Há crianças a brincar e a correr um pouco por todo o lado. Um grupo entretém-se com um papagaio voador feito de plástico preto, que largam no céu cinzento. Mais à frente, uma trabalhadora de uma associação tenta convencer uma criança a abrigar-se – em vão.
“Há todo o tipo de crianças aqui. É verdade que estou um pouco surpreendida porque ele tem 12 anos, é muito novo. Em geral, há menores com 17 anos e são quase maiores de idade. Mas é verdade que é surpreendente vê-lo tão pequeno, sem família e que esteja aqui só com amigos”, explica uma trabalhadora das várias organizações não-governamentais (ONG) que operam no campo de migrantes de Calais. Pede para não ser identificada.
Neste campo no norte de França, a poucas centenas de metros do porto de Calais e do túnel do Canal da Mancha, erguem-se centenas e centenas de barracas e tendas. Aqui vivem, em condições extremas, milhares de migrantes que querem chegar ao Reino Unido. Chamam-lhe “a selva”.
Muitos fizeram um percurso de meses, passando por vários países. Ali é um deles. “Entrei pela Grécia, (…) passei por 12 países”, garante este afegão, que está há três meses e meio em Calais.
O campo de migrantes de Calais poderá ter os dias contados, devido à decisão da justiça francesa de desmantelar parte da zona sul do local.
“Dormimos, acordamos de manhã, damos uma volta. Nada mais”
É mais um dia frio, húmido e cinzento nesta região. As nuvens ameaçam com chuva a qualquer momento. Nada que perturbe a vida nesta “cidade” improvisada onde coabitam centenas e centenas de sírios, iraquianos, afegãos, eritreus, paquistaneses, entre muitos outros. Há um vaivém constante de pessoas no campo.
Ninguém sabe ao certo quantos são. Na zona sul do campo, haverá cerca de 3.500 pessoas, pelas contas das associações humanitárias, cerca de mil, segundo as autoridades francesas.
As organizações de apoio aos migrantes têm alertado para a situação de muitas crianças que estão no campo, sem a família. Pedem que seja encontrada uma solução para estes menores antes da demolição parcial do campo.
As autoridades querem evacuar parte do campo por razões de segurança e salubridade e oferecem contentores equipados. Numa zona ali mesmo ao lado, há dezenas de contentores onde muitas pessoas se abrigam.
Mas as ONG dizem que não haverá lugar para todos. A chuva fez do campo um enorme lamaçal. Há água estagnada e lixo, muito lixo. As condições sanitárias são extremas e há poucas latrinas.
Mas o que desespera mais estas pessoas é a falta de perspectivas. “Dormimos, acordamos de manhã, damos uma volta. Nada mais. Consegues alguma comida. Não podes fazer mais nada. Não se pode trabalhar, não se pode estudar. Nada”, diz Mantezar, um iraquiano de 23 anos que está há três meses e meio no campo.
O sonho de Mantezar é alcançar o Reino Unido, onde, diz, está o pai e uma irmã.
A vida organiza-se
A vida neste gigantesco bairro de lata acabou por organizar-se e adquiriu ritmos próprios. Para tal muito contribuiu o trabalho das associações humanitárias locais e o grande contingente de voluntários britânicos sensíveis à situação destas pessoas que querem ir para o Reino Unido.
Nas diferentes “entradas”, a presença policial é visível. Depois, o campo tem as suas “ruas” de lama. Há restaurantes e mercearias, cafés e um centro de informação com cartazes em inglês e árabe. Mais à frente há locais de culto e um “hotel”. Existe uma biblioteca e o que parece uma escola. E há a presença incansável das associações locais e organizações humanitárias, como os Médicos do Mundo, Médicos sem Fronteiras ou o Secours Catholique – fornecem roupa, alimentos, produtos de higiene, tendas e dois dedos de conversa sempre que necessário.
No centro de apoio jurídico, vários peritos dão informações em diferentes línguas sobre procedimentos de asilo e medidas de apoio. Mas, apesar deste esforço dos voluntários, há migrantes que não têm documentos e não poderão receber asilo. Sem papéis, deverão regressar aos seus países.
or todo o lado, grupos de voluntários, muitos deles britânicos, a darem todo o tipo de ajuda (médica, jurídica ou simplesmente umas palavras de solidariedade). À medida que se aproxima a hora da refeição, há mais movimento junto aos cafés e um cheiro a fritos toma conta das “ruas”.
Num descampado junto à entrada da “cidade”, patrulhas da polícia observam um grupo de jovens a jogar críquete. Uns migrantes saem, deambulam em direcção à cidade. Outros chegam.
Para muitos o sonho britânico acabou ali, num bairro de lata junto ao Canal da Mancha. Mas nada parece demover a vontade de alguns. Diz Ali: “Estamos a tentar ir para Inglaterra – de forma legal ou ilegal, de qualquer forma – para ir ter com as famílias.”