O Papa pediu esta sexta-feira “perdão” pelo envolvimento dos católicos na gestão de escolas residenciais para povos indígenas do Canadá, perante representantes destas comunidades, com quem se encontrou no Vaticano, confessando “indignação e vergonha”.
“Pela deplorável conduta de alguns católicos, peço perdão a Deus. Quero dizer-vos de todo o coração: estou muito entristecido. Uno-me aos bispos canadianos, para pedir-vos perdão”, referiu Francisco, no final de uma série de encontros com delegações das Primeiras Nações, Métis e Inuit, iniciados na segunda-feira.
O Papa falou de uma “colonização sem respeito” que provocou uma “tragédia” nas comunidades indígenas, separando famílias e desrespeitando identidades culturais ou valores espirituais. “Tudo isto é contrário ao Evangelho de Jesus”, sustentou.
32 anciãos indígenas, sobreviventes de escolas residenciais e jovens deslocaram-se ao Vaticano para uma “viagem histórica”, segundo a Conferência Episcopal do Canadá (CCCB, sigla em inglês).
Francisco agradeceu o testemunho dos participantes, que manifestaram o desejo de “caminhar em conjunto”, com a Igreja Católica, e elogiou a “sabedoria” da tradição indígena, com “grande amor pela família” e uma relação harmoniosa com a natureza.
“É arrepiante pensar na vontade de incutir um sentimento de inferioridade, de fazer alguém perder a sua identidade cultural, de truncar as raízes, com todas as consequências pessoais e sociais que isso implicou e continua a envolver: traumas não resolvidos, que se tornaram traumas intergeracionais”, declarou.
O Papa reafirmou a sua intenção de visitar o Canadá, em particular os territórios indígenas – apontando à data da festa litúrgica da Santa Ana, avó de Jesus (24 de julho), antes de sublinhar, em tom de brincadeira, que não iria no inverno -, para poder manifestar melhor a sua “proximidade”, e insistiu na “vergonha” que sente perante o tratamento sofrido por membros destes povos da América do Norte, que lhe apresentaram as suas histórias.
O encontro desta sexta-feira, no Palácio Apostólico do Vaticano, contou com momentos de oração, dos representantes indígenas, nas suas línguas tradicionais, que pediram pela “reconciliação e a cura” de um passado doloroso, evocando “as crianças que foram tiradas” das suas famílias.
Os participantes tiveram ainda oportunidade de apresentar expressões culturais próprias dos seus povos, com música e danças tradicionais. A audiência concluiu-se com uma troca de presentes.
Fred Kelly, conselheiro espiritual da delegação da Assembleia das Primeiras Nações no Vaticano, disse em conferência de imprensa que deu ao Papa Francisco um nome indígena: “Pena Branca”.
Igreja reconcilia-se com povos indígenas
Em outubro do último ano, o Vaticano anunciou que Francisco aceitou um convite da Conferência Episcopal do Canadá para visitar este país, inserida no processo de “reconciliação” com os povos indígenas.
Um mês antes, a Conferência Episcopal do Canadá publicou um “pedido inequívoco de desculpas” aos povos indígenas do território, numa nota em que aborda envolvimento histórico da Igreja Católica nas escolas residenciais.
Em 2021 foram descobertas centenas de sepulturas anónimas junto de antigas escolas residenciais indígenas; várias destas instituições pertenciam à rede de escolas administrada pela Igreja Católica, destinadas à “reeducação” de crianças indígenas, com o apoio do Governo canadiano.
“Reconhecemos os graves abusos cometidos por alguns membros de nossa comunidade católica: físicos, psicológicos, emocionais, espirituais, culturais e sexuais. Reconhecemos igualmente, com tristeza, o trauma histórico e contínuo, bem como o legado de sofrimento e os desafios que perduram até hoje para os povos indígenas”, indicava o comunicado dos bispos católicos do Canadá, dirigido aos povos indígenas (Primeiras Nações).
A nota admitia que o sistema implementado nestes internatos, nos séculos XIX e XX, “levou à supressão das línguas, cultura e espiritualidade autóctones, sem respeitar a rica história, tradições e sabedoria dos povos indígenas”.
Em 2015, após sete anos de pesquisa, a Comissão de Verdade e Reconciliação do Canadá divulgou um relatório sobre escolas residenciais, revelando que entre 1890 e 1996 mais de 3 mil crianças morreram por causa de doenças, fome, frio e outros motivos.