É bom, mas não chega. Basicamente é esta a conclusão do Conselho Económico e Social (CES) no parecer discutido e votado no plenário desta segunda-feira sobre a proposta de Orçamento do Estado de 2023 no ponto relativo à redução transversal do IRS.
O CES reconhece que se prevê uma redução de imposto para todos os escalões e um acréscimo de rendimento líquido disponível das famílias, mas o parecer dos conselheiros a que a Renascença teve acesso aponta que a "proposta orçamental parece ficar aquém do que se justificaria no atual contexto, carecendo de maior visão estratégica".
Os conselheiros falam mesmo na "necessidade de adaptação do sistema fiscal às necessidades de dinamização da sociedade portuguesa e da própria economia". É tido em conta "o peso absoluto e relativo que o IRS continua a assumir na receita fiscal", mas considera-se que "este imposto deve merecer uma atenção prioritária no sentido da sua redução, sem prejuízo da sua função de equidade social".
O Governo propõe-se atualizar os escalões de IRS no valor de referência dos aumentos salariais para 2023 – 5,1%, propõe-se, ainda, reduzir em dois pontos percentuais, de 23% para 21%, a taxa marginal do segundo escalão e com estas alterações em sede de IRS, prevê-se, segundo o CES, "uma redução de imposto para todos os escalões e um efetivo acréscimo do rendimento líquido disponível das famílias".
Mas, há sempre um mas. No entender do CES "a proposta orçamental corre o risco de ficar aquém do que se justificaria no atual contexto" e acrescenta que "apesar de se falar em transversalidade e de abrangência em relação às chamadas classes médias, a realidade é que estas continuam a ser fortemente penalizadas em termos de carga fiscal".
É nesta altura do parecer que o CES assume que é necessária uma reforma do sistema fiscal, mas não aponta uma direção. A "reforma do sistema fiscal é um processo complexo que deve ser feita na base de estudos sérios e sem pressões de qualquer natureza".
Não é referido a que "pressões" os conselheiros se referem, mas ainda está fresco o debate que custou dissabores ao ministro da Economia sobre a redução transversal ou não do IRC.
O tema regressa mais à frente no parecer, no capítulo relativo às medidas destinadas às empresas. O CES considera que "no seu conjunto" estas se destinam "fundamentalmente a reduzir a carga fiscal e a alterar o regime de reporte de prejuízos" e reconhece "um esforço na redução da tributação sobre as empresas".
Mas surge a mesma recomendação. A de que "esta questão seja objeto de um estudo aprofundado, visando um regime fiscal incentivador do desenvolvimento da economia portuguesa e da produtividade".
O novo regime de incentivos à capitalização das empresas causa "sérias dúvidas" aos conselheiros sobre "se constitui, efetivamente, uma melhoria relativamente ao quadro atualmente em vigor". É deixado o alerta para que "seja feita uma avaliação do impacto destas medidas num futuro próximo".
Atualização de pensões a partir de 2023 levanta "várias reservas"
O capítulo do parecer do CES reservado às pensões está cheio de recados. A atualização de pensões, a Convergência do Complemento Solidário para Idosos (CSI) e do Complemento da Prestação Social para a Inclusão (PSI) com o limiar da pobreza ou atualização do Indexante de Apoios Sociais (IAS) em 8% são medidas vistas com "aspetos positivos", mas "algumas levantam várias reservas".
Entre essas reservas está "o modo como será calculada a atualização de pensões a partir de 2023, tendo em conta a fórmula legal de atualização". O parecer conclui que "a opção da proposta de OE significa uma perda do valor futuro das pensões, já que o complemento excecional não integrará o valor das pensões que serão objeto de aumentos em 2023, para além de que as percentagens de atualização serão muito inferiores às que resultam aplicação da fórmula legal".
O CES sugere ainda "reservas" em relação à "referência de 4% para a taxa de inflação em 2023 que está longe de ser uma previsão consensualizada". Os conselheiros dá assim razão às críticas dos partidos da oposição que têm as mesmas dúvidas sobre como vai ser a fórmula de cálculo das pensões a partir de 2024.
Segurança Social. "Devem ser equacionadas medidas de diversificação das fontes de financiamento"
De acordo com o OE, o orçamento da segurança social terá um "desenvolvimento positivo" em 2023, refere o CES. Mas ainda assim, são deixadas algumas recomendações, nomeadamente "medidas de diversificação das fontes de financiamento da Segurança Social que garantam a sua sustentabilidade".
Os conselheiros salientam ainda "a necessidade de acompanhar a evolução e as mudanças de fatores como a demografia, a estrutura do mercado de trabalho, as mudanças tecnológicas, os rendimentos e sua distribuição e o desenvolvimento económico, tendo em vista a necessidade de garantir um sistema que, simultaneamente, seja sustentável e garanta níveis adequados de proteção".
2023, mais um ano de "perda real dos salários" na Função Pública
Os conselheiros não têm dúvidas. Se entre 2009 e 2022 a Função Pública perdeu "mais de 20% de poder de compra", em 2023, a atualização prevista traduz-se mais uma vez numa perda real dos salários" dos trabalhadores do setor público.
É pedida ao Governo "maior ambição na valorização das carreiras e dos salários" e é criticada "pouca expressividade da recuperação salarial junto dos quadros mais qualificados" que "não parece ser de molde a fixar ou atrair novas competências para a necessária adequação da administração e do serviço público às novas exigências da sociedade portuguesa".
Mas o CES pede mais. "A proposta de orçamento deveria ser mais incisiva nesta vertente, não apenas em matéria imediata de reposição de poder de compra, largamente erodido ao longo de mais de uma década, mas, sobretudo, em termos de propostas de revisão geral do quadro de enquadramento" destes trabalhadores.
Há ainda um remoque ao Governo com o CES a considerar que "misturar as progressões e promoções com aumentos salariais não é a melhor maneira de quantificar a valorização salarial. Acresce que em muitos casos a ausência de progressões e promoções ficou a dever-se a decisões de natureza política que se mantiveram durante largos anos e que, em muitos casos, são irrecuperáveis, dado o envelhecimento" dos trabalhadores.
Medidas para alívio dos efeitos dos preços e da subida das taxas de juro são "insuficientes"
A redução do IVA na eletricidade, com um custo orçamental em 2023 de 90 milhões de euros, a manutenção dos preços dos passes de transporte público, com um custo orçamental estimado de 66 milhões de euros, são exemplos de medidas que o CES vê como "positivas" para mitigar o aumento dos preços e das taxas de juro. Mas são consideradas "insuficientes".
Os conselheiros alerta para "o impacto que o aumento dos juros nos empréstimos à habitação própria está a ter no orçamento das famílias" e aconselha a "uma monitorização mais próxima da evolução dos preços de bens essenciais, com a consequente avaliação da necessidade de serem inseridas novas medidas de apoio às famílias e de limitar comportamentos especulativos na formação de preços".
É vista como "positiva" a aplicação do mecanismo excecional e temporário de ajuste dos custos de produção de energia elétrica, definido entre Portugal e Espanha, com o acordo da UE, no âmbito do Mercado Ibérico de Energia, com o CES a referir ainda que "regista a evolução da posição nacional e europeia relativamente à aplicação de um imposto sobre lucros extraordinários".
Escola Pública e Saúde. Da falta "galopante" de docentes ao investimento em médicos e enfermeiros
No capítulo relativo ao investimento público, o parecer salienta em relação à Educação que que "o cruzamento das previsões sobre a aposentação de docentes e o número de diplomados em cursos de formação de professores, comprova que o impacto da falta de docentes será galopante".
Contas feitas, "de 110 mil estudantes sem professores em 2023 passar-se-á para 250 mil em 2025, isto é, mais de metade dos estudantes do 7.º aos 12.º anos de ensino estarão nessa altura sem aulas, pelo menos a uma disciplina".
O CES nota, contudo, que "no orçamento para 2023, verifica-se uma diminuição de 7,6% da despesa total consolidada na educação básica e secundária, o que coloca o país abaixo da média do que os países da OCDE gastam por aluno nestes níveis de ensino".
Em relação ao setor da saúde, o CES alerta para a necessidade "de investimento nos serviços públicos e da valorização dos e das profissionais de saúde, bem como o cumprimento dos indicadores de população" com médico e enfermeiro de família atribuídos.
Nas conclusões, os conselheiros admitem que "no longo prazo, as perspetivas de evolução de receitas e despesas não revelam evoluções dramáticas, dando tempo para preparar medidas de ajustamento que se revelarem necessárias".