Mais de mês e meio depois do início da invasão na Ucrânia, a Rússia deu início a uma nova fase da ofensiva militar que passa por concentrar esforços a leste, na região de Donbass, retirando as tropas em Kiev e iniciando um cerco que vai desde a região a norte da cidade de Kharkiv até à Mariupol, no sul.
A intenção do Presidente russo, Vladimir Putin, não é nova. Após ter reconhecido a independência das regiões de Donetsk e Lugansk, a 21 de fevereiro, apontou que a situação em Donbass tinha chegado a uma “fase crítica”, num discurso em que enfatizou que a Ucrânia “não é apenas um país vizinho, mas uma parte inseparável” da história da Rússia. Três dias depois anunciou a ofensiva militar que se estendeu por todo o território ucraniano.
Neste momento, Moscovo reclama já ter tomado controlo de 93% da região de Lugansk e de 54% da região de Donetsk, mas a resistência ucraniana tem dificultado o trabalho das tropas russas e estará por detrás da decisão de retirada de militares noutras zonas do país e concentrar esforços numa só região.
Qual é o interesse de Putin em Donbass?
Na sua atualização da situação no terreno desta segunda-feira, o Ministério da Defesa do Reino Unido, apontou para a continuação de ataques sobre o Donbass e regiões à volta, que incluem o norte de Kharkiv, Donetsk, Lugansk e a cidade sitiada de Mariupol.
Na passada semana, a NATO já tinha lançado o alerta de que Moscovo preparava uma ofensiva “muito concentrada”, esperando que nas próximas semanas a Rússia tente controlar a região e que tente criar uma “ponte” até à região da Crimeia, anexada em 2014.
A zona de Donbass é conhecida como o “coração” industrial da Ucrânia e, até ao ano em que começaram os conflitos entre Rússia e Ucrânia, só a cidade de Donetsk era responsável por produzir 20% dos produtos domésticos ucranianos e cerca de 25% das exportações, apesar de representar apenas 10% da população do país e 5% do seu território.
A chave para o reconhecimento da independência das regiões do Donbass por parte do Kremlin está na cultura desta região: de acordo com um censo realizado em 2021, mais de metade da população é de etnia ucraniana e cerca de 40% de etnia russa, mas o russo é a principal língua falada por cerca de 75% dos residentes de Donetsk e 69% dos residentes Luhansk.
Antes da guerra começar em fevereiro, dois terços das regiões estavam sob domínio ucraniano e a restante parte era governada por separatistas, com “executivos-fantoche” criados com o apoio da Rússia após o conflito na Crimeia, em 2014. O próximo passo da Rússia no seu plano militar passa então por anexar todo o Donbass, tal como fez há oito anos.
Qual é o próximo passo da Rússia em Donbass?
Depois de semanas em que tropas avançaram pelas fronteiras norte, sul e a este da Ucrânia, especialistas referem à BBC que a Rússia poderá ter sido demasiado otimista na sua abordagem militar e tenta agora controlar as regiões mais a sudeste do país, depois de ter falhado o cerco a Kharkiv.
“É um grande território para controlar, não devemos subestimar a complexidade de tudo isto”, afirma Tracey German, professor no King’s College, de Londres. “Se olharmos para o que está a ser feito à volta de Izyum, estão a seguir as principais autoestradas, o que faz sentido dado que a maioria do equipamento é movido através de estradas e caminhos de ferro”, acrescenta.
Na rota da auto estrada M03 que soldados russos agora seguem está a cidade de Slovyansk, com 125 mil habitantes: um alvo que em 2014 chegou a ser controlado por separatistas pró-russos antes de voltar a ser recapturado pela Ucrânia.
Para o Instituto de Estudos da Guerra (ISW) dos EUA, este poderá ser um ponto-chave da guerra, indicando que, se ucranianos resistirem à cidade que faz a ligação com Izyum, a estratégia russa nas duas regiões “muito provavelmente falhará”.
A “gaffe” do chefe de inteligência e o possível referendo em Lugansk
Putin nunca anunciou, publicamente, a intenção de anexar as regiões de Donetsk e Lugansk, como fez através de referendo com a Crimeia em 2014, mas alguns deslizes de outros intervenientes deram a entender os planos do Presidente russo para a região.
A reunião do Conselho de Segurança da Rússia, que antecedeu o reconhecimento da independência das duas regiões, ficou marcada por uma reprimenda de Vladimir Putin ao diretor dos Serviços de Inteligência Estrangeiros russos (SVR), Sergei Naryshkin, que sugeriu a anexação das zonas do Donbass por parte da Federação Russa.
Em resposta, o Presidente russo pediu que o chefe da inteligência, antigo colega de Putin no KGB, “falasse claramente”.
Já depois do início da guerra, a região separatista de Lugansk disse estar a considerar um referendo para que passasse a integrar a Rússia. Em conferência de imprensa, a 27 de março, o líder de Lugansk, Leonid Pasechnik, disse mesmo que o referendo teria lugar "num futuro próximo".
"Penso que num futuro próximo um referendo terá lugar no território para que o povo exerça o seu direito constitucional e expresse a sua opinião em juntar-se à Rússia. Por alguma razão, tenho a certeza que é exatamente isso que acontecerá", disse.
A 11 de maio de 2014, 96,2% dos habitantes de Lugansk votaram a favor da declaração de independência da região, contra apenas 3,8% que votaram para que permanecesse como independente, numa votação não reconhecida que, segundo o Ministério do Interior ucraniano, teve uma abstenção de 76%.