O coordenador da Frente Comum afirmou esta sexta-feira que a adesão de cerca de 90% à greve da função pública "espelham bem" a insatisfação dos trabalhadores e antecipa novas formas de luta se o Governo "não ouvir o protesto".
Numa conferência de imprensa em que fez o último balanço deste dia de greve geral da função pública, Sebastião Santana adiantou que a adesão à greve foi transversal a todo o país e a todos os setores, havendo registo de escolas encerradas assim, como serviços de Centros de Saúde, tribunais, serviços de finanças, do Instituto de Segurança Social, de serviços de câmaras e de empresas municipais.
Por todo o país, assinalou, há ainda registo de várias Lojas do Cidadão, monumentos, museus e sítios arqueológicos encerrados ou com perturbações no funcionamento, e vários hospitais a assegurar apenas serviços mínimos.
Também na região autónoma dos Açores, disse, há escolas encerradas em quase todas as ilhas do arquipélago, sendo que os hospitais da Terceira, Faial e S. Miguel estão a assegurar apenas serviços mínimos.
"É uma grande, grande greve dos trabalhadores da administração pública, uma das maiores a que assistimos nos últimos anos, com uma taxa adesão a rondar os 90% em toda a administração pública", sublinhou Sebastião Santana, considerando que este resultado é "o espelho daquilo que se passa" e das medidas que o Governo tem tomado, nomeadamente "neste Orçamento do Estado", que contempla uma proposta de aumentos salariais que "mantém" os funcionários públicos a "empobrecer".
"Luta não vai ficar por aqui"
O coordenador da Frente Comum avisou também que "com certeza" a "luta não vai ficar por aqui", se o "Governo não ouvir o protesto de hoje", considerando que o executivo "tem o tempo, espaço e recursos financeiros para se voltar a sentar à mesa negocial".
"A luta de hoje foi inequívoca e com certeza que não vamos ficar por aquilo caso o Governo persista nesta tendência de empobrecimento dos trabalhadores e dos serviços da administração pública", sublinhou.
A data para a realização desta greve, notou, "não foi marcada por acaso", referindo esperar que durante o processo de aprovação da proposta do Orçamento do Estado para 2024 (OE2024) possa haver espaço para melhorar os aumentos salariais previstos para a função pública.
"Se não houver nada, haverá a repetição do que já se passou no passado", disse Sebastião Santana, numa alusão à greve que a Frente Comum convocou no início de 2023 e aos aumentos salariais intercalares.
O coordenador da Frente Comum afirmou ainda que as negociações sobre a revisão do sistema de avaliação da função Pública (Siadap) – "que são um sistema de avaliação para deixar os funcionários públicos estagnados" – são "uma porta aberta" para o Governo voltar a sentar-se à mesa com os sindicatos e fazer uma proposta que reponha a perda de poder de compra, numa conjuntura de subida do custo de vida e dos juros.
A Frente Comum dos Sindicatos da Administração Pública (da CGTP) anunciou em 09 de outubro a greve nacional de trabalhadores que hoje decorre, considerando que a proposta do Governo de aumentos salariais para 2024 "é miserabilista".
Para o próximo ano está previsto um aumento salarial mínimo de 52 euros ou de 3% para os trabalhadores da administração pública.
A Frente Comum reivindica um aumento dos salários em pelo menos 15%, com um mínimo de 150 euros por trabalhador, para fazer face ao "brutal aumento do custo de vida".
Algarve sem aulas
A greve dos trabalhadores da administração pública no distrito de Faro teve uma adesão significativa, com 90% das escolas sem aulas e serviços de saúde “completamente paralisados”, segundo os sindicatos da Frente Comum.
“Neste momento, registamos uma grande adesão à greve da administração pública. Temos dados concretos nas escolas a rondar os 90% de adesão. Temos dados da saúde a rondar os 60/65%, e entre os 50% e os 90% na administração local, em serviços ligados às câmaras municipais e nos serviços de impostos e tribunais”, resumiu à Lusa, ao final da manhã, junto ao Hospital de Faro, a coordenadora da União de Sindicatos do Algarve, Catarina Marques.
A dirigente sindical realçou que a adesão significativa à paralisação marcada pela Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública, afeta à CGTP, e considerou que corresponde a uma luta justa, uma vez que as propostas apresentadas pelo Governo para o Orçamento do Estado para 2024 “não correspondem aos problemas dos trabalhadores”.
O documento incide “na política de baixos salários, na desregulação completa dos salários”, e também denota “um continuado desinvestimento nos serviços públicos e nas funções sociais do Estado”, apontou Catarina Marques.
Ana Simões, dirigente do Sindicato dos Professores da Zona Sul, garantiu que, no Algarve, “cerca de 90% das escolas não têm aulas” e que “perto de uma centena” de estabelecimentos estão “completamente encerrados”.
“Desde jardins de infância, escolas dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos e também escolas secundárias, não estão com aulas. (...) A nossa expectativa era que a adesão à greve fosse grande e isso está a confirmar-se”, notou.
Na saúde, Sónia Lopes, dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, assegurou aos jornalistas que há “uma forte adesão à greve” destes profissionais, “com serviços completamente paralisados” no Hospital de Faro.
Na cirurgia de ambulatório, “com adesão a 100%”, foram adiadas 11 cirurgias que estavam programadas, nos serviços de internamento também se registou adesão completa – não fecham porque são prestados cuidados mínimos – e nos blocos operatórios houve “forte adesão”, com cirurgias adiadas que serão reprogramadas.
A dirigente sindical também destacou a adesão à greve nos Serviços de Urgência Básica de Loulé e Albufeira e no Centro de Medicina Física e Reabilitação do Sul, em São Brás de Alportel.
Rosa Franco, dirigente do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas e Sociais do Sul e Regiões Autónomas, informou que, no setor da saúde, a adesão dos trabalhadores do Algarve ronda os 80%, com impacto nos blocos operatórios, consultas externas, análises clínicas e colheitas.
“Na Segurança Social também se nota o impacto, nomeadamente em Portimão. Os tribunais só estão a funcionar para serviços considerados urgentes e, no ensino superior, há vários serviços da Universidade [do Algarve] com adesão à greve. De uma maneira geral, nota-se o impacto da greve na região”, frisou.
Porto palco de protesto
Trabalhadores da administração pública e enfermeiros concentraram-se hoje em frente ao Hospital de São João, no Porto, para reivindicar aumentos salariais e avisar o Governo que manterão as formas de luta até que este vá ao encontro das revindicações.
Em declarações à agência Lusa, o coordenador do Sindicato da Função Pública do Norte, Orlando Gonçalves, disse que a adesão à greve nacional está a rondar, nos serviços a Norte do país, os 90% e enumerou as áreas mais afetadas.
“De forma geral há serviços encerrados na Autoridade Tributária, Segurança Social, saúde e educação”, resumiu.
“Se o Governo não atender às reivindicações dos trabalhadores, não quiser ouvir os trabalhadores e o povo e não alterar nada do que está no Orçamento do Estado, iremos continuar a luta. Se com greves ou manifestações será avaliado”, acrescentou Orlando Gonçalves, recordando que para 11 de novembro estão marcadas manifestações da CGTP em Lisboa e no Porto.
Orlando Gonçalves garantiu que os trabalhadores “não vão desistir nunca enquanto não houver uma resposta que satisfaça e que seja minimamente justa”, apontando que “os aumentos salariais atualmente anunciados ficam muito aquém da inflação”.
“E as carreiras que estão a ser negociadas, não têm resultados ou estão a ficar pior do que já estão”, referiu, dando o exemplo, na área da saúde, dos técnicos auxiliares de saúde, que “há um ano negoceiam a carreira [com a tutela] e receberam uma proposta miserável”.
Segundo Orlando Gonçalves, “foi prometido no início deste ano que seis carreiras iam ser revistas e nenhuma foi”.
“O ano está a terminar. O Governo quer servir-se da avaliação de desempenho para travar as promoções e aumentar o aumento da massa salarial. Neste momento a proposta que temos melhora um bocadinho porque as progressões passam a ser de oito em oito pontos e não de dez em dez, mas faz com os trabalhadores da administração pública desçam na sua classificação final”, concluiu.
"Perdemos 20% do poder de compra"
Ao lado do grupo do Sindicato da Função Pública do Norte, esteve também representado o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP) com a dirigente Fátima Monteiro a explicar que esta adesão à greve da função pública se deve ao facto de também estes profissionais “se sentirem mais pobres” e “injustiçados com propostas de aumentos que são insuficientes”.
“Perdemos 20% do poder de compra e os aumentos que nos dão são de 3%, portanto o SEP e os enfermeiros não podiam deixar de estar nesta luta conjunta da administração pública”, disse.
Fátima Monteiro recordou que o SEP marcou já uma nova greve para dia 10 de novembro, mas procurou vincar que “os enfermeiros não vão de livre vontade para a greve, quem os empurra é o Governo que teima em desvalorizar a profissão”.
A dirigente criticou, também, alguns conselhos de administração por “não se preocuparem em ter os rácios adequados para o seu dia-a-dia e nos dias de greve condicionem o direito à greve".
"Como aconteceu neste hospital [referindo-se ao Hospital de São João, no Porto] Gaia e IPO que obrigaram todos os enfermeiros a prestar serviços mínimos como se fosse um dia normal de trabalho”, afirmou.
Quanto ao cumprimento de horas extraordinárias, Fátima Monteiro disse que há serviços em que cada enfermeiro tem 300 horas a mais do que devia fazer e deu o exemplo do Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa.
“Uma equipa de 100 enfermeiros tem neste momento 11.000 horas a mais”, referiu.
Questionada sobre a adesão à greve de hoje, Fátima Monteiro apontou que esta ronda os 70% e contou que, por exemplo no Hospital de São João, “só se estão a fazer as cirurgias urgentes”.