Foi pioneiro nos concertos em drive-in e pelas redes sociais. Pedro Abrunhosa é o primeiro músico a participar num dos espetáculos piloto que se realiza esta sexta-feira, no espaço exterior do Altice Fórum Braga, onde o público será testado. Em entrevista à Renascença, o músico que tem aproveitado esta paragem nos concertos para trabalhar num novo disco, diz que mais do que um espetáculo, Braga vai assistir a uma “experiência científica”.
Abrunhosa considera que o digital é um “paliativo” que não substitui os espetáculos ao vivo. Tal como o público, também ele e os seus músicos serão testados à Covid-19. Nesta entrevista Pedro Abrunhosa lembra à classe política que este é um “momento-chave” para perceber a “brutal força da cultura”.
É um regresso ao palco. Que expetativa tem para este concerto em Braga e de que forma é importante dar confiança ao público para também voltar aos espetáculos?
O que é incrível é que nós estamos a falar de uma situação que já foi absolutamente normal. E de repente é extraordinário aquilo que estamos a fazer. Regressarmos a um sítio para termos público, em pé, a ver um espetáculo, tornou-se neste momento uma experiência científica! É sintomático dos tempos que vivemos, mas também do progresso que temos tido neste último ano no combate à pandemia. A minha expetativa é que reaprendamos a andar! Temos ainda muita coisa para fazer, para encontrar a fórmula certa, para estarmos todos em segurança.
O público tem regras, terá de fazer teste à Covid-19. Esta poderá ser a nova formula para os próximos meses no mundo dos espetáculos?
Isto que está a ser feito, já foi testado noutros países. É uma tentativa de perceber qual é o real grau de contágio quando as pessoas são colocadas umas perante as outras em ambiente mais próximo. Como eu disse, não é um espetáculo. É mais uma experiência científica/espetáculo. Isto será extensivo, por exemplo, aos desafios de futebol e todo o tipo de espetáculo desportivo. Nós seremos testados, a equipa técnica será testada, o público será testado. Haverá um rastreio que será feito ao longo do tempo. Ali será uma primeira triagem. Veremos os resultados ao fim de quinze dias, um mês, esperando que não haja consequências disso.
Há quanto tempo não sobe a um palco?
Felizmente tenho subido, porque tivemos o último espetáculo nos Açores, no Coliseu Micaelense [6 de março]. Foi há dois meses. Dizer hoje que subi a um palco há dois meses, é normal. Há colegas meus que já não sobem a um palco há muito mais tempo.
Ainda assim, sente falta dos concertos, do contato com o público?
A música enquanto essa entidade possuída por essa força anímica e espiritual, diria eu, consoma-se no palco perante o público. Portanto, quando fazemos música no estúdio, como é o que estou a fazer agora que estou a escrever o novo disco, tenho por objetivo perceber qual é a reação das pessoas, de que forma vai tocá-las, emocioná-las, fazê-las dançar e fazê-lo em assembleia. Nós músicos, somos autores, interpretes no estúdio, mas em cima do palco somos atores, performers, interventores e também cumprimos um papel, creio eu, sociológico/politico que só no palco é que se concretiza.
Os diretos digitais não substituem os concertos com público?
Não, de maneira nenhuma. É um paliativo, um penso rápido para uma ferida tremenda. Não substitui de forma nenhuma. Talvez a única coisa positiva é que este tempo permitiu alguma reflexão e espaço interior.
Teve mais tempo?
Aquilo que falta muitas vezes em digressões, na estrada, nos hotéis, e aviões é a serenidade que este ano de reclusão veio trazer. A mim, foi pela escrita que fui desenvolvendo e que se revelará em breve no novo disco.
A classe artística foi muito afetada pela pandemia. Como avalia a forma como reagiram?
São sempre os primeiros a adaptar-se. Geralmente, a nossa atividade é uma atividade que é socialmente vista como uma atividade secundária e creio que uma vez mais os meus colegas provaram estas caraterísticas que são a resiliência, resistência, uma não ganância e a adaptação às circunstâncias. Muita gente fez inúmeras atividades, desmultiplicamo-nos pelos vários canais e com excelentes resultados para toda a gente, sobretudo para o público!
Mas considera que os portugueses depois disto vão valorizar mais a cultura?
Não sei o que vai acontecer. Mas se há momento em que esse paradigma devia passar a ocorrer é este. Acredito até que as pessoas percebem e as autarquias já o expressam de alguma forma. Mas a classe política e os atores políticos se não vão perceber que a cultura é esse resgate, essa descida ao poço para abrir caminhos e rumos e que este é o momento em que isso ficou claríssimo, eu pergunto-me quando é que isso acontecerá? Esta é a altura para nós percebermos a brutal força da cultura. Quando o paradigma civilizacional está prestes a mudar. Isto aconteceu pouquíssimas vezes ao longo da História da Humanidade, mas esta é uma delas, claramente! Mudaram os paradigmas da partilha da cultura. Nós estamos num momento-chave para se perceber que a cultura é uma parte dominante da atividade humana. Há três vertentes nesta construção humana, é a religião, a arte e o pensamento. São três atividades que só o ser humano consegue produzir. Numa pandemia, o que seria dos portugueses senão fosse a cultura, a música, as séries, os filmes, os livros? Estaríamos entregues à barbárie!