Aproxima-se a passos largos o dia 14 de Julho e a Comissão Europeia apresenta nesse dia o plano gigantesco que tem para reduzir de forma drástica a emissão de gases poluentes nos 27 países da União Europeia a curto prazo, porque a meta é, já em 2030, ter um corte de 55% nas emissões poluentes, para que se chegue às “zero emissões” em 2050.
Para isso, vão ser necessárias mudanças drásticas nos hábitos dos europeus, não só em termos de comportamentos sociais (como a forma como conduzem ou como isolam as habitações para não haver perdas de energia), mas também ao nível da economia de cada um dos países, porque vai ser preciso mudar, por exemplo, a forma como se produz o cimento ou o aço. Terá de haver uma forte aposta nas chamadas energias renováveis e uma mudança de mentalidades ao nível da gestão das florestas, das terras agrícolas e das reservas naturais.
Em Maio, o comissário europeu Frans Timmermans responsável pelo “Pacto Verde” já vinha avisando que vai ser preciso que todos os 27 “remem para o mesmo lado”, cada um com as suas opções para se chegar ao objectivo comum. Mas que é inevitável um peso maior no comércio de emissões, uma actualização da Directiva Europeia de Taxas sobre a Energia, novos limites de emissões poluentes para os automóveis, regras apertadas no que toca à eficiência energética das habitações, novas metas para as renováveis, formas de apoiar os combustíveis e os transportes não-poluentes.
Frans Timmermans foi o convidado do “EuranetPlus Summit 2021” e, numa entrevista conjunta aos jornalistas que fazem parte da rede europeia de rádios, reconheceu que o principal desafio de Bruxelas na luta contra as alterações climáticas já nem é convencer as pessoas de que a transição ecológica é necessária, mas garantir que os custos desta transformação fundamental da sociedade sejam suportados de forma equitativa: “A questão aqui é definir como é que podemos fazer a transição de uma forma que seja justa… Como é que influenciamos o comportamento das pessoas para avançar em direção a uma sociedade com zero emissões e uma economia com zero emissões… Certo é que temos de nos organizar de uma forma que seja justa para evitar a pobreza energética. E é por isso que estamos a propor uma série de medidas, desde a extensão potencial do Regime Comunitário de Licenças de Emissões Poluentes da União Europeia, até à análise do consumo de energia dos prédios e a análise dos requisitos de emissão para automóveis e por aí fora… A visão geral completa de todas essas medidas precisa de nos levar a uma transição que seja vista objectivamente como justa e da qual todos possam fazer sua parte e todos possam ver que os outros também estão a fazer a sua parte.”
Para que se faça uma transição energética, ponto central do “Acordo Verde” (uma vez que o sector da produção de energia é responsável por 80% de todas as emissões de gases de efeito estufa dos 27), surgem duas questões essenciais. Por um lado há países que querem apostar na energia nuclear por não ser poluente (mas não é renovável). Por outro, há países que, querendo transitar para as renováveis, não conseguem fazê-lo sem recorrer a uma fonte de energia transitória e que Timmermans defende que seja o gás natural.
“O que é renovável e o que não é renovável é muito claro. E o gás natural não é renovável… mas é muito mais limpo que o carvão. Portanto, essa pode ser uma ajuda na transição do carvão para a energia renovável. Portanto, o gás natural pode ser um método muito útil para transitar do carvão para as energias renováveis, mas temos de ter cuidado para não ficarmos presos ao gás natural para sempre. É apenas transitório. A energia nuclear, por exemplo, tem a grande vantagem de ter emissões zero, mas não é renovável; porque é preciso combustível para produzi-la. E depois temos material tóxico usado, de que temos de nos livrar e é incrivelmente caro o investimento no armazenamento. Portanto, na Comissão Europeia somos completamente neutros no que toca à tecnologia que se use. Esperamos apenas que os Estados-membros façam escolhas racionais com base na necessidade de descarbonizar a nossa produção de energia”, afirma Timmermans.
Como compensar os mais dependentes das energias poluentes?
O comissário europeu reconhece a necessidade de uma transição justa, sobretudo em Estados-membros que ainda dependem fortemente do carvão. Quer por ser a sua fonte de energia, quer porque o exportam em grandes quantidades (como é o caso da Polónia). Para esses países, propõe Timmermans, terá de haver uma reconversão das pessoas que ficariam desempregadas com o fecho das minas: “Estou relativamente otimista para a maioria das regiões que vivem das minas de carvão por causa da demografia. Vamos precisar de todos na economia do futuro. Já disse que precisamos de dois milhões de empregos numa nova economia, mas as pessoas precisam de ser qualificadas para esses empregos. Portanto, temos que nos certificar de que capacitamos e requalificamos as pessoas que até agora trabalhavam na indústria de extração de minério para passarem a fazer outros trabalhos. Também temos que nos certificar de que criamos as infraestruturas certas para que as indústrias tenham interesse em investir em regiões que eram até agora de minas de carvão ”.
A contestação que já se adivinha
São tantas e tão profundas as mudanças que Bruxelas quer implementar, que o vice-presidente da Comissão Europeia já está preparado para a contestação ao pacote que vai ser apresentado dia 14. Haverá resistência dos Estados-membros, mas Timmermans continua convencido que a abordagem da Comissão Europeia é a mais acertada… embora não feche portas a alternativas credíveis.
“Eu sempre disse aos Estados-membros que, se não gostam das medidas que propomos, só têm de nos mostrar alternativas, porque estão todos comprometidos na redução das emissões poluentes em pelo menos 55%. E têm de estar comprometidos com isso porque, caso contrário, não poderemos alcançar a neutralidade carbónica em 2050.Temos de alcançá-la até 2050… caso contrário, a crise climática fica completamente fora do nosso controlo. Então, se não gostam de alguma medida, dêem-nos outras de que gostem mais e vejam se conseguem obter uma maioria para a aprovar. Mas, primeiro, é preciso olhar com calma para o pacote que apresentamos: é uma abordagem holística do problema e acreditamos que este é o melhor equilíbrio que podemos encontrar para nos levar onde precisamos estar”, afirma o vice-presidente da Comissão Europeia.
O que garante que as renováveis cheguem?
Resta saber se o potencial das energias renováveis de que fala Timmermans pode assegurar a independência energética da União Europeia face ao exterior. O Comissário está plenamente convencido que sim, até porque os preços de produção estão a cair rapidamente: “Se analisar a evolução dos preços da energia eólica offshore (por exemplo) ou da energia solar, está a tornar-se cada vez mais barata a cada dia que passa… E nem precisamos de entrar em comparações. Quanto custa a energia solar se eu investir nela? E quanto custa a nuclear se eu investir nela? É preciso fazer uma escolha racional entre as duas já. Agora, vemos o carvão a desaparecer muito rapidamente da escolha energética simplesmente porque é muito caro, para além de ser muito poluente. Portanto, o desenvolvimento do preço da energia renovável está realmente a impulsionar um programa de investimento incrível em energias renováveis. Dito isto, vamos ter também apostas em energias renováveis como a do hidrogénio, que será necessário para setores de difícil redução nos transportes e na indústria. E o hidrogénio vai ser produzido na União Europeia, mas também em países com os quais temos parcerias fora da União Europeia, seja no leste ou em África. E creio que esta é também uma oportunidade tanto para a Europa como para África”.
O que falhou na defesa da biodiversidade?
São ambiciosas as metas em termos de produção energética e de redução das emissões poluentes, mas o plano a apresentar dia 14 não se limita a estas duas áreas. A questão da defesa da biodiversidade é crucial. Bruxelas mostra preocupação com o tema e Timmermans reconhece que muitas das metas que estavam estabelecidas para 2020 nessa área falharam. Mas afinal o que correu mal?
“Bem, nós estamos profundamente comprometidos com a protecção da biodiversidade. É uma questão de sobrevivência. Se não fizermos algo sobre a perda da biodiversidade, perderemos um milhão de espécies e isso é uma ameaça directa à nossa saúde e à nossa sobrevivência como Humanidade. Acabámos de ver com a questão do Covid que a passagem de doenças entre animais e humanos pode ter efeitos catastróficos. E, se não tivermos uma relação equilibrada com o nosso ambiente natural, a Natureza não será mais capaz de neutralizar os vírus antes que eles atinjam os seres humanos. E, portanto, temos um interesse directo no que respeita à nossa sobrevivência para fazer muito melhor na proteção de nossa biodiversidade. Por que é que, no que respeita à biodiversidade os nossos objetivos não foram alcançados? Tem a ver com uma série de factores. Está relacionado com a nossa política agrícola. Tem a ver com a nossa política para a indústria, tem a ver com as infraestruturas que fomos construindo e por aí fora. Mas a Comissão Europeia está muito firme na sua ambição de cumprir a meta de ter 30% de áreas protegidas em terra e no mar”.