O coordenador nacional de projetos da Helpo em Moçambique, Carlos Almeida, diz à Renascença que “o receio latente das pessoas” na região de Cabo Delgado faz com que estas “abandonem as suas localidades", mas quando não há um perigo real, mas por força de "boatos”.
Recentemente chegado a Portugal, depois de estar algumas semanas em Cabo Delgado, Carlos Almeida afirma que "Há pessoas que estão neste momento a abandonar as suas localidades, não porque haja um perigo real, mas porque, neste momento, já funciona mais o medo e a força dos boatos”, diz o dirigente organização Helpo.
“Temos a sensação de que Pemba está segura, mas é uma segurança a 200 quilómetros do perigo e, por isso, deixa algumas pessoas um pouco inquietas. E este é um problema acrescido”, relata.
"Os primeiros dois terços de pessoas fugiram como resposta aos ataques. Ou seja, fugiram a situações de terror puro, porque estavam as suas aldeias a ser invadidas, as suas casas a ser incendiadas, meninas a ser raptadas", mas, "neste momento já funciona mais o medo", acrescenta.
Neste relato à Renascença, Carlos Almeida revela que teve a oportunidade de “visitar, em Metuge, os seis campos de deslocados”, de onde saiu "de coração partido".
“Posso testemunhar que aquilo que vi é, efetivamente, de partir o coração. As pessoas estão sem condições nenhumas, apesar de estarem acompanhadas pelo instituto nacional de gestão de calamidades”, revela o coordenador da Helpo que destaca também o papel da Igreja e, em particular, “a força enorme da diocese de Pemba, na pessoa do D. Luís de Lisboa que tem sido incansável contra o problema e, agora, também na luta para poder ajudar os principais necessitados”.
Ainda assim, Carlos Almeida sublinha que “toda a ajuda é pouca, porque são muitas pessoas e as necessidades são maiores do que a ajuda que está disponível".
Crianças são o foco das campanhas da Helpo
Ainda com uma visão fresca do que pôde observar no terreno, Carlos Almeida diz que o foco e “a preocupação está, mais do que no lado do conflito, no lado das vítimas” e que cerca de metade dos 471 mil deslocados são crianças".
”Como a Helpo tem projetos na área da educação e da nutrição materno-infantil, esse é realmente o nosso principal foco”, sublinha.
"Neste momento, está em curso uma campanha de recolha de fundos que visa por um lado fazer rastreios nutricionais às mães e às crianças para saber das suas condições para saber o seu estado nutricional para depois as poder encaminhar para os serviços de saúde. E em paralelo também estamos muito preocupados com a escolaridades destas crianças”, precisa Carlos Almeida.
“Como eu referi, metade destes deslocados são crianças e a grande parte está em idades escolar e corre-se um risco muito grande, por não terem condições, por terem falta de material, por alguns não terem documentos, por não estarem integrados, até porque a língua é diferente, pois as pessoas que vem mais do norte falam um a língua diferente. Por tudo isso, há uma grande preocupação”, acrescenta.
Noutro plano, o responsável alerta para a possibilidade de a “situação se descontrolar, apesar de, aparentemente, Pemba, que é a capital da província de Cabo Delgado, estar longe do perigo e estar segura”, porque “está latente algum receio nas pessoas que as coisas possam crescer para outros patamares mais violentos e que efetivamente estes ataques possam descer para mais a sul e chegar à Capital de província".
"União na comunidade"
"Aquilo que se está a notar é que as forças vivas de Cabo Delgado - e não falo só das organizações não governamentais nas quais a Helpo está incluída -, mas sobretudo, como já referi, o bispo de Pemba e a comunidade local estão fortemente empenhadas em ajudar”, reforça Carlos Almeida.
Neste testemunho à Renascença, poucas horas depois do seu regresso a Portugal o coordenador nacional de projetos da Helpo em Moçambique lembra também que “há uma forte comunidade islâmica que tem sido incansável na ajuda destas pessoas”, e que “apesar de estes ataques estarem conotados com o estado islâmico, todas as pessoas sabem que isto não tem nada de questões religiosas, tanto mais que as principais vítimas são muçulmanas e a própria comunidade muçulmana tem feito uma ajuda incansável, inclusivamente trabalhando lado a lado com o D. Luís de Lisboa”.
"Penso que é das coisas mais bonitas que no meio desta desgraça toda está a acontecer. Ou seja, tem havido uma união muito grande. quer da sociedade civil quer também de algumas entidades governamentais. O Instituto Nacional de Gestão de Calamidades tem feito um bom trabalho, dentro das suas limitações”, refere.
“A ajuda está a chegar, mas é ,efetivamente, pouca para as grandes necessidades que estas pessoas têm", remata.