A presidência alemã da UE terminou com um coro de elogios a Angela Merkel, que conseguiu ultrapassar vários obstáculos difíceis, como o bloqueio da Hungria e da Polónia ao programa de recuperação económica e ao orçamento comunitário plurianual. Mas nos últimos dias da presidência alemã a UE anunciou um acordo de princípio sobre investimentos, celebrado com a China, que levantou críticas sérias.
Trata-se de um acordo relativamente limitado, mas que representa uma vitória diplomática para a China. Ora é ingénuo acreditar que a China irá respeitar qualquer tratado, alerta Gideon Rachman no “Financial Times”, lembrando que os chineses não cumprem compromissos que tomaram quando aderiram à Organização Mundial do Comércio, em 2001. E a nova administração Biden esperava coordenar com a UE a posição face à China, o que, assim, se torna mais complicado.
Na própria Alemanha surgiram divergências com Merkel por causa deste acordo, negociado durante sete anos e que a chanceler quis concluir durante a presidência alemã. O mercado chinês é muito importante para a indústria automóvel germânica...
Note-se que a atitude de Merkel nesta questão se aproxima da assumida pelo presidente francês Macron (e que aqui lamentei) de separar os negócios dos princípios sobre direitos humanos. De facto, é estranho a UE fechar um acordo com a China depois do que se passou e passa em Hong Kong, depois do que se sabe da repressão chinesa sobre uma parte da sua população (a minoria muçulmana) e sendo claro o crescente e sufocante controle do partido comunista chinês sobre os seus cidadãos (alguns dos quais desaparecem misteriosamente depois de criticarem as autoridades do país).
A Comissão Europeia defendeu o acordo, afirmando que ele apenas coloca os investidores da UE no mesmo plano dos investidores americanos. Por exemplo, quanto a práticas comerciais agressivas da China, às condições para Pequim autorizar investimentos de empresas estrangeiras no seu território, ou a medidas lesivas dos direitos laborais. Havia um desequilíbrio nas relações comerciais e de investimento entre a UE e a China, que este acordo terá vindo atenuar.
Percebe-se que a Europa comunitária, e a Alemanha em particular, queira ser um pouco mais autónoma em relação ao poderio dos EUA. Washington ainda há pouco aumentou direitos sobre importações vindas da UE, como arma de retaliação no quadro do diferendo entre a Airbus e a Boeing em matéria de apoios do Estado, diferendo que dura há mais de 15 anos.
Mas se a UE, e nomeadamente a Alemanha, pretende maior autonomia em relação aos EUA, tem de investir mais na sua própria defesa militar e não viver à sombra do poderio das forças armadas americanas. Uma necessidade tornada mais premente pela saída do Reino Unido, país que possui um apreciável dispositivo de defesa. A RFA aumentou as suas despesas militares no orçamento federal para 2021, mas ainda está longe da meta de 2% do PIB a que os aliados europeus na NATO se comprometeram perante os EUA.
Quem, lá para o verão, suceder a Merkel na liderança política do governo da RFA provavelmente irá levar mais a sério o imperativo de investir na defesa. Até porque Putin tornou a Rússia agressiva e não hesita quando se trata de assassinar adversários políticos.
O acordo sobre investimentos UE-China terá de ser apreciado e votado no Parlamento Europeu. Não será fácil obter a aprovação dos eurodeputados, dado o que se passa na sociedade chinesa em matéria de direitos humanos. O assunto está longe de se encontrar encerrado.
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