As redes sociais têm mecanismos de viciação semelhantes ao álcool e a outras drogas psicoativas, diz um estudo realizado por uma equipa de investigadores da Universidade Lusíada, cujos resultados são conhecidos em detalhe esta terça-feira, numa sessão realizada no Instituto para os Comportamentos Aditivos e as Dependências (ICAD), em Lisboa.
Intitulado "Scroll, Logo Existo", o projeto alerta para a semelhança entre os ecrãs de computador ou de telemóvel e outras substâncias aditivas. "A Internet, em particular as redes sociais, funcionam como um mecanismo de compensação que pode ser semelhante à automedicação, o álcool ou outras drogas psicoativas", explica Joaquim Fialho, um dos responsáveis pela investigação, em entrevista à Renascença.
À medida que o mundo vai ficando cada vez mais digital, cresce também o número de pessoas expostas aos ecrãs um grande número de horas. "Há estudos que indicam que fazemos cerca de 4 km em média de scroll por dia", acrescenta Joaquim Fialho.
Privação provoca níveis de irratibilidade elevados
No inquérito desenvolvido pela equipa da Lusíada, e em que participaram 1700 internautas, fez-se o diagnóstico da utilização dos ecrãs pela população portuguesa. Para a generalidade das pessoas, não há propriamente uma dependência dos ecrãs, mas uma "submissão generalizada" às tecnologias, caracterizada "pela perda de noção do tempo" quando se está a navegar e também por "níveis de irritabilidade elevados" sempre que existe privação.
Isto revela já problemas do âmbito psicológico e emocional, sobretudo entre os jovens até aos 24 anos, os estudantes, as pessoas de baixa escolaridade e a população inativa, cuja grande fatia são os reformados.
[É] um mecanismo de fuga, como uma alternativa compensatória para aliviar sentimentos de culpa, ansiedade e depressão
Nestes grupos mais susceptíveis, navegar na internet é como entrar "num mar de prazer" que funciona como "um mecanismo de fuga, como uma alternativa compensatória para aliviar sentimentos de culpa, ansiedade e depressão". Serve, portanto, para esconder estados psicológicos mais profundos, como a "frustração, a impotência, a tristeza". No entanto, as empresas que desenham as aplicações que temos instaladas nos nossos telemóveis e computadores também devem ser responsabilizadas, defende Joaquim Fialho.
"As próprias aplicações estão feitas através de mecanismos que geram uma necessidade de lá estar, ou seja, a simplicidade do manuseamento, a cor, a novidade que está sempre a acontecer, são três fatores que geram adição aos ecrãs".
Neste contexto, são cada vez mais comuns as situações em que "se perde o controlo sobre a utilização" e se cai numa adição mais profunda e de maiores consequências. A equipa da Lusíada inquiriu indivíduos com maior propensão para a dependência e compilou alguns sinais de alerta aos quais se deve estar atento.
"Identificámos alguns elementos, como a nomofobia, que é a necessidade de estar ligado, a síndrome do toque fantasma, que é pensarmos que o smartphone está a vibrar quando na realidade não está, o transtorno de dependência de Internet, que é a necessidade de lá estar, mesmo sabendo que vou lá, não sei bem fazer o quê, mas tenho que lá estar, a hipocondria digital, quando a internet funciona como um médico, onde que uma simples dor se transforma numa multiplicidade de diagnósticos, a depressão das redes sociais, que é a alteração de comportamentos e até dos próprios sentimentos quando está e quando não está".
Sensibilizar em vez de proibir
O problema tem que começar a ser levado a sério e gerar um debate público envolvendo toda a sociedade, aponta o especialista, pois as relações entre as pessoas estão-se a "transformar por completo", começando a "ser mediadas sobretudo através de ecrãs, que são no fundo a nossa caixa negra".
Assim, Joaquim Fialho considera que é preciso "ensinar novamente a interação social face a face, que é algo que estamos a perder" e acredita que as ações de sensibilização para a literacia digital são a resposta certa.
O problema é quando se perde o controlo sobre a utilização.
"Proibir não é, de facto, a melhor solução", sustenta, até porque "o proibido é o mais apetecível". No caso concreto dos jovens, Joaquim Fialho dá o exemplo do álcool: "Sabemos que é proibido para menores de 18 anos, mas não é por isso que eles deixam de consumir".
O investimento na educação é fundamental, alerta: "Nós temos que preparar os educadores, e educadores aqui não são os professores, são pais, são os filhos, são os familiares, são os amigos... Temos que preparar a sociedade em geral para uma utilização saudável do smartphone".
Sobretudo num país como Portugal, que com uma população de 10 milhões de habitantes tem mais de 15 milhões de números de telemóvel ativos. É um rácio "de smartphones superior a 150%", lamenta.