Os líderes da comunidade alauita da Síria publicaram um documento em que se distanciam do regime de Bashar al-Assad.
O manifesto, no qual os alauitas rejeitam serem considerados parte do islão xiita, reivindicando o estatuto de confissão muçulmana independente, é significativo uma vez que a família Assad pertence a esta comunidade e os alauitas, apesar de formarem apenas cerca de 12% da população síria, dominam os aparelhos do Estado e das forças de segurança.
A “declaração de identidade e de reforma” propõe ideias para o futuro da Síria. Os alauitas rejeitam a ideia de um estado confessional, em que a lei islâmica forma a base para o direito.
“Enquanto alauitas aderimos aos valores da igualdade, liberdade e cidadania. Acreditamos que estes são princípios actuais para organizar e manter a unidade social. Por isso, apelamos à aplicação do secularismo, uma vez que o secularismo, como a democracia, é o mecanismo adequado para implementar estes valores. Exigimos a aplicação do secularismo como separação funcional mas não absoluta entre Estado e religião”.
Numa altura em que o regime de Assad está a ganhar terreno na guerra civil, com o apoio crucial da Rússia, o apelo dos alauitas parece ser uma forma de preparar um futuro em que seja possível voltar a um convívio pacífico entre as diferentes confissões religiosas do país.
Embora as revoltas contra o regime tenham começado por ser verdadeiramente populares, sem identificação religiosa, rapidamente a guerra se tornou sectária em termos religiosos.
A maioria sunita forma a coluna vertebral da revolta, desde os moderados até aos extremistas do Estado Islâmico. Já cristãos, alauitas e membros de outras minorias apoiam, na sua generalidade, o regime, temendo virem a ser ostracizados numa Síria dominada por fundamentalistas islâmicos sunitas.
Enquanto isto os curdos, na maioria sunitas mas que se identificam em primeiro lugar em termos étnicos, têm combatido tanto o regime como os rebeldes, procurando acima de tudo garantir o seu próprio espaço autónomo no país, sendo apoiados nalguns locais por milícias cristãs.
Num parágrafo crucial, o manifesto distancia-se do regime de Assad. “O poder político regente, seja quem for, não nos representa nem forma a nossa identidade, nem preserva a nossa segurança ou reputação. Nem nós, os alauitas, o substanciamos ou geramos o seu poder. A legitimidade do regime apenas pode ser considerado de acordo com os critérios da democracia e dos direitos fundamentais”.
Num gesto de boa vontade, os alauitas, que têm um longo historial de perseguição às mãos da maioria sunita, fazem um gesto de reconciliação neste documento. “Os alauitas purgaram da sua memória colectiva histórias de perseguição real e mítica. Declaramos que, em nome da verdade, os sunitas sírios serão ilibados e não serão responsabilizados colectivamente por actos de discriminação que alguns dos seus correligionários cometeram contra os alauitas no passado”.
Um mistério para muitos
O islão alauita permanece um mistério para a maioria das pessoas que não o praticam. Tradicionalmente é visto como uma seita da família do islão xiita, uma vez que, tal como os xiitas, os alauitas defendem que o genro de Maomé, Ali, era o seu legítimo sucessor. Os alauitas, contudo, consideram que Ali era uma manifestação de Deus, o que é rejeitado pela maioria dos xiitas e considerado herético por outros muçulmanos.
O documento dos líderes da comunidade rejeita, contudo, qualquer associação ao xiismo e diz que o islão alauita é uma confissão independente. Lamenta ainda que “durante demasiado tempo os alauitas deixaram-se definir por palavras dos outros e não pelas nossas”.
A declaração, que foi enviada para as redacções de vários órgãos de comunicação internacionais, alega ser escrita em nome dos principais líderes comunitários dos alauitas, mas não está assinada. Os especialistas, contudo, definem-no como muito significativo, com um diplomata citado pela BBC a recordar que não se vê nada do género a ser produzido pela comunidade desde a década de 70 do século XX.