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O secretário-geral da ONU, António Guterres, afirma que o mundo “não está preparado” para enfrentar a pior crise económica e social desde a Segunda Guerra Mundial, denunciando a “fragilidade” das sociedades e do planeta.
Numa entrevista à RTP, o antigo primeiro-ministro português lembrou a falta de solidariedade e de unidade entre Estados que são importantes para garantir a segurança sanitária, salientando que essa é, infelizmente, a “grande conclusão” a retirar da pandemia de Covid-19.
“A grande conclusão é a de enorme fragilidade do nosso mundo, das nossas sociedades, do planeta. Trata-se de um vírus microscópico e esse vírus pôs-nos de joelhos. Ao mesmo tempo sabemos que somos extremamente frágeis às alterações climáticas, à não proliferação nuclear – vemo-la ameaçada todos os dias – e que no ciberespaço se passam muitas coisas que não controlamos e que põem também em risco a nossa vida quotidiana”, frisou.
Para Guterres, a fragilidade em que o mundo caiu deveria levar a uma “grande humildade” que, por sua vez, se poderia transformar numa “grande unidade e grande solidariedade”.
“O que é dramático é que, quando olhamos para a Covid-19, essa unidade falhou. Cada Estado desenvolveu a sua estratégia própria, as orientações da OMS [Organização Mundial de Saúde] não foram seguidas na maior parte dos casos e o resultado está à vista: uma pandemia que se move de país para país, que pode ter segundas vagas, numa forma completamente descoordenada a nível global, e a solidariedade não tem sido muita”, advertiu.
Salientando que os países mais ricos têm posto um “volume grande de recursos” para limitar o impacto económico e social da pandemia nos mais vulneráveis, sublinhou que tal não é suficiente, uma vez que os segundos têm tido “enormes dificuldades” para combater a doença e minorar os “terríveis problemas” das suas populações.
“Isto é uma grande lição. É de facto a maior crise que enfrentamos desde a Segunda Guerra Mundial e que demonstra que o mundo não está preparado para ela, que o mundo é demasiado frágil em relação às ameaças que se apresentam hoje para a humanidade”, frisou o secretário-geral da ONU.
O secretário-geral da ONU considerou ainda que um mundo dividido entre a China e os Estados Unidos será "extremamente perigoso" e que teia "inevitavelmente" consequências a prazo nos domínios da paz e segurança.
"O problema não é novo, uma vez que já há alguns meses referi que esta grande rotura que ameaça dividir o mundo em duas áreas, com duas economias separadas, com duas moedas dominantes, com regras económicas e comerciais distintas, com Internet e estratégias de inteligência artificial diferentes, um mundo dividido em dois seria extremamente perigoso e teria, inevitavelmente, consequências a prazo nos domínios da paz e segurança", afirmou Guterres numa entrevista à estação de televisão portuguesa RTP.
Insistindo na ideia de que, tendo em conta a atual pandemia, é necessário "um esforço global concertado", os "dois países mais poderosos do mundo, a China e os Estados Unidos", aliado ainda ao facto de estarem "profundamente divididos", tem "limitado fortemente" a capacidade da comunidade internacional responder à pandemia.
"É uma das maiores debilidades do sistema internacional atualmente. O Acordo de Paris não teria sido possível sem o acordo assinado entre os Estados Unidos e a China. A inexistência de um entendimento entre os dois países neste momento, aumenta enormemente a fragilidade da comunidade internacional, não só no combate à pandemia, mas face também a todas as outras ameaças que enfrentemos", advertiu.
Questionado sobre o que prevê que possa prevalecer, se o interesse nacional se o global, o secretário-geral das Nações Unidas lembrou que, ao contrário do que muitos pensam, "são coincidentes".
"Face a ameaças globais, o interesse nacional e o global coincidem. É pena que muitos interpretem que estão em contradição, mas não há nenhuma maneira deste problema ser resolvido à escala de um país se não for resolvido à escala global. Por isso, a solidariedade não é aqui uma questão de generosidade, é uma questão de interesse próprio bem entendido", argumentou.
Guterres advertiu também para o facto de, independentemente das divergências desse género, o mundo está a assistir a uma "certa tendência de um recrudescimento de tendências nacionalistas e populistas".
"Temos agora o racismo e a xenofobia e outras formas de irracionalidade que põem em causa os valores de que os europeus se podem orgulhar. Foi talvez a maior contribuição que a Europa deu à civilização mundial. Vivemos num mundo de pós ilustração, de irracionalidade. É verdade, pelo menos em muitos setores, em muitos aspetos, e daí a lógica do nosso egoísmo, do nacionalismo, do nosso país primeiro, esquecendo que o interesse do nosso país só pode ser realizado num quadro de solidariedade global", acrescentou.
"Será que vai prevalecer esta visão ou será que vai prevalecer aquela que, face à discriminação que há pouco descrevia, temos de nos unir, de pôr em conjunto as nossas capacidades, de reforçar os mecanismos internacionais de governo e as instituições multilaterais para respostas combinadas e para uma cooperação internacional mais intensa? É difícil dizer neste momento o que vai prevalecer", afirmou.
Nesse sentido, Guterres garantiu que sabe de que lado está e que tudo fará para que prevaleça a visão de que, face às ameaças globais, "são precisas respostas globais de instituições mais fortes e de perceber que os interesses nacionais e globais são coincidentes".
Guterres insistiu também no destaque ao papel de "vanguarda" da UE ao longo de todo o processo -- "também teve as suas dificuldades e as suas contradições, pois nem tudo foram rosas".
"E os vários países europeus tiveram também estratégias diferentes no combate à pandemia. Mas num dado momento houve afirmações de solidariedade, que se vieram a reforçar e, nesse aspeto, creio que a União Europeia está hoje um pouco na vanguarda em relação àquilo que desejaria que pudesse ser no plano internacional, ou seja, uma cooperação muito mais forte".
"Por outro lado, também é verdade que, em termos de solidariedade internacional, tem sido na Europa que temos conseguido maior apoio à tentativa de resposta aos problemas do mundo em desenvolvimento", concluiu.