A escritora neerlandesa Marieke Lucas Rijneveld é a vencedora do Booker Internacional, pelo romance "The Discomfort of Evening", traduzido para inglês por Michele Hutchison, anunciou esta quarta-feira a organização do prémio literário britânico.
"The Discomfort of Evening" ("O Desconforto da Noite", em tradução livre) é o romance de estreia de Marieke Lucas Rijneveld, nascida há 29 anos em Nieuwendijk, nos Países Baixos, que passa a ser, também, a mais jovem autora distinguida pelo prémio britânico.
De acordo com o júri, presidido pelo escritor e crítico literário Ted Hodgkinson, foi "uma tarefa imensa escolher um vencedor", numa lista "excecional" de seis finalistas, mas a opção pelo romance "visceral e virtuosístico" de Rijneveld foi "unânime", garantiu.
Os seis finalistas foram anunciados no dia 2 de abril, reunindo títulos traduzidos de cinco línguas, de seis países: espanhol, alemão, neerlandês, farsi e japonês.
Além da obra vencedora, a lista final incluía "Tyll", do alemão Daniel Kehlmann, traduzido por Ross Benjamin, "The Enlightenment of The Greengage Tree", da iraniana Shokoofeh Azar, de tradutor anónimo, "The Adventures of China Iron", da argentina Gabriela Cabezón Câmara, traduzido por Iona Macintyre e Fiona Mackintosh, "Hurricane Season", da mexicana Fernanda Melchor, traduzido por Sophie Hughes, e "The Memory Polisse", da japonesa Yoko Ogawa, traduzido por Stephen Snyder.
Ao todo, foram considerados 124 livros, traduzidos em 30 idiomas.
As obras finalistas, de acordo com o júri, têm em comum a necessidade de compreensão do mundo através da narrativa, da partilha das próprias histórias e das origens de cada um.
No caso particular de “The Discomfort of Evening”, foi destacada a forma como aborda o trauma e o sofrimento, através de atos violentos ou da perda emocional, e como esses atos “moldam as nossas experiências e a nossa abordagem ao mundo”.
A obra, segundo a edição original, tem por ponto de partida a morte de um irmão da escritora, na infância, num acidente, e demorou cerca de seis anos a ser concluído.
O prémio Booker Internacional distingue todos os anos uma obra uma obra de ficção, traduzida para inglês, através do seu autor e do seu tradutor, e que tenha sido publicada no Reino Unido e na Irlanda.
No valor de 50 mil libras (cerca de 55 mil euros), o prémio é dividido pelo autor e pelo tradutor da obra vencedora.
O anúncio do vencedor do Prémio Booker Internacional estava previsto para o dia 19 de maio, mas foi adiado, por causa da pandemia da covid-19 e pela dificuldade de acesso aos livros nomeados daí decorrente, como afirmaram os promotores, pouco depois de conhecidos os finalistas, em 2 de abril.
A escritora neerlandesa sucede à autora de Omã Jokha Alharthi, distinguida com o Booker International pelo romance "Corpos Celestiais", publicado em Portugal pela Relógio d'Água.
O prémio é atribuído todos os anos a um único livro, que é traduzido para inglês e publicado no Reino Unido, sendo elegíveis tanto romances, como coleções de contos.
O seu objetivo é incentivar mais publicações e leituras de ficção de qualidade de todo o mundo e promover o trabalho dos tradutores.
Cada autor e cada tradutor da lista final receberá ainda mil libras (cerca de 1.140 euros).
Vencedora vai ser editada em Portugal no início de 2021
O romance "The Discomfort of Evening", da escritora neerlandesa Marieke Lucas Rijneveld, vencedor do prémio Booker Internacional, vai ser publicado em Portugal no primeiro trimestre de 2021, disse à Lusa fonte das Publicações Dom Quixote.
A edição portuguesa de "The Discomfort of Evening", segundo a Dom Quixote, do grupo Leya, será traduzido por Patrícia Couto e ainda não tem definido o título que, numa versão livre, poderá ser "O Desconforto da Noite", mas que em Espanha foi publicado como "A Inquietação da Noite".
Ao receber o prémio, hoje, em Londres, Rijneveld, que prefere o tom impessoal ao uso definido de masculinos e femininos, disse ter mantido, durante a conceção da obra, sobre a sua mesa de trabalho, a frase "Sê implacável", como orientação para a escrita.
“Agora, quando o mundo se encontra virado de cabeça para baixo e mostra o seu lado mais negro, continuo a lembrar-me dessas palavras: escreve, lê, ganha, perde, ama, mas sê implacável no que fizeres”, afirmou Marieke Lucas Rijneveld, na sessão em que foi anunciado o vencedor.
Oriunda de uma família de agricultores do norte dos Países Baixos, a escritora considerou-se honrada com a conquista do prémio, e tão orgulhosa, como "uma vaca com sete úberes”.
“A agricultura mantém-me com os pés no chão", afirmou ao jornal The Guardian, no início deste ano, depois da publicação do livro no Reino Unido. "As vacas são as minhas melhores amigas”.
Numa entrevista à agência Efe, em junho, quando o romance surgiu em Espanha, com o título "La Inquietud de la Noche", Rijneveld garantiu que gosta de "limpar os estábulos", onde trabalha a tempo parcial.
"The Discomfort of Evening" tem por ponto de partida a morte de um irmão mais velho da escritora, na infância, e demorou cerca de seis anos a ser concluído. "A morte está em todas as páginas da história", disse a escritora à Efe.
Jas, uma miúda entre a infância e a adolescência, é a protagonista da obra. Perde o irmão Matthies num acidente, num lago, o que conduz à devastação da sua família e ao progressivo afastamento dos seus elementos: os pais, cristãos devotos, e outros dois irmãos, Obbe e Hanna, também na infância.
Dos factos familiares, Marieke disse lembrar-se mal. Tinha três anos quando o irmão de 12 morreu. Mantém a impressão de que "a família corria o risco de se afastar em vez de se unir mais", como contou à Efe. "Então estava na idade em que se cria um vínculo afetivo, o que influenciou o meu desenvolvimento".
Para a escritora, na elaboração da obra teve sempre presente a necessidade de "enfrentar a luz e a obscuridade".
Pode escrever-se "algo duro e contrapor-lhe situações divertidas ou tragicómicas, para que se possa assumir", não tanto perante o leitor, como perante si mesma, afirmou à agência espanhola de notícias.
Embora tenha admitido a proximidade de Jas a si mesma e à história do livro, o mesmo não acontece com os seus pais. "São religiosos, mas não tanto como no livro. Exagerei muito", garantiu.
Quanto à inclusão de Lucas na sua "assinatura" literária, Marieke Rijneveld explicou tratar-se do nome de um amigo imaginário que teve na infância, uma altura em que se sentiu mais como rapaz do que como rapariga, dilema sobre a identidade que mantém.
"Por agora, a resposta é algo intermédio, daí o nome Marieke Lucas. Ainda não sei onde terminará a minha demanda", garantiu à Efe.