“É um libelo contra a ditadura, cheio de ódio e má fé” ou “Em termos da maior inconveniência política, impõem a proibição”.
Eram frases como estas as que os censores escreviam nos livros, jornais, revistas, discos, filmes, anúncios ou outras publicações que agora são mostrados na exposição “Proibido por Inconveniente” que abre na quinta-feira ao público, em Lisboa.
No antigo edifício do Diário de Notícias, são mostradas centenas de documentos e relatórios de censura que espelham 48 anos de atividade. São documentos que pertencem ao Arquivo Ephemera, que tem vindo a ser construído por José Pacheco Pereira.
Em entrevista à Renascença, o historiador e antigo eurodeputado conta que anda sempre à procura de material para engrossar o espólio. “Hoje mesmo, um dia antes da inauguração, comprei coisas numa feira de livros usados sobre a Censura”, conta Pacheco Pereira, que diz, a brincar, que se tornou especialista em “divórcios, heranças, funerais, despejos”, eventos que possibilitam, muitas vezes, o resgate material para o arquivo.
Na exposição, o público poderá ver exemplos de páginas resgatadas ao lixo e que mostram como a Censura atuou. “Durante 48 anos, os portugueses viveram dentro de uma estufa ou de uma campânula, e os censores eram o vidro da campânula” explica Pacheco Pereira, sublinhando que “as pessoas sabiam que o país não era assim, mas não o podiam dizer”.
"A Censura é a instituição mais eficaz do Estado Novo. A PIDE e a polícia atacavam os corpos, a Censura atacava a cabeça” diz Pacheco Pereira, ele próprio também alvo do lápis azul.
Numa das vitrines está um livro seu - “Questões sobre o Movimento Operário Português e a Revolução Russa de 1917” - que foi proibido. Pode ler-se no relatório de 28 de dezembro de 1971: “Trata-se de uma compilação de textos do Partido Comunista Português (…) Os textos estão escritos de forma bastante acessível e, (…) são aliciantes, sobretudo para espíritos pouco preparados.” O censor conclui: “Sou do parecer que se proíba a circulação no País do livro em referência."
“Há, de facto, um mecanismo para proteger os portugueses da inconveniência”, conta Pacheco Pereira, recordando a forma como os censores atuavam “com o lápis vermelho e o azul”.
O comissário da exposição recorda, também, que ele próprio recorreu a “truques” para enganar os censores. Alguns desses textos que escaparam aos cortes são também mostrados nesta exposição, em notícias onde, por exemplo, o nome do cantor Zeca Afonso aparece escrito em espelho “Osnofa Acez”.
Questionado sobre a pertinência desta exposição, organizada em conjunto com a EGEAC. no âmbito da programação “Abril em Lisboa”, Pacheco Pereira refere-se ao “carácter pedagógico e cívico desta exposição” e relaciona-o com “o crescimento dos impulsos censórios nas redes sociais e nos principais mecanismos ideológicos associados à tecnologia”.
Face à atualidade da guerra, Pacheco Pereira refere que “o caso russo é um caso extremo, parecido com esta censura” e aponta para o facto de joje haver “censura de linguagem, palavras, expressões”.
Sobre o espólio que pode ser visitado até depois do 25 de abril, o arquivista diz que é “uma gota de água” de tudo o que o Ephemera tem sobre a Censura.
Quando pedimos a Pacheco Pereira que eleja uma “pérola” desse arquivo que esteja na exposição, o antigo deputado do PSD escolhe as publicações de José Vilhena. O escritor, cartoonista e humorista português “fazia os censores passarem-se, subirem pelas paredes acima e ele condensa de uma forma jocosa e satírica que hoje as pessoas veem com outro olhar, mas na época aquilo era revolucionário”.