O Papa Francisco fez esta terça-feira um elogio da revolução, durante a sua última missa em Cuba. Mas a revolução de que Francisco fala é diferente daquela de que os cubanos estão habituados a ouvir falar nos discursos dos seus líderes políticos.
“Somos convidados a viver a revolução da ternura, como Maria, Mãe da Caridade. Somos convidados a ‘sair de casa’, a ter os olhos e o coração abertos aos outros. A nossa revolução passa pela ternura, pela alegria que sempre se faz proximidade, que sempre se faz compaixão e leva a envolver-nos, para servir, na vida dos outros.”
As palavras do Papa Francisco foram proferidas esta terça-feira no santuário da Virgem da Caridade do Cobre, no leste de Cuba, durante a homilia da missa. Partindo da passagem do Evangelho que fala da visita de Maria à sua prima Isabel, o Papa disse que o encontro com Deus é sempre assim, levando os cristãos a desinstalarem-se e partirem ao encontro dos outros.
“A alegria que nasce de saber que Deus está connosco, com o nosso povo, desperta o coração, põe em movimento os pés, 'tira-nos para fora', leva-nos a partilhar a alegria recebida como serviço, como entrega em todas as possíveis situações difíceis que os nossos vizinhos ou parentes possam estar a viver.”
Homilia com tons "políticos"
Sem nunca se referir directamente a questões políticas, o Papa utilizou várias expressões que, tendo em conta o contexto político de Cuba, podiam ser entendidas dessa forma pelos seus ouvintes. Um exemplo foi o elogio que fez às “mães e avós” de Cuba, que mantiveram acesa a luz da fé.
“A alma do povo cubano, como acabámos de escutar, foi forjada por entre dores e privações que não conseguiram extinguir a fé; aquela fé que se manteve viva, graças a tantas avós que continuaram a tornar possível, na vida diária do lar, a presença viva de Deus; a presença do Pai que liberta, fortalece, cura, dá coragem e é refúgio seguro e sinal de nova ressurreição.”
“Avós, mães e tantas outras pessoas que, com ternura e carinho, foram sinais de visitação, de valentia, de fé para os seus netos, nas suas famílias. Mantiveram aberta uma fenda, pequena como um grão de mostarda, por onde o Espírito Santo continuou a acompanhar o palpitar deste povo”, disse o Papa.
Tudo isto, inspirados pela padroeira de Cuba, Nossa Senhora da Misericórdia, que “soube visitar e acompanhar nas dramáticas gestações de muitos dos nossos povos; protegeu a luta de todos os que sofreram para defender os direitos dos seus filhos”.
O Papa deixou claro que é uma Igreja forjada a esta imagem que se quer. “Como Maria, queremos ser uma Igreja que serve, que sai de casa, que sai dos seus templos, das suas sacristias, para acompanhar a vida, sustentar a esperança, ser sinal de unidade. Como Maria, Mãe da Caridade, queremos ser uma Igreja que saia de casa para lançar pontes, abater muros, semear reconciliação.”
“Como Maria, queremos ser uma Igreja que saiba acompanhar todas as situações difíceis da nossa gente, comprometidos com a vida, a cultura, a sociedade, não nos escondendo mas caminhando com os nossos irmãos”, concluiu Francisco, no que pode ser lido como um "recado" para a classe política em Cuba, indicando o direito e a vontade da Igreja de actuar na praça pública.
A exemplo de Bento XVI
Esta homilia de Francisco foi feita três anos e meio depois de Bento XVI ter estado em Cuba e ter feito, precisamente no mesmo santuário, uma homilia com contornos claramente políticos.
Na altura, o agora Papa emérito disse que “o caminho que Cristo propõe à humanidade – e a cada pessoa e povo, em particular – em nada a tolhe, antes pelo contrário, é o factor primeiro e principal do seu verdadeiro progresso”, e referiu ainda que “o respeito e a promoção da liberdade que vive no coração de cada homem são imprescindíveis para responder adequadamente às exigências fundamentais da sua dignidade e, assim, construir uma sociedade onde cada um se sinta protagonista indispensável do futuro da sua vida, da sua família e da sua pátria”.
A verdade é que desde essa visita teve início um processo de abertura em Cuba para o qual contribuiu decisivamente a diplomacia do Vaticano e que permitiu mesmo o restabelecimento de relações oficiais com os Estados Unidos, permitindo já sonhar com o fim do embargo e a abertura económica da ilha.
O Papa Francisco segue esta terça-feira para os Estados Unidos, onde a sua visita continua durante seis dias. Francisco participa no Encontro Mundial das Famílias, em Filadélfia, encontra-se com Barack Obama e irá discursar nas Nações Unidas.
[Notícia corrigida às 14h17]