A diretiva da Procuradoria-Geral da República (PGR) que atribui aos superiores hierárquicos do Ministério Público o direito a emitir ordens concretas sobre determinadas diligências do processo “está em vigor e impõe-se aos procuradores titulares de inquéritos-crime”, defende André Lamas Leite no programa “Em Nome da Lei” da Renascença.
O penalista afirma que “apenas está suspensa a publicação da diretiva em Diário da República”. Lamas Leite acusa a procuradora-geral Lucília Gago de “inabilidade” na condução do processo que opõe a PGR ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.
António Ventinhas, que preside ao Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, diz que a diretiva de Lucília Gago é uma forma de fazer entrar pela porta do cavalo o controlo político do Ministério Público, que “alguns setores políticos sempre defenderam, mas nunca tiveram coragem de plasmar na lei”.
Luís Fábrica, autor de um estudo sobre a autonomia do Ministério Público (MP), critica o parecer do Conselho Consultivo em que Lucília Gago se baseou para fazer a diretiva sobre os poderes hierárquicos.
O professor de Direito Administrativo diz que esse parecer “limita-se a considerandos de natureza constitucional, ignorando que o legislador aprovou, entretanto, os novos Estatutos para os Magistrados que vêm clarificar, entre outros aspetos, a questão das ordens que a hierarquia pode dar, em matéria de processo criminal”.
De acordo com Luís Fábrica, os novos Estatutos excluem a possibilidade de o superior hierárquico poder dar ordens concretas, para se fazer, ou deixar de fazer uma determinada diligência. Nessa linha de raciocínio defende que “os procuradores do processo têm não só o direito, mas o dever de não acatar essas ordens”, pois são ilegítimas.
De acordo com Luís Fábrica, a ideia de que o Ministério Público tem andado em roda livre “é absurda”. E explica que “os estatutos apenas clarificam que não pode haver ordens concretas das chefias. Mas em tudo o mais funciona a subordinação hierárquica”.
Paulo Otero, também professor de Direito Administrativo, defende que tem de haver no MP um poder hierárquico, não só por razões de autoridade, mas também de responsabilidade. “Porque o poder hierárquico tem de prestar contas perante a comunidade, o que se pode materializar nomeadamente pela convocação da PGR ao Parlamento, para explicar os fundamentos das decisões da hierarquia do Ministério Público.”
Paulo Otero defende, assim, que são legítimas as ordens concretas do superior hierárquico para o titular de um processo crime fazer ou deixar de fazer uma determinada diligência. Mas não aceita, como consta da diretiva da PGR, que essa ordem não fique escrita no processo. “O poder da hierarquia”, diz, “não pode ser um poder opaco. Tem de ser escrutinável pela opinião pública”.
A PGR suspendeu, entretanto, a publicação em Diário da República da diretiva que dá amplos poderes de intervenção às hierarquias do MP e permitir-lhes que as suas ordens não constem do processo. E está pedido um novo parecer sobre a matéria ao órgão de aconselhamento da PGR. Mas Paulo Otero diz que, em relação à ocultação da ordem, Lucília Gago “terá obrigatoriamente de recuar”.
Opinião partilhada por André Lamas Leite. Este penalista defende também que a PGR terá de recuar. Mas para este advogado e professor universitário o grande problema da autonomia do MP não se joga internamente mas na relação com o poder político. Lamas Leite defende que “o problema essencial está a montante; a autonomia externa não está verdadeiramente assegurada, pelo facto de a PGR ser nomeada por proposta do Governo”.
Ideias desenvolvidas no programa da Renascença “Em Nome da Lei”, que pode ouvir novamente este domingo, depois das 00h00.