Constança Braddell tem 24 anos e uma doença rara: fibrose quística. Através de uma publicação desesperada numa rede social começa por pedir: “Não quero morrer, quero viver”.
A jovem afirma que luta para que lhe seja dado pelo Infarmed e pelo Ministério da Saúde a possibilidade de ter acesso a um novo medicamento −que ainda não é comercializado em Portugal − que no caso dela lhe pode dar boas possibilidades de ter mais anos de vida com qualidade. Mas até agora não teve nenhuma resposta que lhe dê alento e esperança. “Todas as noites vou dormir aterrorizada de não acordar na manhã seguinte – e tudo porque o Infarmed escolheu virar-me as costas”.
No início da missiva, a jovem lamenta nunca ter pensado “chegar ao ponto de ter de escrever sobre a iminência da minha morte”.
Segundo Constança, esta doença “é mortal e incurável”, “afeta múltiplos órgãos do aparelho digestivo mas essencialmente os pulmões”.
A jovem está a ser seguida no Hospital de Santa Maria, em Lisboa, e recentemente teve uma boa notícia: a de que “felizmente existe uma solução”.
Medicamento ainda não é comercializado em Portugal
Constança nomeia o fármaco, trata-se do Kaftrio e este “já está disponível em vários países”. Não é uma cura, segundo esta mulher, mas tem a capacidade de dar mais anos de vida a um paciente com fibrose quística.
“Pode prolongar a minha vida. Eu posso viver, voltar a viver pois a situação moribunda na qual me encontro é tudo menos o que se espera para uma jovem de 24 anos com tantos sonhos adiados”, esclarece.
No entanto, o Kaftrio não está disponível em Portugal. A jovem diz que o Infarmed “está ciente da eficácia deste medicamento e continua em negociações intermináveis para aprovação do financiamento do mesmo”.
Escreve ainda que já enviou "várias cartas a inúmeras figuras políticas do país e também para a farmacêutica em questão”.
Hospital esgotou pedidos de acesso precoce ao medicamento
O Hospital de Santa Maria, em Lisboa, onde Constança é seguida em resposta às perguntas da Renascença, esclarece que o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (do qual o Santa Maria faz parte) "fez um pedido para utilização de um fármaco acabado de aprovar no nosso país, que se aplica na situação clínica da doente, e espera decisão do Infarmed para a sua utilização”.
O medicamento em causa não é o que Constança refere na mensagem, mas um outro: o Orkambi.
“Um pedido que se insere numa rigorosa avaliação dos critérios clínicos e no melhor seguimento da doente em causa”, explica a mesma unidade hospitalar.
O mesmo centro hospitalar esclarece ainda que em relação ao tratamento citado nas redes sociais, o Kaftrio comercializado pela Vertex Pharmaceuticals, empresa com sede na Irlanda, ainda está em fase de avaliação em Portugal. O objetivo, garante o Hospital Santa Maria é incluir também a doente numa segunda fase do Programa de Acesso Precoce (PAP), uma plataforma para aceder a medicamentos ainda sem autorização de introdução no mercado.
Mas porque é que ainda não o fez? O CHULN afirma que utilizou as duas autorizações de PAP que lhe foram atribuídas em relação a este medicamento numa primeira fase e que aguarda a informação do Infarmed sobre este processo.
A jovem dirige palavras muito criticas ao Ministério da Saúde, que afirma “terá as lágrimas, os gritos de luto da minha família, amigo e namorado nas mãos”.
Esbarrar na teia administrativa
E deixa a certeza de que enquanto estiver viva irá lutar “incessantemente para que as autoridades competentes sejam capazes e tenham a decência de dar resposta ao meu apelo e ao de mais de 400 cidadãos do nosso país”.
Afirma ter estado em contato com presidente do Infarmed, Rui Santos Ivo, explicando-lhe a situação que vive e que está a morrer. “Estou numa luta contra o tempo”, relatou-lhe.
A resposta que diz ter tido foi a de que devia pressionar o Hospital Santa Maria para a toma do Kaftrio. “Joguei várias vezes à batata quente quando era criança, mas nunca com a minha vida”, ironiza.
Uma mudança súbita
Constança conta ainda que até agora teve sorte “pois a fibrose quística pouco interferiu na minha vida, tanto que nunca senti a necessidade de contar nem aos meus amigos mais próximos”.
Mas, tal como muitas outras doenças raras mortais, refere, “elas atingem-nos quando menos esperamos”.
“Desde setembro de 2020, a minha vida mudou drasticamente. Tenho vindo a morrer lentamente. Perdi 13kg no espaço de 3 meses e estou ligada a oxigénio 24/7, e a um ventilador não invasivo para dormir porque é a única maneira de eu conseguir continuar a respirar. Uma simples ida à casa de banho parece impossível. Uma simples chamada ao telefone deixa-me exausta. Tenho experienciado ver a minha vida a terminar lentamente.
A fibrose quística é uma doença genética associada a problemas pulmonares e nutricionais. Consiste numa disfunção das glândulas exócrinas que produzem secreções anómalas (muco mais espesso). A fibrose quística não tem cura, apesar de a qualidade de vida dos doentes ter melhorado muito nos últimos 20 anos. Em Portugal estima-se que haja cerca de 400 pessoas com esta doença.
A Renascença enviou um pedido de esclarecimento ao Infarmed sobre este caso, e está a espera de respostas às perguntas que enviou.