O dia de muitos portugueses começa mais ou menos da mesma forma: acordar, ligar o telemóvel, abrir as "apps" das redes sociais, ver vídeos no Youtube e no TikTok... Até aqui, nada de novo. Mas será que o que vemos quando fazemos "scroll" mudou nas últimas semanas, à medida que caminhamos para mais um ato eleitoral?
Perguntamos às principais plataformas a atuar em Portugal de que forma se estão a preparar para as eleições legislativas de 10 de março, de modo a tentar perceber o que esperar desta campanha eleitoral. Recebemos respostas da Google e do TikTok. Meta e X permanecem, até ver, em silêncio.
A primeira, norte-americana, representa vários papeis no nosso dia-a-dia digital: usamos a sua conta de email, o Gmail, podemos usar o Maps para nos deslocarmos, mas, sobretudo, utilizamos o seu "browser", o Chrome, para navegar na Internet, o seu motor de busca para pesquisar e o Youtube para ver vídeos.
É também com esse intuito que consumimos o TikTok: para nos entretermos. Mas será que é só isso que por lá fazemos? Ou também acabamos por utilizar estas ferramentas para nos informarmos? Será que as plataformas têm isso em conta?
À Renascença, um porta-voz do Youtube garante que a plataforma tem "investido fortemente" nas suas políticas e sistemas para garantir que apoiam "com sucesso as eleições", com uma "abordagem multifacetada". Numa declaração oficial enviada à Renascença, lê-se: "Incluindo nas próximas eleições em Portugal."
"As nossas regras da comunidade aplicam-se ao conteúdo eleitoral e removemos conteúdo que induza os eleitores em erro sobre como votar ou que incentive à interferência no processo democrático", garante o Youtube.
Para além disso, a plataforma assegura que também oferece "notícias e informações eleitorais confiáveis" aos utilizadores através de "recomendações e painéis informativos".
"Nos últimos anos, fizemos investimentos significativos em políticas, recursos e produtos que permitem ao Youtube ser uma fonte mais confiável de notícias e de informações relacionadas com as eleições."
Entre as medidas adotadas estão a remoção de conteúdo que incentive ao discurso de ódio, que propague desinformação eleitoral e que confira roubo de identidade. Também é removido conteúdo, diz o Youtube, que "ameace a membros das mesas eleitorais, candidatos ou eleitores", que tenha sido "tecnicamente manipulado ou adulterado de uma forma que induza em erro os utilizadores", para prevenir a desinformação, e o incentivo a atos violentos também dá origem a remoção rápida.
Em paralelo, a plataforma criou uma campanha de literacia mediática chamada "Hit Pause" ("Faça Pausa", em português) onde dão "dicas sobre como identificar diferentes táticas de manipulação".
Operações de influência coordenadas não são permitidas... mas há quem tente
À Renascença, fonte do Youtube garantiu que a Google partilha todos os seus "esforços em torno da integridade eleitoral com a Comissão Nacional de Eleições e com a Entidade Reguladora para a Comunicação Social", facto que a própria CNE também confirmou à Renascença.
Também são auxiliados por organismos governamentais e organizações não governamentais "particularmente eficazes" a informar o Youtube de violações das regras da comunidade. "Estamos focados em parcerias importantes com grupos especializados que possuem um profundo conhecimento da indústria em torno de temas como o discurso de ódio e desinformação", é dito.
A desinformação não é, em teoria, permitida no Youtube. Aliás, mais de 51 mil vídeos foram removidos no terceiro trimestre de 2023 por esse motivo. "Estamos comprometidos em remover qualquer conteúdo que viole políticas de desinformação que aplicamos recorrendo a uma combinação de aprendizagem de máquina e de revisão humana" - os chamados moderadores de conteúdo.
A empresa assegura ter "mais de 20 mil pessoas espalhadas por todo o mundo" a trabalhar nos seus sistemas de fiscalização.
Uma hipotética interferência estrangeira também é tida em conta, diz o Youtube. "Operações de influência coordenadas não são permitidas no YouTube, independentemente dos pontos de vista políticos que apoiam."
No entanto, isso não significa que não há quem tente... Por exemplo, na quinta-feira, dia 22 de fevereiro, alguns utilizadores podem ter-se deparado com um vídeo de propaganda política alojado num canal de Youtube criado nesse mesmo dia. O canal, chamado "Bolsonaristas em Portugal", usava um vídeo de pouco segundos onde aparecia uma imagem de Pedro Nuno Santos e António Costa, com a frase "Comunismo nunca mais!" e se mostrava o título de um artigo do jornal ECO, intitulado "Da TAP ao aeroporto e aos negócios familiares. As polémicas que envolveram Pedro Nuno Santos".
O vídeo, dois dias depois, já não se encontrava disponível no Youtube e o canal já não existia.
A Google assegura que os seus espaços online podem ser usados "para debate e discurso político saudável com regras fortes e justas" que desenvolvem o seu trabalho "de forma apolítica e apartidária", com centro de ajuda e relatórios de transparência onde demonstram as "ações de fiscalização" efetuadas nas suas plataformas.
TikTok com seis mil moderadores de conteúdos alocados a "línguas da UE"
Também o TikTok está atento às eleições que acontecerão em 2024. Em janeiro, a plataforma de origem chinesa lançou mesmo um resumo das suas intenções para os sufrágios que irão decorrer em mais de 50 países do planeta, só este ano.
Em declarações enviadas à Renascença, a empresa relembra que "as eleições são momentos importantes para todas as comunidades" e que uma das principais missões do TikTok é "manter os seus utilizadores seguros", proibindo "conteúdos imprecisos, enganadores ou falsos que possam causar danos significativos a indivíduos ou à sociedade, independentemente da intenção".
"As informações falsas ou enganosas sobre como votar, como se registar para exercer o direito de voto ou as condições de elegibilidade dos candidatos são removidas da plataforma."
O Tiktok trabalha, nesse sentido, com um Programa de Verificação de Factos, em vigor em Portugal, e tem uma equipa de "Integridade Eleitoral" que identifica e responde aos "riscos de cada ato eleitoral" de acordo com a realidade de cada país ou região, com "especialistas de diferentes áreas, como a democracia, as eleições e a sociedade civil".
Para além disso, a promoção paga de conteúdos políticos não é permitida no TikTok: ou seja, não é permitido fazer promoção política paga, publicidade política ou angariação de fundos por parte de políticos ou partidos, "incluindo anúncios pagos tradicionais ou criadores que recebam uma compensação por apoiarem ou se oporem a um candidato a um cargo".
"O TikTok não acredita que este tipo de publicidade conduza a uma experiência inclusiva, autêntica e criativa", é dito, à Renascença.
Já em comunicado à imprensa, a plataforma confirmou a sua parceria com fact-checkers e assegurou o seu "compromisso com a integridade das eleições legislativas portuguesas", assumindo essa responsabilidade "com a maior seriedade". Quanto a moderadores de conteúdos, a empresa adianta ter "mais de seis mil pessoas" nessa tarefa alocadas a "línguas da UE".
O algoritmo das redes sociais pode influenciar?
O que vemos nas redes sociais é desenhado para nos manter nas plataformas. Afinal, é esse o modelo de negócio destas empresas. Tal influência pode ser, no entanto, particularmente perigosa em período eleitoral por causa da forma como é desenhado o algoritmo que nos tenta prender ao ecrã.
"Em algumas redes, aquilo a que é dado prioridade é o que está a ser popular naquele instante, mas também incorpora, por exemplo, indicações de consumos meus passados. Isto é deliberado, tem a ver com a forma como as redes entendem que devem gerir os seus fluxos e retirar os seus rendimentos", explica Luís Santos, investigador da Universidade do Minho na área da comunicação e sociedade.
"Podemos dizer que os algoritmos potenciam certo tipo de conteúdo, mas também podemos pôr em causa se não somos nós que procuramos mais esse tipo de conteúdos do que outros", avança, na mesma linha, Nuno Palma, investigador no ISCTE e professor na Escola Superior de Comunicação..
"As plataformas sociais são um negócio e tentam mostrar aos utilizadores aquilo que a que acham que vão aderir mais facilmente, ou seja, nós também temos alguma responsabilidade sobre os algoritmos", defende.
"É discutível se devemos ter as plataformas a mostrar-nos conteúdo mais polarizador, mas também temos de perceber que estas plataformas são um negócio e o bem comum pode não ser aquilo que todos os intervenientes querem. É preciso fazer concessões de um lado e do outro e acho que têm sido feitas", diz Nuno Palma.
De que forma é que isto pode influenciar os resultados? "Não sabemos", diz Luís Santos.
"Não sabemos mesmo porque o facto de eu, por exemplo, estar exposto a conteúdos com uma posição ideológica não significa que eu não consiga ter um olhar crítico sobre aquelas coisas e também não quer dizer imediatamente que eu vou votar. Estas duas coisas precisam de ser ponderadas", diz o investigador.
Igual ideia tem Nuno Palma, que defende que, embora as redes sociais tenham um papel importante no panorama mediático, "a dieta mediática da maior parte das pessoas é muito mais rica e diversificada"
"Seguimos vários tipos de contas e recebemos informações de vários sítios. Para além de que estamos mais preparados para receber essa informação do que estávamos há uns anos", salienta.
"Enquanto utilizadores estamos mais preparados, mas os sítios de onde recebemos informação são muito mais variados que meramente as redes sociais", assevera, pelo que a pluralidade "continua a ser uma realidade", diz o investigador no ISCTE.
"Não temos forma de relacionar de forma definitiva aquilo que é a atuação nas redes sociais e resultados eleitorais. Há aqui uma influência, certamente", admite, especialmente no caso de partidos que, sem as redes sociais, "nunca teriam conseguido chegar ao grande público".
"Mas, enquanto plataforma de persuasão ao voto, acaba por ser como outra plataforma qualquer", ressalva.
"Acho que as estruturas políticas precisavam com urgência de prestar atenção mais efetiva ao que acontece nas redes do ponto de vista de ativação de ideias políticas, mas não quer dizer que estejamos perante uma catástrofe ou algo assim. Não é essa a questão", defende, por sua vez, Luís Santos.
Nuno Palma também acredita que fenómenos como o da desinformação têm "um impacto mais limitado do que aquilo que era apostolado há uns anos".
"As redes sociais, sim, são importantes, mas o impacto tem efeitos limitados na sua audiência, porque as pessoas estão mais informadas e mais preparados para lidar com isso", vaticina Nuno Palma, que também acredita que estudos académicos mais recentes podem vir a provar que "o volume de desinformação que circula, afinal, não é tão grande quanto se suspeitava inicialmente".
"Esta primeira vaga de estudos das redes sociais que emergiram na década passada fazem lembrar os primeiros estudos da comunicação de massas. Quando, há 70 anos, falávamos em comunicação de massas falava-se num poder quase absoluto de controlo de opinião. Parece-me que quase fomos trilhar esse caminho novamente, mas acho que as coisas estão a mudar aos poucos nesse campo", defende.
A lei eleitoral é adequada?
A lei eleitoral em vigor é de 2015 e tem um artigo que fala sobre redes sociais, mas, sob o ponto de vista da sua utilização, apenas diz que os partidos podem ter presença online.
A lei em si, que tem "uma influência muito grande da lei original que nasceu pouco depois da Revolução", tem um "olhar muito benigno" para estes fenómenos, encarando as campanhas eleitorais "sobretudo com as preocupações da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão", diz Luís Santos.
"É uma lei simpática, benigna, benévola, positiva, que fala da Internet, mas não faz nenhuma menção aos riscos da atividade social na Internet", diz o investigador. "Presume que todos os atores têm um comportamento de bem e que todos querem proteger o sistema democrático. A lei está feita dessa forma e não tem espaço para os riscos", admite, talvez fruto do tempo em que foi elaborada.
"Parece-me que temos regras que correspondem a um modo de fazer de outro tempo para plataformas que funcionam num ritmo muito mais acelerado e eu acho que o desencontro pode estar aí", reforça.
No que diz respeito a responsabilidades, "não temos enquadramento legal" para estes fenómenos, até porque "temos uma regulação dividida entre a Comissão Nacional de Eleições e a Entidade Reguladora para a Comunicação Social" e "estas duas entidades já têm de se preocupar com uma quantidade enorme de outras coisas". Por isso, "a regulação do que acontece, do que é dito e do que é feito nas redes é muito deficitária em Portugal", assegura Luís Santos.
Tudo o que diz respeito a eleições é alocado à Comissão Nacional de Eleições que, adianta Frederico Nunes à Renascença, está preparada para as legislativas. No entanto, no caso específico das redes sociais, Nunes indica que a responsabilidade é partilhada com as plataformas, os partidos e os cidadãos.
Não poderia ser de outra forma, admite Nuno Palma, para quem a CNE "quanto muito pode controlar o que as contas oficiais dos partidos estão a fazer e pouco mais". "Mas nós sabemos que grande parte do que se passa nas redes sociais não vem propriamente das contas oficiais dos partidos, que atuam dentro das regras. Não é aí que reside, normalmente, o problema".
É preciso que as regras mudem?
Prestar, no entanto, atenção às redes sociais é, para Luís Santos, fundamental e as entidades e os agentes políticos "começam a ter uma consciência mais precisa da dimensão potencial dos riscos".
"A questão é que ter consciência disto nesta altura já não adianta grande coisa", admite o investigador, pois é "preciso rever ler, implementar mecanismos" e, sobretudo, "dar meios e poderes a estas entidades" para poderem "prestar atenção ao minuto ao que está a acontecer nas redes sociais", porque "o fluxo é absolutamente estonteante e contínuo".
"Não se compadece com a criação de horários, de dias específicos para se fazer campanha. Isso são reminiscências de outro tempo", salienta.
Na ausência de um escrutínio mais detalhado, as redes sociais são um espaço onde "o que acontece depende quase exclusivamente da vontade e do bom senso de quem lá está".
"Não há grandes impedimentos. Tanto pode ser um lugar ordeiro onde apresento as minhas propostas como pode ser um faroeste. É permitido que isso aconteça", refere, salientando que este não é um problema só português mas que, em época de eleições, "se torna muito concreto".
No campo da comunicação como um todo, a Entidade Reguladora da Comunicação Social poderia ter uma palavra a dizer, mas não tem.
"Embora tudo indica que será o órgão selecionado para implementar as regras europeias relacionadas para estas questões, não sei se a ERC teria capacidade para controlar, nesta altura, perante o grande volume de informação diária", diz Nuno Palma.
"A ERC faz o que a lei diz que tem de fazer. Quando dizemos 'os legisladores deviam agir mais', é um desabafo muito lógico mas, na prática, não é isso que acontece. As entidades reguladoras regulam de acordo com os enquadramentos legais para fazer essa regulação. Não regulam um centímetro para lá do espaço que a lei lhes permite", diz, por sua vez, Luís Santos.
"Nós, em Portugal, temos leis muito desadequadas para a comunicação, em sentido mais geral. Temos leis mesmo muito desadequadas e não estou sequer a falar da Internet, estou a falar dos outros ambientes. Mesmo para os outros ambientes as nossas leis são profundamente adequadas e, se quisermos, ao longo dos últimos 25 anos, não tivemos a mínima atenção política a este assunto e, nos últimos 25 anos, esta coisa extraordinária que se chama a Internet, deixou de ser uma novidade. Agora é parte fundamental das nossas vidas e tanta desatenção durante tanto tempo tem custos e eu acho que agora estamos a pagar alguns destes custos", defende.
As redes sociais respeitam as regras?
Para Nuno Palma, têm sido feito progressos "no bom sentido" a nível de regulação e fiscalização, "os passos que têm sido dados têm sido importantes" e as plataformas estão mais ágeis a lidar com a moderação de conteúdos. Já Luís Santos diz que as plataformas têm todas "códigos de conduta para situações eleitorais" e a maioria tem "mecanismos que são ativados em situações extremas", pelo que "existem alguma proteção".
Para além disso, existem "mecanismos legais" muito detalhados, mesmo a nível europeu, para períodos eleitorais nas redes sociais, mas ainda falta "agilidade" na hora de os implementar online. "A questão não é de existirem ou não mecanismos legais. A questão é se eles são ou não ágeis em tempo útil", reforça.
"Parte do processo acontece por deteção prévia das plataformas - ou seja, detetam que determinado tipo de publicação tem um teor não aceitável e é retirada do fluxo", mas também há "denúncia de terceiros", explica Luís Santos. "Esses processos levam um pouco mais de tempo mas, em muitas circunstâncias, são eficazes", admite.
"A questão que se põe com este tempo específico de período eleitoral é que estes processos levam sempre algum tempo e as campanhas eleitorais são relativamente curtas. Ou seja, pode dar-se o caso de a apreciação de uma determinada publicação só estar completa quando já aconteceram as eleições. Nesse ponto de vista as coisas não são muito eficazes", admite Luís António Santos, investigador da Universidade do Minho.
Alberto Fernandez Hibachi, da organização intergovernamental International Idea, tem analisado o comportamento das principais plataformas sociais a operar no planeta e também acredita que seguem as regras, mas, por vezes, estas esbarram com o seu modelo de negócio, assente na recolha de dados dos utilizadores. Não é que não queiram seguir as regras, mas às vezes partes do modelo de negócio deles ficam difíceis de manter", explica. Nesse campo, Alberto acredita que ainda há muito a fazer para que percebam que, apesar de serem companhias privadas, fornecem um "serviço público". "São empresas privadas, sim, mas têm uma função fundamental na sociedade e têm de ter noção disso e agir com essa responsabilidade", defende.
"Não há como escapar à regulação, não é só pagar multas. É como os fabricantes de automóveis: se não seguirem a regulação não podem vender carros. Devíamos ter uma abordagem semelhante no caso das plataformas sociais", diz, mesmo que "tenham muito poder".
A Renascença também tentou contactar o X (antigo Twitter) e a Meta (responsável por Facebook, Instagram e WhatsApp), sem sucesso. Ambas as plataformas parecem ter deixado de ter representação direta no nosso país.