Beatriz Ribeiro, Nuno Moreira e Paulo Cubal são três professores, entre muitos outros, que depois do toque de saída da escola, têm outra ocupação. Precisam de um segundo emprego para garantir o dinheiro suficiente para pagar as contas. São testemunhos de quem gosta de dar aulas, mas que lamenta a pouca valorização que é dada à profissão e que marcam esta semana em que o Ministro da Educação vai estar no parlamento no âmbito da apreciação na especialidade do Orçamento do Estado para o próximo ano.
Para a mesma altura, no dia 2 de novembro, foi convocada uma greve de professores pelas duas grandes Federações que representam a classe: a Federação Nacional da Educação (FNE) e a Federação Nacional dos Professores (FENPROF). Junta-se também a esta greve o Sindicato de Todos os Profissionais de Educação (S.T.O.P).
“Se não tivesse necessidade não andava nesta loucura”
Beatriz Ribeiro, de 27 anos, já está habituada a dias preenchidos para dar resposta a todas as atividades a que se dedica. Esta professora do primeiro ciclo nunca sabe se consegue um lugar na escola para ensinar, porque tem optado sempre por dar aulas perto de casa, na região do Montijo, para poder acompanhar o filho ainda pequeno.
Admite à Renascença que seria complicado candidatar-se para escolas longe de casa e “andar para trás e para a frente com uma criança pequena”, por isso, perto de casa, só consegue vaga para substituir outro colega, o que está a fazer neste momento, em regime de contrato, até dezembro.
No ano letivo passado esteve em 3 escolas e houve meses em que não conseguiu uma colocação e sem uma remuneração certa ao final do mês, teve de “procurar outros trabalhos”. Agora reparte a vida entre o ensino e a cozinha, numa jornada de trabalho que começa às 6 horas no restaurante para “orientar as coisas”.
Às 9 horas entra na escola, onde dá aulas até às 15h30, depois vai para outra escola onde dá aulas de inglês até às 17h30. O dia de trabalho prossegue depois em casa, onde dá explicações e por volta das 19 horas regressa ao restaurante onde se ocupa da cozinha.
Este é o dia a dia de Beatriz Ribeiro, porque tem de “garantir um rendimento certo para quando falha” o salário de professora. Reconhece que “se não tivesse necessidade não andava nesta loucura”, acrescentando que estas jornadas de trabalho funcionam porque tem “uma grande ajuda da família”.
“O salário de professor não chega para tudo”
A necessidade de compor o orçamento familiar levou Nuno Moreira a arranjar uma segunda ocupação. Este professor de multimédia, a alunos do ensino profissional, no Agrupamento de Escolas Alves Redol, em Vila Franca de Xira, depois do toque final de um dia de aulas faz “filmagens maioritariamente para as assembleias de freguesia, duas ou três freguesias da zona” onde mora.
Nuno Moreira tem de esticar o horário pela noite dentro, porque “estas assembleias terminam, muitas das vezes, pela uma da manhã”. No dia seguinte, o toque de entrada na escola acontece pelas 8 horas da manhã.
Este professor, que tem horário completo na escola, admite que precisa de ter uma segunda ocupação porque “o salário de professor não chega para tudo, para fazer face a todas as despesas que temos cá em casa”. Nuno Moreira tem muito trabalho, que também se prolonga pelo fim-de-semana para fazer filmagens de eventos, como casamentos, e até de videoclips. Nuno Moreira admite que não lhe falta trabalho, que já se tornou habitual ouvir perguntar se está livre no fim-de-semana e que está “sempre a pensar no que vai fazer amanhã, sempre com uma agenda cheia”.
O dia a dia é, de facto, “feito sempre a correr” e todos os minutos são preciosos, por isso “mesmo as horas de almoço são ocupadas a fazer pequena coisinhas”: um logotipo, uma imagem ou um cartão.
“Ir todos os fins-de-semana a casa torna-se insuportável”
Paulo Cubal, 42 anos, é professor de Educação Física e dá aulas em Lisboa, no Agrupamento de Escolas D. Dinis. É efetivo, mas está a cerca de 400 quilómetros de casa, por isso, confessa à Renascença que o “salário de professor não chega para pagar as contas”.
Na conta bancária de Paulo Cubal “entram cerca de 1140 euros já com subsídio de alimentação” e deste valor mensal tem de descontar os “500 euros de renda de casa, todas as despesas inerentes à vida na cidade e as despesas com deslocações aos fins-se-de-semana”.
Paulo Cubal é de Caminha e admite que “ir todos os fins-de-semana a casa torna-se insuportável”, porque ir passar um fim-de-semana pode ficar por cerca de 150 euros, um valor muito alto que faz com que tente combinar boleias com colegas, e nesses casos, ida e volta, fica em 40 euros.
Para fazer face às despesas, este professor trabalha num ginásio e num clube de padel, por isso, sai de casa pelas sete e meia da manhã e chega a casa pelas dez da noite. Paulo Cubal reconhece que tem “uma carga horária bastante puxada” e lamenta que não possa aproveitar o que Lisboa tem, porque “não tem tempo, nem dinheiro para usufruir o que a capital oferece”.
Admite que já andou desmotivado, porque esteve 16 anos a ser professor contratado, sem perspetivas de carreira, e quando finalmente conseguiu entrar no quadro apercebeu-se que o “salário era exatamente o mesmo”.