"A Língua Portuguesa está a ser muito maltratada e utilizada", lamenta João Barrento, o ensaísta e tradutor português que venceu esta terça-feira o Prémio Camões 2023.
Em entrevista à Renascença, João Barrento considera que o problema é mais patente com o novo Acordo Ortográfico, que “está cheio de incongruências”, porque a língua “perde um certo carácter a partir do momento em que se adultera a imagem da palavra”.
Sobre a distinção ao trabalho da sua vida, o ensaísta e tradutor explica que ficou “surpreendido” com a atribuição do Prémio Camões.
“Fiquei surpreendido porque normalmente o Prémio Camões tem sido atribuído a escritores portugueses ou brasileiros dos chamados grandes géneros, o romance ou a poesia, e eu não cultivo esses géneros e tenho dedicado toda a minha vida ao ensaio e à tradução, onde tenho um trabalho intenso nessas áreas”, afirma o novo Prémio Camões.
João Barrento considera, no entanto, que “a Língua Portuguesa pode estar tão bem representada numa tradução de uma grande obra universal, se ela for feita com o nível que deve ser, como o romance ou na poesia”.
Nestas declarações à Renascença, João Barrento sublinha que tem uma “obra bastante vasta no ensaio e na tradução, e quase sempre de autores e livros exigentes”.
O Prémio Camões 2023 confessa que só traduz o que gosta. Tem feito sobretudo tradução de escritores de língua alemã, como Goethe ou Walter Benjamim.
“Tenho-me esforçado quase sempre por escolher os meus autores, quase não fiz tradução por encomenda. Nos casos dos grandes autores, fui eu que sugeri aos editores. Por outro lado, tenho-me esforçado sempre por recorrer a esse grande reservatório, a esse grande depósito, que é a Língua Portuguesa que está ao dispor de nós todos. De modo que, é um trabalho que pode ser tão original na recriação como o trabalho a que se atribuiu um estatuto mais de criação original.”
João Barrento considera que o trabalho de tradução é “solitário”, tal como na escrita. “Nós temos que estar num diálogo íntimo quer com as ideias, no caso do ensaio, quer de vivências, no caso da poesia e do romance, ou com um texto na língua estrangeira, no caso da tradução”.