“Panama Papers”. 98% das empresas "offshore" não têm lá dinheiro e são “cascas de cebola"
15-04-2016 - 10:31

“São sociedades criadas para criar outras sociedades”, explica o procurador-geral adjunto Jorge Marques. No programa "Em Nome da Lei", o jurista admite que alguns documentos do Panamá poderão servir de prova, apesar de obtidos de forma ilícita.

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Quase todos os megaprocessos judiciais que foram tornados públicos nos últimos anos envolveram paraísos fiscais. O crime económico está em fazer desaparecer o rasto do dinheiro, através de sociedades que criam sociedades, como a casca de uma cebola, afirma o procurador-geral adjunto Jorge Marques, na edição deste sábado do programa “Em Nome da Lei” da Renascença.

“Essas sociedades foram criadas necessariamente para servir de máscara, de barreira de cortina para encobrir a ligação entre uma pessoa e o seu património. Muitas vezes, ter uma sociedade não quer dizer que tenha uma conta bancária”, começa por afirmar.

“Por exemplo, quando se ouve dizer que tem o dinheiro no Panamá, provavelmente 98% daquelas sociedades não têm lá dinheiro nenhum. São sociedades criadas para criar outras sociedades e formar uma outra camada, quase como casca de cebola – mecanismo que permite ocultar por onde anda o dinheiro e onde efectivamente está. E por vezes não sai do território de origem da pessoa que é sua proprietária”, descreve.

No “Em Nome da Lei”, Jorge Marques adianta que alguma da documentação que consta dos ficheiros da sociedade de advogados panamiana Mossack Fonseca poderá servir como meio de prova, apesar de poder ter sido obtida de forma ilícita.

“As proibições de prova tiveram uma interpretação literal muito forte ao longo de alguns anos e hoje estão a ser interpretadas, especialmente no que toca à afectação de meios de prova subsequentes, de uma maneira um bocadinho mais flexível. Isto na doutrina e jurisprudência nacional e internacional”, afirma.

BES também terá criado empresa em cascata

A documentação que consta dos chamados “Panama Papers” faz também revelações sobre o Grupo Espírito Santo (GES), o que não surpreende o presidente da comissão parlamentar de inquérito ao BES. Fernando Negrão diz que os deputados sempre suspeitaram de que a E.S. Enterprise escondia contas “offshore”, mas tal nunca foi admitido por qualquer dos membros da família Espírito Santo.

“Íamos tendo indicações de que seria uma empresa que funcionaria num sistema de cascata, porque o sistema de gestão do BES e do grupo do GES funcionava muito na criação de empresas em cascata. Nós tínhamos indicações indirectas sobre isso, mas nunca se conseguiu chegar onde nem que tipo de empresas eram e o que fariam ou o seu fim”, afirma no “Em Nome da Lei”.

A investigação feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas de Investigação revela a existência de mais de 300 sociedades “offshore”, sob a capa da ES Enterprise – um gigantesco saco azul que serviu para entregar dinheiro e património, de forma camuflada, a destinatários ainda por identificar. Essas contas eram movimentadas por todo o núcleo duro do grupo Espírito Santo.

Fernando Negrão considera o pacto de silêncio perante o Parlamento grave. Contudo, a comissão de inquérito nada mais pode fazer, porque foi extinta. Cabe agora ao Ministério Público abrir os respectivos processos-crime por falsas declarações, defende.

Madeira não é um “offshore”?

Segundo o economista João Pedro Martins, que investigou vários paraísos fiscais, o dinheiro que está camuflado nessas regiões é equivalente a 200 vezes o valor do PIB português.

Quanto à zona franca da Madeira, sobre a qual escreveu um livro, João Pedro Martins denuncia casos de ligação ao mundo do crime organizado e, em concreto, a um magnata russo proibido de entrar no Reino Unido, no Canadá e nos Estados Unidos. O empresário tem quatro empresas no Centro Internacional de Negócios da Madeira.

Mas Clotilde Palma, advogada e administradora desse centro, nega as acusações e garante que a Madeira não é um “offshore”, porque é um regime fiscalizado todos os anos pela Comissão Europeia. Além disso, representa um quinto da riqueza da região.

“Todos os anos é objecto de escrutínio pela Comissão Europeia e o objecto de escrutínio consiste nisto: será que aquilo que é ganho em termos de economia regional é superior à baixa tributação que existe? E a Comissão Europeia, em todos estes anos, tem vindo a dizer que sim. Portanto, estamos perante um regime regulado. Gostaria também de esclarecer e salientar que não se trata de um regime opaco. Pelo contrário, o regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira está sujeito a todas as regras de troca de informações que vigoram no território nacional”, justifica.

O advogado Nuno Cunha Barnabé concorda e diz que na Madeira só a fiscalidade é diferente, em tudo o resto se aplica as regras que vigoram no continente. Na opinião deste fiscalista, é muito mais grave o facto de Portugal ser um dos poucos países onde ainda é possível ter acções ao portador.

“É uma coisa que não se compreende. Já poderíamos ter acabado com isso, que é muito mais problemático do que ter uma sociedade na zona franca da Madeira, onde há um conjunto de entidades que cumprem a lei que se aplica em Lisboa – não é diferente a lei que se aplica no Funchal nessa matéria”, sustenta.

Os paraísos fiscais e, sobretudo, o caso dos “Panama Papers” são o tema do programa em “Nome da Lei” deste sábado, que vai para o ar na Renascença entre as 12h00 e as 13h00.