D. Manuel Felício denuncia gritante défice de estratégias para o interior
17-12-2024 - 19:27
 • Liliana Carona

O prelado diocesano da Guarda considera que existe um “gritante déficit de esforço e de estratégias para conseguirmos o desejado equilíbrio na distribuição de pessoas e serviços pelo todo nacional”.

Na tradicional Mensagem de Natal, o bispo da Guarda alerta que os "D. Sanchos" de hoje não concedem benefícios para repovoar o Interior e recorda o fracasso da maioria das medidas anunciadas para a região.

O prelado diocesano considera que existe um “gritante défice de esforço e de estratégias para conseguirmos o desejado equilíbrio na distribuição de pessoas e serviços pelo todo nacional”.

“De facto, nós temos visto que vem sendo adiado sistematicamente o esforço e as tais estratégias para que os equilíbrios venham, estratégias como, há muitas, não é? Como é que D. Sancho I repovoou esta região? Com certeza, concedendo benefícios a quem viesse aqui instalar-se. Ora, Eu Não vejo que haja essa vontade. Não vejo que, como fez o D. Sancho. Hoje os D. Sanchos não fazem o mesmo esforço de conceder benefícios consideráveis a quem se instalar aqui para desenvolver aqui a sua atividade para produzir aqui riqueza e distribuir às pessoas que aqui se encontram. O que mais à vista salta mais à vista que as pessoas aqui não têm as condições que existem nos grandes centros e fogem para lá, só que qualquer dia o barco tomba. E ao tombar, com certeza que ao tombar, os que estão daquele lado, até vão em primeiro lugar”, diz.

E acrescenta: “Houve 140 medidas, houve festa, reportagens com o senhor Presidente da República, o senhor primeiro-ministro, mas os resultados não sou o que eu digo, vós, vedes como eu, quais foram os resultados? Eu não vejo resultados significativos. Espero que o anúncio de que a via férrea da Beira Alta esteja em pleno no primeiro trimestre de 2025 aconteça."

Em conversa com a Renascença, o bispo da Guarda abordou ainda a sua resignação. D. Manuel Felício espera ser substituído até à próxima Quaresma, mantendo a mensagem já proferida há um ano. D. Manuel Felício, que completou 77 anos a 6 de novembro, tinha já pedido para sair há quatro anos.

“Em 6 de novembro do ano passado, 2022, lembrei a carta enviada ao Santo Padre em 2019 e afirmei o meu propósito de novo trabalho fora da Diocese. Espero que até ao início da próxima Quaresma a Diocese da Guarda conheça o seu novo bispo e que ele já presida às próximas solenidades pascais”, apela.

A Diocese da Guarda tomou conhecimento da nomeação de D. Manuel Felício há 20 anos. Atualmente a diocese tem quatro seminaristas em Braga e 94 sacerdotes ao serviço pastoral, 85 estão no ativo e destes, muitos têm mais de 80 anos.

Mensagem de Natal de D. Manuel Felício:

A Esperança não engana, diz-nos o Papa Francisco na Bula com que convoca o Jubileu Ordinário de 2025. Ora, essa Esperança que não engana está no Menino do Presépio de Belém, cujo Nascimento vamos, mais uma vez, celebrar na Festa do Natal.

E, na realidade, este foi um nascimento que confundiu e continua a confundir o Mundo. Não se esperava do Senhor do Universo um gesto de tanta humildade, pobreza e desprendimento. Para Ele não houve lugar dentro da cidade e, por isso, teve de ir nascer fora, nas periferias representadas no Campo dos Pastores, contentando-se com a pobreza da manjedoira e o aconchego dos animais. É certo que não lhe faltou o essencial do amor e da companhia de Sua Mãe e de S. José; o amor e o conforto de uma Família.

Mais uma vez, neste Natal, paramos, diante do Presépio, para tomarmos consciência das grandes mudanças e conversões que precisamos de realizar na nossa vida pessoal e comunitária, como da própria sociedade enquanto tal. Estamos a lembrar-nos do que nos pede o Sínodo sobre a sinodalidade, encerrado há pouco mais de um mês, o qual nos deixou recomendações muito concretas.

Uma delas é a conversão nas relações que devem existir entre todos os seres humanos. Precisamos de relações verdadeiramente fraternas, com a consciência de que constituímos a mesma Família Humana, presidida pelo Pai comum, o nosso Criador. Não podemos limitar-nos à coexistência pacífica ou, pior ainda, resignar-nos perante as guerras e os conflitos, que infelizmente continuam a atormentar-nos e em ritmo crescente, a ponto de termos de dar razão ao Papa, quando alerta para a tal “terceira guerra mundial aos pedaços”.

Por isso, neste Natal queremos fortalecer as nossas relações em Família, em sociedade, e ter uma atitude mais ativa e geradora de fraternidade sobretudo para com os mais necessitados. É de lembrar que, mesmo os benefícios do próximo Jubileu de 2025, nós os podemos conseguir, entre outras formas, também através da prática das obras de misericórdia para com os que mais precisam, como são os doentes e os idosos, os presos, os que vivem em solidão, os deficientes (recomendação do Decreto sobre a Indulgência Jubilar datado de 12.5.2024).

Diante do Presépio, impõe-se que façamos igualmente a revisão de todos os processos que regulam a nossa vida em sociedade. É preciso assumir a coragem da necessária prestação de contas, a nós e aos outros, sobre tudo o que fazemos para nosso bem e em favor do Bem Comum. A avaliação contínua tem de fazer parte da nossa prática habitual, a todos os níveis, começando por aqueles aos quais está confiada a primeira responsabilidade de velar pelo bem dos cidadãos e suas comunidades.

Há ainda uma outra revisão que o Presépio nos pede para fazermos; esta, sobre o equilíbrio e a coesão que precisam de ser reforçados no conjunto da sociedade. Não se podem consentir modelos de desenvolvimento que, em vez de desfazerem as desigualdades gritantes, mais as aumentam, gerando desequilíbrios que não auguram nada de bom para o nosso futuro coletivo. Precisamos de novos caminhos que resultem da mudança na gestão das ligações entre os diferentes serviços, comunidades e espaços geográficos da mesma Nação que nós somos.

Continua a preocupar-nos, no nosso país, o gritante déficit de esforço e de estratégias para conseguirmos o desejado equilíbrio na distribuição de pessoas e serviços pelo todo nacional.

A lição de solidariedade do Menino do Presépio pede a escolha de modelos de desenvolvimento que promovam a proximidade entre as pessoas, as comunidades e as regiões; caminhos esses que sejam definidos com a máxima participação de todos os cidadãos.