Desde 2016, o fantasma do Brexit tem sido uma constante no Reino Unido mas agora que Boris Johnson e os Conservadores asseguraram uma maioria no parlamento, está garantida a luz verde necessária para concretizar a saída da União Europeia.
No dia-a-dia está para já tudo igual, ainda que os resultados das eleições acabem com a esperança de alguns de que o Reino Unido voltasse atrás e ficasse na União Europeia. Será que isso faz com que os portugueses que vivem no Reino Unido pensem regressar a Portugal?
Ana Pescada, no Reino Unido há nove anos, não quer regressar a Portugal no imediato, mas admite que a incerteza do pós-Brexit pode alterar os planos que tinha: “Enquanto família sempre tivemos o objectivo de ficar até o meu filho ter seis anos [tem um ano e meio] e voltar para Portugal nessa altura. Mas se as coisas forem postas de uma forma que dificulte a nossa vida cá, ou se simplesmente não compensar a nível monetário, ponderamos voltar para Portugal".
Miguel Torres, que antes das eleições contou à Renascença que tinha obtido nacionalidade britânica para tentar ajudar a reverter o Brexit, estava a analisar a hipótese de comprar casa em Cambridge, onde vive desde 2012, mas admite que “nesta altura a vontade é mais de sair do que ficar".
Para Jorge Balça, ao fim de 21 anos no Reino Unido, a hipótese de abandonar Londres é real porque a confirmação do Brexit faz diferença: “Não do ponto de vista institucional, eu já tenho estatuto de residente permanente, portanto não me mandam embora (risos), mas tenho um ponto de vista um bocadinho pessimista do que será o futuro do Reino Unido".
Para Ana Pescada, outra preocupação é o crescimento de uma atitude anti-imigração que a coloca em “alerta” quando passeia com o filho: “Eu falo português com o meu filho na rua, e vou continuar a fazê-lo, mas estou sempre um pouco em alerta, que se falar em português com ele pode haver algum tipo de comentário que seja menos agradável e mais agressivo. É uma coisa que me põe em alerta desde o referendo do Brexit em 2016 e que não acontecia antes”.
Já para Telmo Macedo, que vive em Brighton e está no Reino Unido há quase seis anos, “não há nenhuma necessidade de sair de Inglaterra por causa do Brexit”, uma vez que está protegido pelo estatuto de residente permanente que surgiu como resultado das negociações com a União Europeia. Também Carina Ascensão de Abreu, que vive em Southampton e está no Reino Unido há nove anos, tem já o estatuto de residente permanente, não está preocupada e entende que o Brexit não a “afecta em nada”.
Uma ideia reforçada pelo Embaixador português em Londres, Manuel Lobo Antunes, que em entrevista à Renascença garantiu que o quadro legal sobre a permanência dos portugueses no Reino Unido é “conhecido, é estável e é claro, portanto desse ponto de vista nada se alterou”. Para Manuel Lobo Antunes é por isso uma questão pessoal, mas não legal: “Os portugueses tomarão as suas decisões sobre o seu futuro, de acordo com os seus planos de vida, os seus interesses, os seus projectos. Isso, naturalmente, cada um decidirá. Agora, do ponto de vista objectivo, do ponto de vista legal, não há, do meu ponto de vista, nenhuma razão para as pessoas pensarem que agora é mais urgente ou mais premente abandonar o Reino Unido. Isso não existe, o quadro legal é claro e garante os direitos dos cidadãos da União Europeia que cá vivem no Reino Unido".
Ainda assim, essa garantia legal não chega para Jorge Balça, cuja prioridade passa por, mais cedo ou mais tarde, regressar a um país da União Europeia, porque se identifica com o projecto europeu mas também, diz, por uma questão de futuro: “Este populismo de direita que está a varrer os Estados Unidos e o Reino Unido são extremamente desconfortáveis, no mínimo, e perigosos. Não é um ambiente em que eu queira ficar e em que eu queira contribuir".
Tal como Jorge Balça, Miguel Torres está a estudar as suas hipóteses, que não passam necessariamente por Portugal e ainda não sabe “se é melhor voltar ou mudar para outro país da UE”. Para se preparar para um cenário destes, Miguel mudou de trabalho para uma empresa sueca para “ter uma transição mais fácil se as coisas correrem mal aqui”.
E correr mal significa, principalmente, uma recessão económica provocada pelo Brexit, que terá sempre consequências de acordo com as previsões do Banco de Inglaterra, mais acentuadas num cenário de saída da União Europeia sem acordo. Por isso mesmo, Carina Ascensão de Abreu quer que o Reino Unido saia com “um bom acordo para todos”. Pedro Silva vive em Londres e não acha que o Brexit mude muita coisa, mas preocupa-o que haja uma “queda da economia, que desvalorize a libra e que leve a um aumento do crime associado”. Ainda assim, se as “coisas ficarem realmente más” Pedro Silva diz ser mais provável tentar arranjar trabalho noutro país, adiando o regresso a Portugal.
Um regresso adiado por uma nota comum: as condições financeiras. Telmo Macedo não se imagina a regressar “especialmente com as condições existentes em Portugal, monetariamente não compensar voltar a Portugal na minha opinião.” Até porque, com as qualificações que tem neste momento (completou o 12º ano, com um curso técnico-profissional), não conseguiria ter a qualidade de vida que tem no Reino Unido, garante.
A maioria dos portugueses com que falei nestes últimos dias não tem intenção de deixar o Reino Unido como resultado do Brexit. Ficando ou partindo, o Embaixador Manuel Lobo Antunes deixa um conselho aos cerca de 300 mil portugueses que o Governo estima que vivem no Reino Unido: “Continuamos a solicitar e a dar a indicação que quem não tenha ainda apresentado a sua candidatura para requerer o estatuto de residente permanente ou de residente temporário deve fazê-lo. Portanto, continuamos a recomendar que os portugueses que ainda não o fizeram, e muitos já o fizeram, regularizem a sua situação de residência no Reino Unido".
O ministro dos Negócios Estrageiros, Augusto Santos Silva, em resposta a uma questão da Renascença, revelou que 220 mil portugueses já se registaram para garantir os seus direitos para lá do Brexit, que está agora a caminho de ser concretizado a 31 de Janeiro de 2020.
O limite para os europeus se candidatarem para obter estatuto de residente permanente é 30 de Junho de 2021, ou 31 de Dezembro de 2020 se o Reino Unido saísse da União Europeia sem acordo.