Os hospitais públicos estão endividados e "à beira de um ataque de nervos", indica o estudo do Observatório Português dos Sistemas de Saúde (OPSS), divulgado nesta terça-feira.
O Relatório de Primavera 2018 do OPSS constata que os hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS) continuam marcados pela crise económica, apesar de o país já não se encontrar sob intervenção externa.
Falta de liquidez, ameaça de necessidade de injeção de dinheiro e aumento da dívida a fornecedores é o dia a dia atual dos hospitais e tem "conduzido à prática de entregas de verbas a título extraordinário aos hospitais".
Porquê? segundo o relatório, porque, em grande parte, a tesouraria dos hospitais é determinada centralmente pelo controlo de autorizações do Ministério das Finanças, enquanto o ciclo económico das unidades é estabelecido através de um orçamento preparado e monitorizado pelo Ministério da Saúde.
Os hospitais vivem, assim, limitados para realizar despesas correntes e de investimento.
"No país, a crise económica acabou, mas no setor hospitalar continua", resume o relatório.
Reforma estruturante vs ganhos rápidos
"O tempo da reforma hospitalar foi afetado, não só pelo quadro de restrições financeiras, mas também pela incerteza gerada pela solução governativa inovadora. O tempo de lançamento de reformas estruturantes, tipicamente no início das legislaturas, foi condicionado pela capacidade de obtenção de ganhos rápidos que justificassem a solidez dessa mesma solução", indica o Observatório.
Foi criada uma coordenação nacional para a reforma dos cuidados de saúde hospitalares, mas não são conhecidos os resultados globais do seu funcionamento.
Em termos globais, a análise feita ao setor público da saúde nos últimos dois anos aponta para um setor hospitalar endividado, cobertura insuficiente pelos cuidados de saúde primários, medidas simples e efetivas de saúde pública ainda por tomar e cuidados continuados com pequenos desenvolvimentos.
O Observatório Português dos Sistemas de Saúde é constituído por uma rede de investigadores e instituições académicas dedicadas ao estudo dos sistemas de saúde.
Tem como finalidade proporcionar a todos aqueles que podem influenciar a saúde em Portugal, uma análise precisa, periódica e independente da evolução do sistema de português e dos fatores que a determinam.
Medicamentos ainda sem uso racional
O acesso a medicamentos na fase pós-troika teve um aumento significativo, o que levou a mais despesa do Serviço Nacional da Saúde, mas que não foi acompanhada por medidas de utilização racional e responsável, revela ainda o relatório.
O aumento de encargos pode ser explicado, em parte, pelas novas moléculas comparticipadas em ambulatório, um total de cerca de 40 novas entre 2015 e 2017.
Além disso, aumentou a taxa média de comparticipação estatal, atingindo em 2017 o valor mais elevado dos últimos cinco anos (63,9%).
Um maior acesso a medicamentos exigiria, segundo o Observatório, "um acompanhamento por medidas assentes num quadro que sustentasse e promovesse a utilização e o uso responsável de medicamentos". Mas tal não aconteceu.
Pelo contrário, considera o relatório, foi-se assistindo a um esvaziamento das instituições que eram os alicerces de "uma política sustentável e responsável na utilização dos medicamentos no SNS".
O Observatório realizou uma análise regional sobre a despesa com medicamentos. A nível nacional, a despesa 'per capita' foi de cerca de 200 euros, com o Alentejo e a região Centro com valores superiores à média nacional. Já o Algarve surgiu como a região com menor despesa 'per capita'.
Ao nível do que os cidadãos pagam diretamente com medicamentos, a média nacional situa-se nos 71 euros, sendo também o Alentejo e o Centro as regiões onde mais se gasta 'per capita' num ano nestas despesas a cargo das famílias.
As infeções associadas aos cuidados de saúde e resistência aos antimicrobianos também foram analisadas no relatório, que alerta para a necessidade de agir contra este "problema tão complexo e com impactantes implicações na saúde", com estratégias a curto, médio e longo prazo que contemplem ações alinhadas com as políticas de saúde nacionais e com as diretrizes das instituições internacionais.
"O mais importante já existe – profissionais de saúde com enorme resiliência e militância, dedicados e empenhados em dar o seu melhor no dia-a-dia em prol da prestação de cuidados de elevada qualidade e segurança", sublinha.
Críticas e recomendações
Os autores do relatório condenam "as medidas avulsas, os voluntarismos esporádicos ou intervenções, instrumentos legais e discursos pontuais e mediáticos, que têm dominado a intervenção nesta área".
Deixam, por outro lado, oito recomendações, entre as quais melhorar o conhecimento destas infeções e da resistência aos antimicrobianos com integração de informação nos cuidados de saúde primários e cuidados continuados e integrados e na rede de vigilância epidemiológica.
Aumentar o envolvimento dos doentes e das famílias na implementação de medidas de prevenção e controlo da infeção, através de programas de literacia em saúde, e criar políticas de incentivo e penalizações são outras recomendações do relatório.
Segundo o último relatório publicado pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, Portugal apresentava, em 2011, uma taxa de prevalência de infeções hospitalares (IACS) de 10,6%, quase o dobro da média dos restantes países europeus.