O Bloco de Esquerda (BE) só teve conhecimento da proposta do PS que desbloqueou o impasse à esquerda sobre a Lei de Bases da Saúde quando o PCP já estava a anunciar que tinha chegado a acordo com os socialistas. Os bloquistas acabaram por se juntar ao acordo que não acaba com as parcerias público-privadas (PPP) na saúde, mas remete para o próximo Governo a regulamentação de como podem ser feitas.
Fontes ligadas às negociações garantiram à Renascença que o Bloco só soube da proposta socialista, que ainda terá de ser votada em plenário na sexta-feira, quando João Oliveira, líder parlamentar comunista, já estava a dar a conferência de imprensa em que anunciou a sua concordância.
As redações foram avisadas menos de uma hora antes de que o PCP daria às 17h00 desta sexta-feira uma conferência de imprensa sobre um assunto que estava em negociação. Lei de Bases da Saúde ou matérias laborais? Nada era confirmado. Assim que João Oliveira começou a falar percebeu-se que o PCP tinha chegado a acordo com o PS sobre a Lei de Bases da Saúde.
A formulação do acordo, disse então João Oliveira, era da responsabilidade do PS, que mandou para as redações um comunicado pouco depois de o líder parlamentar do PCP acabar de falar.
Hora e meia depois de o PCP anunciar o acordo, o líder parlamentar do Bloco, Pedro Filipe Soares, anunciou que os bloquistas também se juntavam.
“Todas as linhas vermelhas” foram respeitadas, diz Costa
O Governo acabou, assim, por conseguir fechar um acordo que estava em cima da mesa há cerca de um ano e que já parecia impossível de alcançar, apesar de tanto o primeiro-ministro como a ministra da Saúde terem ainda esta semana manifestado esperança que se concretizasse.
Em entrevista à Renascença e ao Público, Marta Temido tinha defendido que a lei não deveria ser proibitiva das parcerias público-privadas (PPP).
“Era uma ambição grande que tínhamos. Foi difícil porque havia divergências, foi preciso encontrar sentido de compromisso, mas acho que foi um sentido de compromisso importante, todos fizemos um esforço para o alcançar”, afirmou António Costa, esta sexta-feira à noite em Odivelas, à entrada para um encontro com militantes socialistas.
O primeiro-ministro acredita que Marcelo Rebelo de Sousa terá condições para promulgar a lei que sairá do Parlamento. Recorde-se que o Presidente tinha pedido uma maioria alargada para aprovação desta lei de bases e pronunciou-se contra uma proibição das parcerias-público privadas.
Já o Bloco de Esquerda foi sempre manifestando que a sua condição essencial era o fim dessas parcerias. Chegou mesmo a anunciar um acordo nesse sentido, que o Governo viria a desmentir acusando os bloquistas de divulgarem documentos de trabalho. Já o PCP é também contras as parcerias público-privadas, mas nunca colocou o seu fim como uma “linha vermelha” para a viabilização da lei.
Costa considera que todas as linhas foram respeitadas. “O Presidente fará a apreciação que vier a entender. Tinha deixado relativamente claro quais eram as suas próprias linhas vermelhas e acho que esta lei de bases na redação que foi agora encontrada respeita as linhas vermelhas que todos tínhamos traçado”, disse o primeiro-ministro em Odivelas.
A formulação agora encontrada passa pela revogação da lei de bases de 1990, que abriu caminho à gestão privada e colocou os serviços públicos e privados numa lógica de concorrência de não de complementaridade. E revoga também o decreto de 2002 com o regime jurídico das parcerias público-privadas do setor da saúde.
Contudo, essa revogação só terá efeitos quando for feito um novo decreto que o substitua. E esse tem um prazo de seis meses para ser feito. Ou seja, só será feito pelo próximo governo e só estará sujeito à próxima maioria saídos das eleições de 6 de outubro.
Esse novo decreto, segundo o acordo, terá de ser feito à luz da base 6 da lei de bases, que, na formulação acordada em comissão de especialidade, diz que “a responsabilidade do Estado pela realização do direito à proteção da saúde efetiva-se, primeiramente, através dos erviço nacional de saúde e de outros serviços público, podendo, de forma supletiva e temporária, ser celebrados acordos com entidades privadas e do setor social, bem como com profissionais em regime de trabalho independente, em caso de necessidade fundamenta”. Isto significa, como se lê no comunicado do PS, que não é interditada qualquer forma de gestão.
“O que a lei de bases faz é que prevê a revogação da legislação que existe sobre as PPP de forma a dar a espaço ao próximo governo para regulamentar os termos em que é estabelecida a gestão dos estabelecimentos do serviço nacional de saúde e, portanto, não faz nenhuma opção definitiva sobre isso”, afirmou o primeiro-ministro, explicando a posição do Governo: “Não podemos confundir a opção politica de um governo – e a nossa é a de não fazer mais PPP para além dos estabelecimentos onde já há PPP e só renovar quando se justifique que se renovem -, outra coisa é o que deve dizer uma lei de bases que serve para esta maioria, para a próxima maioria, para qualquer maioria e que tem de ter a flexibilidade necessária para permitir as opções políticas que em cada momento os portugueses realizem”.
“Isso é importante para que venha a ser promulgada pelo Presidente da República”, salientou Costa, para quem a nova lei “é sobretudo uma vitoria para os portugueses e para o serviço nacional de saúde”.