A Ordem dos Médicos vai estabelecer tempos padrão para a marcação de consultas médicas. Num documento divulgado esta segunda-feira, elaborado com contributos dos Colégios de Especialidade, a Ordem aponta os tempos que as consultas devem durar em cada especialidade médica.
O objetivo? “Preservar a qualidade” da intervenção médica e aumentar a organização do trabalho. “Isto não significa que cada médico não tenha o tempo que ache que deve ter”, ressalva o bastonário da Ordem dos Médicos, explicando que os tempos indicados dizem respeito à marcação de consultas pelas unidades de saúde.
“A pressão que existe sobre a saúde em Portugal, neste momento, é muito grande. Quer os doentes quer os médicos, muitas vezes, não têm o tempo que deviam ter para este contacto”, considera Miguel Guimarães. “Este documento pretende proteger a relação médico-doente, a qualidade da medicina, os direitos dos doentes e a qualidade de trabalho dos médicos”.
O bastonário espera que, até setembro, os tempos padrão estejam plenamente em vigor - “onde se faz Medicina” e não apenas no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Até lá, o documento agora lançado será “afinado” por vários intervenientes.
Esta segunda-feira, inicia-se um período de consulta pública da proposta, com a duração de 30 dias. A Ordem dos Médicos espera receber contributos dos médicos e de todos os cidadãos, para depois a levar ao Conselho Nacional daquele organismo para discussão.
O regulamento será depois aprovado pela Assembleia de Representantes, o órgão máximo da Ordem dos Médicos, e publicado em Diário da República, com efeitos imediatos. No entanto, Miguel Guimarães prevê que haja ainda um tempo de adaptação.
Esta foi uma das bandeiras de Miguel Guimarães quando se candidatou ao cargo de bastonário da Ordem dos Médicos. Há dois anos à frente daquele organismo, o médico urologista portuense espera que a medida introduza “métricas de qualidade” na saúde em Portugal.
“Há um momento na vida em que as pessoas das duas uma: ou querem qualidade ou querem números. Nós temos, definitivamente, na área da saúde, de deixar de estar presos às métricas numéricas e temos de introduzir métricas de qualidade. O maior erro do SNS é estar refém de métricas numéricas.”
Quais os tempos previstos para cada especialidade?
No documento agora divulgado, a duração dos atos médicos com presença do doente varia entre os 15 e os 90 minutos. As consultas com tempos mais longos previstos são as de especialidades, como Psiquiatria da Infância e da Adolescência (90 minutos no caso de Terapia Familiar), Medicina Física e de Reabilitação (90 minutos no caso de infiltrações do Ráquis radio-guiadas) e Acupuntura Médica (1h15 na primeira consulta).
Os tempos variam entre primeira consulta e consulta de acompanhamento, consulta final de tratamento ou “follow up”. As primeiras consultas de Oncologia Médica e Pediátrica, Medicina da Dor, Medicina Paliativa, Radioncologia e Genética Médica têm direito a uma hora de duração.
O documento atribui 30 a 45 minutos para primeiras consultas de Medicina Geral e Familiar – um tempo muito superior àquele que se pratica, atualmente, nas Unidades de Saúde Familiar e centros de saúde tradicionais. As consultas subsequentes serão mais curtas, desde que ocorram menos de 12 meses desde a última marcação – caso contrário, serão encaradas novamente como primeiras consultas. No entanto, o Colégio de Especialidade dos médicos de família ressalva que esta especialidade inclui dezenas de tipos de consultas e outros atos médicos assistenciais e não assistenciais, pelo que os tempos podem variar bastante.
Os tempos padrão aconselhados pelos Colégios de Especialidade da Ordem dos Médicos são fundamentados com base em todas as fases necessárias a uma consulta: a história clínica, o exame físico, a avaliação do doente no que diz respeito a exames complementares de diagnóstico e até a utilização de sistemas informáticos – que atualmente consomem “demasiado tempo”, diz o bastonário da Ordem dos Médicos.
Miguel Guimarães lembra ainda que os médicos devem ter tempo para tirar dúvidas, para consultarem um livro ou telefonarem a um colega, e para explicar ao doente, cuidadosamente, a sua situação clínica, para obter o consentimento informado. “Isto demora tempo”, lembra.
Novas regras implicam mais investimento no SNS
O novo regulamento irá reunir um conjunto de “recomendações” da Ordem dos Médicos, “que têm de ser colocadas em prática”. No entanto, o incumprimento das novas regras não representa qualquer infração legal.
"Vocês podem dizer: o Ministério da Saúde, se quiser, não segue isto. Mas os médicos passam a ter aqui uma proteção. Compete à Ordem dos Médicos ser responsável pelas boas práticas”, explica Miguel Guimarães.
Os médicos reconhecem que o cumprimento das novas diretrizes implica mais investimento no Serviço Nacional de Saúde.
“As consultas terão um espaço maior, o que significa que as unidades de saúde têm de ter mais médicos, para manterem o mesmo nível de consultas. Têm de se corrigir as deficiências que existem atualmente para que essa resposta possa ser dada e, nos centros de saúde, os médicos têm de ter menos utentes nas listas”, avança o bastonário.
O presidente da secção regional do sul da Ordem dos Médicos admite que haja resistência das administrações hospitalares à aplicação das novas normas.
“Vai haver pressão e estamos conscientes de que vamos ter de apoiar os médicos na resistência a essa pressão", explica Alexandre Lourenço. "Se, neste momento, um hospital marca, inapropriadamente, 30 doentes numa manhã, e tem de passar a marcar 15, o hospital tem de ter outro tipo de organização, mais médicos, para acomodar esse tipo de trabalho.”
Já Miguel Guimarães diz não estar à espera que os diretores clínicos e os conselhos de administração se oponham “a uma matéria tão importante" para o que considera serem "boas práticas médicas".
“Sendo isto tão importante para os doentes – e tenho a certeza de que os portugueses vão acolher bem a ideia de terem mais tempo com o seu médico – é no mínimo complexo, seja para o governo, seja para os conselhos de administração, não se adaptarem à melhoria do tempo que os doentes têm com os seus médicos.”
O bastonário garante que as novas regras não são exageradas – são, pelo contrário, feitas “com pés e cabeça” – e espera que os tempos padrão sejam uma “referência ética deontológica para todos os médicos, e uma garantia de qualidade e segurança para os doentes e a comunidade em geral”.