São os atos eleitorais com maior abstenção em Portugal – em 2019, a taxa chegou aos 69,3% –, mas nem por isso devem ser vistos como o “parente pobre”. As eleições europeias só estão marcadas para junho – e, pelo meio, ainda há legislativas –, mas há muito a fazer para aproximar os jovens da Europa, “que só a veem lá muito ao longe”.
Este é, pelo menos, o voto por unanimidade dos primeiros convidados de 2024 do Geração Z. Quatro entusiastas da Europa – dois eurodeputados, uma antiga assessora do Parlamento Europeu e um estudante universitário – fazem o diagnóstico do pouco interesse dos jovens na União Europeia e traçam as prioridades para a próxima legislatura.
São mesmo a geração que menos quer saber da Europa? Ou será a Europa que não lhes dá a saber o que querem? E o vocabulário europeu? Não será demasiado confuso e complicado?
João Albuquerque, eurodeputado do Partido Socialista desde 2022, afasta as “narrativas pessimistas ou catastróficas” sobre a participação eleitoral nas Europeias. Apesar de o Eurobarómetro indicar, no final do ano passado, que pelo menos seis em cada dez jovens não iria votar em junho, o socialista relembra que houve uma “inversão generalizada da participação eleitoral em quase toda a Europa nas últimas eleições” e que só não foi acompanhada por Portugal devido a ajustes nos cadernos eleitorais.
Por isso, e em 2024, a fórmula para aumentar o número de pessoas a ir às urnas é fácil – aproveitar o sentimento “genuíno e positivo” dos jovens em relação à Europa.
“Compete à Europa transmitir o tanto que faz por cada um de nós no nosso quotidiano, quer na construção de hospitais, de escolas, de estradas, de infraestruturas. As alterações climáticas são o exemplo mais paradigmático (...), mas a União Europeia também foi a primeira a apresentar legislação muito progressista para a Inteligência Artificial”, explica.
Votar aos 16 anos? “Nim”
Do outro lado do espetro político, a eurodeputada social-democrata Lídia Pereira considera essencial criar programas de literacia para a política europeia nas escolas – “é por aí que colocamos a Europa no dia-a-dia dos jovens”. Mas se parece haver um bloco central neste tema, o consenso rapidamente se desfaz quando falamos de reduzir a idade do voto para os 16 anos.
Para João Albuquerque, a medida – que já está em vigor na Áustria e que, nestas europeias, vai passar a existir também na Alemanha e na Bélgica, por exemplo – era um passo “extraordinário” para apostar na consciência política das gerações mais novas e que complementaria outros projetos escolares, como o Parlamento dos Jovens ou a Simulações das Nações Unidas.
Já a também presidente da Juventude do Partido Popular Europeu não tem uma “opinião fechada” sobre a questão, mas não é “propriamente defensora” porque ainda não conseguiu ver em “dados concretos o impacto que teria em reduzir a abstenção”. Lídia Pereira prefere chamar os jovens para a Europa com outro tipo de medidas – nomeadamente através de uma estratégia forte de redes sociais.
“Nós temos de estar onde as pessoas estão. Se, hoje em dia, as pessoas estão mais nas redes sociais, nós temos de estar nesses fóruns e ir acompanhando. É um exercício de prestação de contas, mas também de auscultação, de perceber o que as pessoas privilegiam da atividade política”, defende.
Os jovens sentem a Europa como “pouco democrática”
Diogo Meneses aponta precisamente a falta de iniciativa dos políticos europeus como uma das causas do desinteresse jovem na Europa, a par da falta de literacia política. Atualmente a frequentar o mestrado em Economia na Universidade do Porto, Diogo é presidente da Academia Política Apartidária – uma associação feita por universitários e que tenta promover nos jovens, através de workshops, uma cidadania mais ativa, esclarecida e participativa.
Do muito contacto que tem com jovens da sua idade, Diogo Meneses apercebe-se de que as instituições europeias não estão “lá muito próximas deles”, em grande parte por culpa de “iniciativas pouco democráticas”, como o programa Erasmus.
“O programa Erasmus é muito pouco democrático. Há apoios da União Europeia, mas mesmo assim, infelizmente, alguns estudantes não conseguem ir, por exemplo, de Erasmus para Paris ou para outros países da União Europeia - onde estão as melhores escolas - porque o seu nível de vida ou poder de compra não é nada parecido com a realidade portuguesa", detalha.
Simplificar, simplificar, simplificar
Quem também tem uma análise semelhante é Margarida Marante, antiga assessora de imprensa e estratégica de Paulo Rangel no Parlamento Europeu. Não acha que a distância entre jovens e política tenha uma só causa – e as gerações mais novas também são culpadas, uma vez que “com as redes sociais e o TikTok, têm hoje mais facilidade em ocupar o vazio e isso provoca desinteresse e falta de atenção noutras matérias”.
Porém, e depois de meses a fio a percorrer os corredores de Bruxelas, considera que as instituições europeias ainda “têm de sair da bolha” e falar para o grande público, que não está à partida interessado na Europa. Um “desafio”, mas que se torna mais fácil com uma regra básica – simplificar a mensagem e pensar que se está a falar cara-a-cara com o eleitor.
“É difícil comunicar por ‘A+B’ as espécies de peixes que estão a ser mais protegidas ou mais pescadas, por exemplo. Há coisas muito técnicas que não são giras para transmitir a um jovem. Tem de haver uma atenção dos eurodeputados para voltarem aos círculos europeus e comunicar de forma simples, próxima e criativa, sem grandes tabus nem complicações”.
No início de janeiro, o vice-presidente da Comissão Europeia, Margaitas Schinas, pediu à cantora norte-americana, Taylor Swfit, para apelar ao voto durante a sua digressão pela Europa – uma tentativa de reduzir a abstenção entre os mais jovens, já que o incentivo ao voto da artista nas redes sociais fez subir a participação eleitoral nas eleições norte-americanas.
Margarida Marante vê com “bons olhos” a estratégia, mas alerta que se pode tornar “agridoce” caso seja tomada por forças políticas extremistas – “se for uma força política contra o Estado de Direito a usar o ‘Rock in Rio’ para propaganda já não vamos achar tanta graça”, remata.