O secretário-geral das Nações Unidas diz que a ONU está a negociar há várias semanas um acordo com Moscovo, Kiev e Ancara, que permita a saída dos cereais da Ucrânia em segurança e confirma a reunião na Turquia, marcada para breve, para discutir o assunto.
Em entrevista à Agencia Lusa, António Guterres assume mesmo que esta “é, porventura, a tarefa mais importante”, em que está envolvido a curto prazo, considerando que a crise alimentar é “uma prioridade absoluta”.
Se o problema não for resolvido, o secretário-geral da ONU antecipa que no próximo ano haverá escassez de alimentos.
“Agora, a curto prazo, é preciso resolver o problema da crise alimentar e não há outra maneira de resolver esse problema a não ser mobilizando um conjunto de atores para um acordo que permita que, finalmente, os cereais ucranianos saiam dos seus silos pelo Mar Negro e que os fertilizantes russos possam ajudar a adubar as produções alimentares em todo o mundo”, reforçou.
Uma reunião quadripartida com representantes das Nações Unidas, Rússia e Ucrânia terá lugar nas “próximas semanas” na Turquia para organizar o transporte de cereais através do Mar Negro, segundo informações avançadas por Ancara.
“Grave problema de escassez de alimentos”
Nesta entrevista, Guterres alertou para as consequências caso não existam adubos disponíveis no mercado.
Para o próximo ano “poderemos ter um grave problema de escassez de alimentos”, prosseguiu.
António Guterres acredita também que a Conferência dos Oceanos, que decorrerá em Lisboa entre 27 de junho e 01 de julho, coorganizada por Portugal e pelo Quénia, poderá resultar em contribuições a médio prazo para a crise alimentar que está a afetar o mundo.
A ofensiva militar da Rússia na Ucrânia, iniciada em 24 de fevereiro, perturbou o equilíbrio alimentar global e está a levantar temores de uma crise que já está a afetar, em particular, os países mais pobres.
Juntas, a Ucrânia e a Rússia produzem quase um terço do trigo e da cevada do mundo e metade do óleo de girassol, enquanto a Rússia e a sua aliada Bielorrússia são dos maiores produtores mundiais de potássio, um ingrediente-chave de fertilizantes.
Nesse sentido, a guerra levou a um aumento nos preços mundiais de cereais e óleos, cujos valores superaram os alcançados durante as Primaveras Árabes de 2011 e os “motins da fome” de 2008 em África, na Ásia e na América Latina.
“Acordo permitiria atenuar crise alimentar”
A concretização de um acordo, entre a ONU, a Rússia e a Ucrânia, permitiria uma redução dos preços dos produtos e atenuaria a crise alimentar no mundo, que se tem agravado na sequência da invasão russa.
De acordo com o jornal britânico The Guardian, citando fontes da Presidência turca, António Guterres e o chefe de Estado da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, são esperados nessa reunião.
Questionado diretamente pela Lusa se estará presente nesse encontro, Guterres optou por não confirmar, mas garantiu que a resolução da situação “dramática” que se vive em alguns países devido à crise alimentar é um dos grandes esforços que tem em mãos.
“A curto prazo é fundamental reduzir os preços dos alimentos que estão a criar uma situação dramática em muitos países do mundo. É fundamental e este tem sido o grande esforço que eu próprio e as Nações Unidas têm desenvolvido: trazer os produtos alimentares da Ucrânia para o mercado, trazer os produtos alimentares e os fertilizantes russos para o mercado”, afirmou o secretário-geral.
Segundo explicou Guterres, todo esse processo envolve uma negociação complexa que as Nações Unidas têm vindo a fazer com a Ucrânia, com a Turquia e com a Rússia em relação ao Mar Negro, mas também com os Estados Unidos e com a Europa, “no sentido de permitir que - uma vez que não há sanções sobre alimentos e fertilizantes, embora haja depois efeitos indiretos que complicam o comércio - se criem condições”.
“Estamos a trabalhar para isso, (...) para uma larga exportação de produtos alimentares ucranianos e russos e para que os fertilizantes russos possam inverter a atual situação de subida dos preços e, pelo contrário, criar condições para que os mercados dos produtos alimentares se estabilizem. E a questão dos adubos é essencial. Hoje temos fundamentalmente um problema de acesso. Os alimentos existem, mas não há acesso a eles”, reforçou.