A polémica em torno da requisição civil do empreendimento Zmar, em Odemira, para alojar trabalhadores imigrantes, vai acabar num acordo de indemnização entre o Governo e os proprietários. É essa a convicção do advogado da maioria dos donos das residências particulares.
Nuno Silva Vieira revelou à Renascença que “a atitude do Governo mudou nos últimos três dias, estando agora disposto a abdicar da requisição civil. Queremos muito esse acordo porque é a forma de o empreendimento poder abrir e salvarmos os 100 postos de trabalho que dele dependem”.
As negociações com o advogado dos proprietários e com o administrador de insolvência do eco resort têm sido conduzidas pelo gabinete do ministro da Economia Siza Vieira.
Até agora, a requisição civil era a única alternativa em cima da mesa. Mas o advogado da maioria dos proprietários particulares das casas de madeira do empreendimento contrapõe que não havia justificação para o Executivo de António Costa recorrer ao mecanismo de exceção para ocupar as casas, porque tinha alternativas de alojamento para os imigrantes, como consta de documento oficial que está no processo. “Havia 170 vagas no concelho sem contar com as instalações militares em Beja. Onde é que está o erro? O erro não está em fazer requisição de um hotel ou de um parque de campismo, porque isso em situações de necessidade deve ser feito. O problema é haver um documento que requisita tudo, incluindo casas de particulares.”
O advogado, que interpôs a providência cautelar contra a requisição civil, diz que embora estejam neste momento no empreendimento apenas 13 imigrantes, e nenhum a ocupar as residências particulares, toda a contestação que tem sido feita “justifica-se porque na troca de emails o Governo nunca afastou a possibilidade de a requisição civil visar também a ocupação das casas móveis particulares”.
Nuno Silva Vieira é um dos participantes na edição desta semana do Em Nome da Lei, onde esteve em destaque o problema da imigração no concelho de Odemira.
Imigrantes que caem nas mãos das redes pagam 10 mil euros
O investigador João Carvalho, autor de um estudo sobre o impacto da imigração no sector agrícola no Alentejo, adverte que “as redes de tráfico de pessoas podem estar a trazer para a região de Odemira muitos mais trabalhadores imigrantes do que aqueles que a agricultura local pode absorver ,acabando estes por ficar numa situação de precariedade”.
A realidade que foi mostrada pelos media nos últimos dias não é nova para os investigadores nem o pode ser também para os órgãos de soberania, porque consta de estudos e relatórios públicos, nomeadamente do Relatório de 2019 do Observatório do Tráfico de Seres Humanos, que está sob a tutela da Presidência do Conselho de Ministros. O cientista politólogo diz que “em média os imigrantes que caem nas mãos das redes pagam 10 mil euros, para vir para Portugal, dinheiro que se destina à corrupção das autoridades”. João Carvalho defende que a situação poderia ser evitada se Portugal assinasse acordos bilaterais com países fornecedores de mão de obra.
O investigador reconhece que, neste momento, o crime compensa. “Dada a desregulamentação que existe no mercado laboral, qualquer pessoa sem qualificações pode abrir uma empresa e fechá-la logo a seguir; a atuação das autoridades é ineficaz porque quando identificam uma empresa prevaricadora ela simplesmente encerra. O que faz com que nenhuma empresa que usa mão de obra ilegal tenha até agora sido responsabilizada.”
Bloco de Esquerda quer uma nova alteração legislativa
A atual lei de 2016, responsabiliza solidariamente todos os elementos da cadeia de exploração de mão de obra imigrante. Mas a sua aplicação não se tem mostrado eficaz. Por isso, o Bloco de Esquerda quer agora uma nova alteração legislativa. O deputado José Soeiro reconhece que a lei que temos, e que foi da sua autoria, não é suficientemente eficaz para combater o trabalho forçado e outras formas de exploração laboral. Vai apresentar um novo projeto de lei que “visa responsabilizar diretamente toda a cadeia de subcontratação e os donos das explorações agrícolas, bem como gerentes, administradores e diretores que intervêm no processo.”
O deputado do Bloco de Esquerda admite que, além da melhoria da lei, é também preciso reforçar os meios de fiscalização que atualmente são manifestamente insuficientes.
Por enquanto não se sabe quantos são os imigrantes que vieram ilegalmente para o Alentejo, para trabalhar na agricultura, sobretudo, na apanha de frutos vermelhos, mas eles têm já garantido o apoio da Ordem dos Advogados, para o processo de legalização. Márcia Martinho da Rosa, da Comissão dos Direitos Humanos, revela que a Ordem tem sido contactada nos últimos dias por vários advogados a oferecerem o seu trabalho “pro-bono”. A Ordem disponibilizou-se para apoiar os imigrantes de Odemira no processo de legalização e também nas questões de alojamento. Mas aguarda ainda que as autoridades lhe façam chegar informação sobre o universo de pessoas abrangidas.
O programa Em Nome da Lei é emitido aos sábados às 12h00 e repetido à meia-noite.