou, ainda é vivo. O bispo já tinha estado envolvido em polémicas ao excluir a sua diocese de uma série de auditorias para ver se as dioceses americanas estavam a cumprir com as normas estabelecidas em 2000. O seu sucessor na diocese, James Conley, voltou a incluir a diocese de Lincoln nas auditorias mal tomou posse.
O outro padre é Daniel Herek, da diocese de Omaha, que foi detido em 1998 por posse de material pornográfico, produzido pelo próprio, que mostrava rapazes nus no espaço da Igreja. Herek foi detido, cumpriu pena e, depois de ter sido detido uma segunda vez foi expulso do sacerdócio em 2006. Contudo, o relatório mostra que a diocese já tinha recebido queixas sobre o comportamento do padre e não tinha agido.
O escândalo dos abusos sexuais na Igreja começou a ganhar proporções mais mediáticas na década de 90, primeiro nos Estados Unidos e depois em vários países ocidentais. Roma tem agido para tentar impor normas universais para lidar com suspeitas de abusos, acelerando processos canónicos e fortalecendo a colaboração com as autoridades civis.