A eleição para a presidência da Organização Internacional para as Migrações (OIM) está marcada para sexta-feira. Na corrida a esta agência das Nações Unidas, com sede em Genebra, estão o português António Vitorino, o norte-americano Ken Isaacs e a costa-riquenha Laura Thompson.
Quem for escolhido para o mandato de cinco anos vai ter uma das missões mais espinhosas e complicadas do mundo, numa era em que milhões de pessoas fogem de guerras, perseguições e da pobreza em vários pontos do planeta.
Vitorino, um currículo de peso
O candidato indicado pelo Governo português nasceu há 61 anos, em Lisboa. Ao longo das últimas décadas, a sua área de intervenção estendeu-se da Política à Justiça, passando pelos negócios e comentário na comunicação social.
Até há pouco tempo, fez parte do painel do programa Fora da Caixa da Renascença, juntamente com Pedro Santana Lopes.
Antes da licenciatura em Direito e do mestrado em Ciências Jurídico-Políticas, António Vitorino entrou nos tempos do liceu para as fileiras da Juventude Socialista.
A política exercia fascínio sobre o advogado. Chegou pela primeira vez à Assembleia da República, em 1980, e foi sendo sucessivamente eleito deputado até sair em 2006.
Pelo meio ocupou funções no Governo e ao mais alto nível na justiça: foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, secretário de Estado do Governo de Macau, ministro da Presidência e ministro da Defesa. Também foi indicado pelo PS para juiz do Tribunal Constitucional.
Profundo conhecedor dos assuntos europeus, António Vitorino foi eurodeputado, entre 1994 e 1995, e comissário europeu da Justiça e do Interior, de 1999 a 2004.
Sócio da sociedade de advogados Cuatrecasas, professor e autor de várias obras na área do Direito, foi consultor e passou pela administração de várias empresas.
Está também ligado a iniciativas internacionais na área das migrações, com destaque para o Advisory Board of the International Migration Initiative e para o Transatlantic Council on Migration.
Isaacs, o homem de Trump e dos comentários islamofóbicos
A Organização Internacional para as Migrações (OIM) tem a tradição de eleger diretores-gerais oriundos dos Estados Unidos, um ponto a favor de Ken Isaacs, não fossem as polémicas em que se viu envolvido.
Ken Isaacs é vice-presidente da Samaritan’s Purse, uma organização cristã de ajuda humanitária com um orçamento anual de 500 milhões de dólares. Os fundos são utilizados em assistência de emergência e em projetos de ajuda ao desenvolvimento um pouco por todo o mundo.
O candidato indicado por Washington tem experiência no terreno. Arquitetou e implementou programas de ajuda em países como Etiópia, Eritreia, Somália, Bósnia, Camboja, Honduras, El Salvador, Kosovo, Turquia, Afeganistão, Haiti, Japão e Filipinas.
Entre 2004 e 2005, trabalhou numa agência estatal norte-americana dedicada a auxiliar em situações de catástrofe no estrangeiro. Nessas funções, coordenou a resposta ao devastador tsunami que atingiu vários países no Oceano Índico e a um sismo no Paquistão.
Na Samaritan’s Purse também esteve envolvido em operações de socorro após o genocídio no Ruanda em 1994, no terramoto de 2010 no Haiti, surto de ébola de 2014 na Libéria, crise dos refugiados na Grécia. No dia em que a sua candidatura foi anunciada estava no Bangladesh a ajudar os refugiados da minoria rohingya, que estavam a ser perseguidos em Myanmar.
Mas Ken Isaacs também esteve envolvido em polémicas que podem colocar a sua candidatura em causa. Proferiu vários comentários nas redes sociais considerados anti-muçulmanos, pelos quais pediu desculpa mais tarde.
O aspirante a diretor-geral da OIM escreveu no Twitter que os muçulmanos são violentos, que os refugiados cristãos deviam ter prioridade na ajuda humanitária e negou as alterações climáticas.
Por exemplo, em resposta ao ataque terrorista contra a Ponte de Londres, em junho do ano passado, Ken Isaacs escreveu: “Se tu lês o Corão, saberás que isto é exatamente o que a fé muçulmana instruiu os devotos a fazer”.
Em 2015, perguntou “se o Islão é uma religião de paz, vamos ver dois milhões de muçulmanos a protestar” em Washington. “Não vi nada disso”, concluiu.
Na mesma altura também criticou o então Presidente Obama pelo que disse ser a intenção “tola e delirante” de aceitar grandes números de refugiados sírios nos Estados Unidos.
Laura Thompson, uma mulher na OIM
A terceira candidata à liderança da Organização Internacional para as Migrações vem da Costa Rica e já está na OIM. Laura Thompson é a atual diretora-geral adjunta.
É a “número dois” da organização desde 2009 e está a terminar o segundo mandato. Ao longo dos últimos anos ganhou uma vasta experiência e conhece os problemas e a forma como a máquina funciona.
Apesar destes pontos a seu favor, as probabilidades de Laura Thompson ser eleita diretora-geral da OIM são escassas devido à falta de apoios que conseguiu reunir entre os Estados-membros.
O que é a Organização Internacional para as Migrações?
Fundada em 1951, na ressaca da II Guerra Mundial, a OIM conta atualmente com 171 Estados-membros.
Se António Vitorino for eleito diretor-geral vai liderar uma equipa de dez mil funcionários, espalhados por 400 escritórios em mais de 150 países.
A IOM é desde setembro de 2016 a agência para as migrações das Nações Unidas, cujo secretário-geral é o português António Guterres. É também a principal organização inter-governamental na área das migrações.
Os seus princípios baseiam-se na ideia de que migrações ordeiras e feitas de forma humana beneficiam tanto os deslocados como a sociedade.
Trabalha com os parceiros de todo o mundo para dar resposta aos desafios das migrações, encoraja o desenvolvimento social e económico através das migrações e na salvaguarda do bem-estar e direitos humanos das populações em movimento devido a conflitos ou crises.
Os Estados Unidos são o principal financiador da organização. Garantem metade do orçamento anual de mil milhões de dólares.
Desde a década de 60 que todos os líderes da OIM são norte-americanos. O atual é William Lacy Swing, que sai ao fim de dois mandatos.
Como vai decorrer a eleição desta sexta-feira?
A eleição está marcada para a sede da Organização Internacional para as Migrações, na cidade suíça de Genebra.
António Vitorino, Ken Isaacs e Laura Thompson precisam de uma maioria de dois terços para conquistarem o lugar de diretor-geral.
A votação para o mandato de cinco anos será feita por voto secreto.
Porque é que esta eleição é importante?
Acontece numa altura em que os EUA estão a separar famílias de imigrantes na fronteira com o México e dias depois de o Supremo Tribunal do país ter autorizado o Presidente Donald Trump a manter em vigor o decreto que proíbe a entrada de cidadãos de cinco países de maioria muçulmana.
Deste lado do Atlântico, o Mar Mediterrâneo continua a ser um cemitério de refugiados e migrantes. Nas últimas semanas, Itália e Malta impediram a atracagem de um navio humanitário, o Aquarius. Já no caso do Lifeline, os migrantes resgatados pela organização não-governamental alemã com esse nome desembarcaram, esta quarta-feira, em Malta e vão ser redistribuídos pelos vários Estados-membros da UE que estão disponíveis para partilhar esforços nesse sentido, incluindo Portugal.
No início de julho, tal como o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, avançou em primeira mão à Renascença, equipas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) vão estar no Egito e na Turquia para entrevistar migrantes que pretendem pedir asilo em Portugal. Ao todo, Lisboa conta acolher 1100 pessoas.
O que está a ser discutido em Bruxelas?
A eleição do próximo diretor-geral da OIM também acontece no segundo de dois dias de Conselho Europeu, cuja agenda é encabeçada precisamente pela questão das migrações.
Em cima da mesa para debate entre os Estados-membros vai estar a instalação de campos e ‘hotspots’ fora da Europa, nomeadamente no Norte de África, onde passará a ser realizado o processo de verificação das condições de refugiado e o pedido de asilo.
Outras propostas são um acordo para atingir uma meta de 70% de repatriações de imigrantes clandestinos, até ao final de 2019; revisão da diretiva europeia relativa às normas em matéria de acolhimento dos requerentes de proteção internacional, para gerir melhor as migrações secundárias; e o reforço da Frontex - Agência Europeia da Guarda de Fronteiras e Costeira, na ordem de mais 10 mil guardas costeiros e fronteiros.
Artigo corrigido às 15h: a versão original deste artigo avançava que as equipas do SEF vão deslocar-se à Itália e à Grécia. Na verdade, o processo de entrevistas a requerentes de asilo vai decorrer no Egito e na Turquia. Pelo erro, as nossas desculpas.