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A Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Menores na Igreja Católica Portuguesa revelou o caso de um bispo português que reintegrou numa diocese um padre condenado no estrangeiro por dois casos de abuso sexual de menores.
A revelação foi feita por Júlia Garraio, uma das especialistas da comissão que teve acesso aos arquivos da Igreja, na conferência de imprensa de apresentação do relatório sobre abusos na Igreja Católica em Portugal nas últimas décadas.
A especialista identificou o sacerdote como "Padre F", nascido na década de 40 do século XX, tendo emigrado com a família para um país estrangeiro, que não foi identificado.
“Sacerdote nesse país, foi preso por atividade sexual inadequada e ilegal com dois rapazinhos da paróquia de 11 e 13 anos. Declarando-se culpado, foi condenado com pena suspensa, sob compromisso de prestar serviço comunitário e se registar como agressor sexual”, disse Júlia Garraio.
A especialista revelou que o sacerdote “concordou em não exercer funções sacerdotais e submeteu-se a terapias para pedófilos”. Como tal, “a diocese estrangeira não considerou necessário emitir uma declaração formal de impedimento de Ministério”.
Alguns anos depois do fim do processo penal nesse país, o padre voltou para Portugal e “desenvolveu contactos com o bispo local” para que fosse reintegrado na vida diocesana.
Nessa altura, segundo a especialista, “o bispo estrangeiro terá comunicado ao bispo português o passado do "Padre F" como condenado por abuso sexual de menores para que este último pudesse tomar uma decisão informada”.
Júlia Garraio esclarece que “a documentação consultada” indica que “o Padre F pode refazer a sua vida sacerdotal em Portugal, sem ser sujeito a medidas especiais de vigilância e prevenção de reincidência de abusos sexuais”.
Anos mais tarde, responsáveis da Igreja do país estrangeiro onde o padre foi condenado tomou conhecimento que o sacerdote tinha sido reintegrado. Nessa altura, um bispo desse país escreveu a um bispo português manifestando “a sua preocupação por o Padre F se encontrar a exercer o seu Ministério Sacerdotal”, apesar dos “antecedentes criminais e apesar da plena revelação feita por esta diocese à diocese portuguesa”.
Júlia Garraio concluiu considerando que o percurso do "Padre F" é paradigmático dos “diversos tempos de reação das igrejas católicas dos diferentes países às denúncias de abusos sexuais de menores”, assim como “durante muito tempo, se privilegiaram soluções locais ou nacionais para um fenómeno transnacional que exigia uma resposta concertada da Igreja Católica como um todo”.
Pelo menos três queixas contra padre "bem relacionado"
Noutra intervenção, a historiadora Rita Almeida Carvalho, que também acedeu aos arquivos da Igreja, deu conta de outro sacerdote, desta vez identificado como "Padre P", que, no âmbito da comissão, foi identificado em pelo menos três queixas distintas, sendo a mais recente datada já da terceira década do século XXI, ou seja, entre 2020 e 2023.
“Todas [as vítimas] identificam explicitamente o nome do abusador e o tipo de abusos: masturbação do próprio e do abusado, toques, sexo oral, penetração e outros atos de natureza sexual de extrema violência”, explicou, acrescentando que estes atos aconteciam no âmbito de ações designadas como “exercícios de autoconfiança”.
Rita Almeida Carvalho referiu ainda que “o Padre P possuía um perfil sociocultural elevado e relacionava-se com figuras públicas e membros destacados de dois movimentos católicos considerados, do ponto de vista teológico, dos mais conservadores”.
A historiadora adianta que um outro padre também pertencente a um desses movimentos católicos “foi denunciado à comissão independente como abusador de menores”.
Sobre o número de vítimas do "Padre P", Rita Almeida Carvalho assegura que, além das três denúncias feitas à comissão, terão existido mais vítimas, dado que as idades dos denunciantes que falaram à comissão não coincidem com as datas das vítimas identificadas em processos que ficaram registados nos arquivos da igreja.
Se foi vítima de abuso ou conhece quem possa ter sido, não está sozinho e há vários organismos de apoio às vítimas a que pode recorrer:
- Serviço de Escuta dos Jesuítas , um “espaço seguro destinado a acolher, escutar e apoiar pessoas que possam ter sido vítimas de abusos sexuais nas instituições da Companhia de Jesus.
Telefone: 217 543 085 (2ª a 6ª, das 9h30 às 18h) | E-mail: escutar@jesuitas.pt | Morada: Estrada da Torre, 26, 1750-296 Lisboa
- Rede Care , projeto da APAV, Associação Portuguesa de Apoio à Vítima, que “apoia crianças e jovens vítimas de violência sexual de forma especializada, bem como as suas famílias e amigos/as”.
Com presença em Lisboa, Porto, Coimbra, Braga, Setúbal, Santarém, Algarve, Alentejo, Madeira e Açores.
Telefone: 22 550 29 57 | Linha gratuita de Apoio à Vítima: 116 006 | E-mail: care@apav.pt
- Comissões Diocesanas para a Protecção de Menores . São 21 e foram criadas pela Conferência Episcopal Portuguesa.
São constituídas por especialistas de várias áreas, recolhem denúncias e dão “orientações no campo da prevenção de abusos”.
Podem ser contactadas por telefone, correio ou email.
Para apoiar organizações católicas que trabalham com crianças:
- Projeto Cuidar , do CEPCEP, Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica
Se pretende partilhar o seu caso com a Renascença, pode contactar-nos de forma sigilosa, através do email: partilha@rr.pt