O primeiro-ministro, António Costa, acusou esta segunda-feira o ex-Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, de tentar "criar uma crise política artificial", na sequência das suas declarações no Encontro Nacional de Autarcas Sociais Democratas, no sábado.
"O professor Cavaco Silva falava num evento partidário, na sua qualidade de militante partidário. Ele é um homem que é um profundo conhecedor dos círculos económicos e percebe bem qual é a dinâmica em que estamos na economia portuguesa, que, felizmente, está a dar a volta às dificuldades que teve de enfrentar com a pandemia, com o início da guerra [na Ucrânia] e com a inflação", afirmou Costa, em declarações aos jornalistas, à margem do almoço comemorativo dos 25 anos da abertura da Expo 98.
"[Cavaco Silva] foi alimentar aquele frenesim, em que a direita portuguesa agora está, de querer criar o mais rapidamente possível uma crise política artificial, de forma a não dar tempo a que os portugueses sintam, como têm direito a sentir plenamente, os benefícios da recuperação económica", disse ainda o chefe do governo, acrescentando que "só uma crise política poderia interromper esta dinâmica de bom crescimento".
O primeiro-ministro desvalorizou, desta forma, as declarações de Cavaco Silva, acusando-o de despir "o fato institucional, próprio, a que muitas vezes nos habituou" e de vestir a "t-shirt de militante partidário".
"Segundo as perspetivas da UE, já teremos a nossa divida publica, em relação ao nosso produto interno, melhor do que a Espanha, melhor do que a França", salienta ainda Costa.
O primeiro-ministro apontou ainda que a “frustração” e “mágoa” de Cavaco Silva, por ter terminado o seu segundo mandato presidencial dando posse a um Governo que não queria empossar, justifica a sua oposição ao atual executivo.
“Percebo bem que alguém com muitos anos de militância partidária, que teve a enorme frustração de concluir o seu mandato presidencial dando posse a um Governo que de todo em todo não desejava dar posse, tenho ficado com essa mágoa. Volta e meia despe a sua função institucional e, na sua qualidade partidária, alimenta” a ideia de crise política, reagiu o líder do executivo.
“Tenho tanta consideração por Cavaco Silva quanto habitualmente divergimos um do outro - mas toda a consideração pessoal - e percebo bem as obrigações que os militantes partidários por vezes têm de cumprir perante o seu próprio partido”, disse.
Segundo o atual primeiro-ministro, “sendo Cavaco Silva um reputado economista e um grande especialista nos ciclos económicos, percebe bem qual a dinâmica que a economia portuguesa hoje está a ter”.
“Com a enorme experiência política que tem Cavaco Silva, percebe bem que cada dia que passa é um dia em que as pessoas vão sentir de forma mais concreta a recuperação da economia. Para haver crise política, ela tem de ser artificialmente criada e precipitada o mais rapidamente possível”, sustentou.
De acordo com António Costa, o “Governo tem um bom horizonte onde é necessário trabalhar e, para isso, é fundamental evitar crises políticas”.
“A minha grande prioridade é mantermos este ritmo de crescimento da economia, estabilizar o emprego, continuar a combater a inflação e trabalhar para se manter a trajetória de recuperação dos rendimentos”.
“Não me sinto ofendido, faz parte da luta política, mas, enquanto primeiro-ministro, tenho de me pôr acima desse terrenos e tenho de me focar no interesse nacional e nos interesses dos portugueses”, acrescentou.
Caso Galamba: "Já disse tudo o que tinha a dizer"
Questionado pelos jornalistas sobre a polémica no Ministério das Infraestruturas e as declarações de João Galamba sobre os telefonemas ao primeiro ministro, Costa apelou: "Não vamos aqui entrar no pormenor das horas, das horinhas", reiterando que "já disse tudo o que tinha a dizer" sobre o tema.
António Costa afirmou ainda que "um episódio, por muito deplorável que seja - como foi -, não se torna no principal problema do país", apelando ao foco em questões económicas.
"Espero que a comissão parlamentar de inquérito (CPI) cumpra plenamente a sua função, para a qual foi criada, de avaliar a gestão política que foi feita pelo Governo relativamente à TAP; a decisão que tomou de intervir quando, em plena crise de covid, a aviação nacional paralisou totalmente e a TAP interrompeu o crescimento económico em que se encontrava; as decisões que foram tomadas para o plano de reestruturação e como está a ser executado esse plano; o processo de privatização", destacou ainda o chefe do Governo.
O primeiro-ministro referiu ainda que "o Governo é uma equipa vasta", que se tem "mantido em atividade" e recusou também ter tido conhecimento, na noite de 26 de abril, sobre a intervenção dos serviços de informação (SIS).
"Não, disse logo isso na noite em que cheguei. Não tive, nem tinha de ter, tal como o ministro da Administração Interna não tem informação prévia sobre todas as operações da PSP. Tal como quando fui ministro da Justiça não tinha informação prévia sobre operações da Polícia Judiciária", justificou.
“O SIS não me informou de nada, ninguém do Governo foi informado de nada, ninguém do Governo deu ordens e nem o SIS tinha de informar [o Governo] sobre coisa nenhuma, porque não é esse o nível de tutela. E qual a natureza da operação? Tratava-se de uma operação meramente corriqueira e, em regra, os serviços de informações não informam o primeiro-ministro sobre as operações antes de elas serem realizadas”, sustentou.
Em relação aos contactos telefónicos com o ministro das Infraestruturas, António Costa referiu que o próprio João Galamba já disse que não lhe tinha atendido uma primeira tentativa de chamada, na noite de 26 de abril.
“Depois, eu mais tarde liguei-lhe e ele informou-me do ocorrido. Eu perguntei se era necessário fazer alguma coisa e ele disse-me que não. Disse-me que o caso já tinha sido comunicado ao SIS, à PJ e às autoridades e que tudo estava a correr”, contou.
"Quando desaparece um documento classificado, o que se deve fazer? Comunicar às autoridades e foi o que foi feito. O que as autoridades devem fazer perante uma comunicação destas? Em função da comunicação que recebem e da relevância que atribuem aos documentos desaparecidos, devem atuar - e atuaram nos termos da lei", afirma Costa.
Nenhuma demissão à vista no SIRP
António Costa recusou também o pedido do presidente do PSD, Luís Montenegro, no sentido de demitir a secretária-geral do Sistema de Informações da República Portuguesa (SIRP), a embaixadora Graça Mira Gomes, observando que o Conselho de Fiscalização do SIRP já concluiu que o SIS “atuou nos termos da lei” no caso do computador com informação classificada que estava na posse de Frederico Pinheiro, ex-adjunto do Ministério das Infraestruturas.
Já em relação à continuidade da secretária-geral do SIRP nessas funções, António Costa alegou que “tem uma carreira profissional impoluta, cuja credibilidade por ninguém é contestada” e lembrou que a sua escolha teve a concordância do maior partido da oposição, o PSD.
“Não vejo nenhuma razão para quem quer que seja ponha em causa a sua probidade”, salientou numa alusão à embaixadora Graça Mira Gomes, antes de assinalar que, pela sua parte, também não tem qualquer razão para duvidar que os serviços de informações terão atuado fora do quadro da lei no caso da recuperação do computador que estava na posse de Frederico Pinheiro.
“A entidade que é competente para avaliar a legalidade da atuação [o Conselho de Fiscalização do SIRP], disse por unanimidade que não havia qualquer indício de ilegalidade na atuação” do SIS, reforçou.
Governo colabora “totalmente” com a comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP
Interrogado se mantém a confiança em João Galamba como ministro das Infraestruturas após as declarações que esse membro do Governo prestou na comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP, na quarta-feira passada, o líder do executivo sustentou que “não houve qualquer facto novo”.
“As instituições devem funcionar normalmente e, portanto, o Governo colabora totalmente com as instituições, seja o Presidente da República, seja a Assembleia da República”, começou por reagir, antes de apontar que na origem do mais recente caso em análise na comissão parlamentar de inquérito estar “o facto de o ministro João Galamba ter demitido um seu ex-adjunto por ter concluído que ele estava a esconder documentos”.
“Esses documentos eram solicitados pela comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP. Portanto, que não haja qualquer dúvida: Tudo o que a comissão parlamentar de inquérito entende em termos de esclarecimentos ou informações, o Governo estará totalmente disponível para isso – e é isso o seu dever”, acentuou.
O primeiro-ministro procurou salientar em seguida que a comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP foi constituída “porque o PS, apesar de ter maioria absoluta na Assembleia da República, a viabilizou, “após ter sido proposta pelo Bloco de Esquerda com um âmbito concreto, com um objetivo concreto, que devem ser prosseguidos”.
Já sobre a intenção manifestada pela Iniciativa Liberal, Chega e Bloco de Esquerda para o que o primeiro-ministro deponha presencialmente perante a comissão parlamentar de inquérito, responde: “Não nos vamos pôr aqui em especulações”.
“Ninguém me pediu. A comissão parlamentar de inquérito não me pediu sequer para eu ir, como vou estar a responder se vou ou se não vou”, alegou.
Perante os jornalistas, o primeiro-ministro voltou a insistir que a questão da comissão parlamentar de inquérito sobre a TAP “não é o principal problema do país”, nem está no centro das preocupações das pessoas.
“Não é também o centro das preocupações do Governo”, antes de se recusar a “entrar em pormenores sobre horas e horinhas das chamadas telefónicas” com o ministro João Galamba.
“Não há contradições. Espero que a comissão parlamentar de inquérito cumpra plenamente a sua função para a qual foi criada: Avaliar a gestão política do Governo relativamente à TAP, “como está a ser executado o plano de reestruturação da empresa e o processo de privatização que agora se iniciou”, frisou.
Quanto aos episódios que ocorreram no Ministério das Infraestruturas e que considerou “deploráveis”, o líder do executivo argumentou que já tinha dito o que havia para dizer sobre esses casos.
[atualizado às 13h58]