Os avós, os velhinhos… esse património da humanidade!
02-07-2024 - 06:52
 • Paula Margarido *

Os nossos velhinhos, os nossos avós não são descartáveis, nem constituem um encargo financeiro…, deram-nos a sua vida, “amparam os nossos desequilíbrios com o corrimão invisível e seguro do seu afeto”.

Chegámos ao mês de julho e com ele muitos iniciam o seu período de férias, o seu momento de descanso, de lazer, de viagens, de leituras que ficaram adiadas e que agora são iniciadas.

Na minha infância e juventude este mês significava ir para a terra, para a terra dos meus avós, onde sempre passava os três meses de verão … e que bom que era!
Ia com a avozinha “tirar as batatas”, “tirar a folha ao milho”, preparar e dar comida às galinhas, aos coelhos, regar as couves com aquelas maravilhosas botas de borracha que me permitiam chafurdar na lama. Naquelas tardes de um calor intenso que bom que era tomar banho nas poças de água gélida que ali se aglomerava e que brotava daquela nascente que estava localizada nos “penedos”. Ao final da tarde, e depois de termos comido umas maravilhosas fatias de melão e melancia, lá levávamos as cabrinhas a pastar. E quantas vezes, com os primos, desbravávamos aqueles montes e serras em busca de lenha e pinhas que felizes trazíamos para os nossos avós que, assim, estavam munidos das necessárias ferramentas que lhes permitiriam aquecer as suas casinhas nos dias de inverno.
Adorava, logo a seguir ao almoço, sentar-me no pátio com os avós e com os tios-avós e escutar as suas deliciosas histórias da juventude em que tantas vezes partilhavam connosco as estratégias que utilizavam para ir para os bailaricos sem que os seus pais soubessem. Antes da oração da noite (que fazíamos, sempre, com a avozinha) ainda havia tempo para já na caminha jogar à “bisca dos três”.
No período da juventude, na terra, não faltávamos a nenhuma festa das aldeias e concelhos vizinhos em que dançávamos, dançávamos até ao último toque da concertina, até ao último fôlego. Quantas vezes chegávamos a casa de manhã e se fosse Domingo, então, já seguíamos com a avozinha para a missa em que os senhores ficavam ora nos bancos de trás, ora à porta de Igreja e eram as senhoras que acautelavam o cumprimento das regras litúrgicas e dos cânticos.
A avozinha apenas me dizia, “minha querida diverte-te, sempre, muito, mas com juízo e dança, dança que a avó gosta muito de dançar!”
Os nossos avós deixaram-nos uma herança de humanidade, de humildade, de total disponibilidade para o outro, qualquer que ele seja, de cuidado e de ternura. E bem sei que todos os avós são aqueles “mestres de uma arte esplêndida e rara: a arte de ser que transforma um mero encontro quotidiano numa apetitosa celebração, que nos olham sem pressas e que sabem ser docemente silenciosos, ainda que muito tagarelas”.
Daí que seja tão difícil aceitar que os nossos velhinhos sejam despejados em lares, sem que os seus os visitem, e abandonados e esquecidos nos hospitais. Na verdade, quando escondemos os idosos das nossas vidas, aceleramos o primeiro sinal da sua morte… a solidão! Urge, por isso, e quanto às situações de altas problemáticas, criar mecanismos para retirar os velhinhos dos hospitais. E não basta a referenciação à rede de cuidados continuados. Cremos que a solução passará pela criação de lares e o reforço dos serviços de apoio domiciliário numa estreita articulação entre o SNS e a Segurança Social.
No que concerne à violência sobre os nossos idosos não se olvide um estudo recente que nos adiantou que os denunciados são maioritariamente filhos, entre os 50 e os 59 anos, em coabitação com a vítima e em que mais de metade é vítima de violência psicológica.

Efetivamente, Portugal tem enfrentado um aumento preocupante do número de casos de violência sobre idosos, pelo que uma das possíveis respostas para fazer face a este flagelo poderá passar pelo estabelecimento de redes de apoio comunitário, com elementos devidamente formados, que lhes darão o adequado suporte e encaminhamento social.

Os nossos velhinhos, os nossos avós não são descartáveis, nem constituem um encargo financeiro…, deram-nos a sua vida, “amparam os nossos desequilíbrios com o corrimão invisível e seguro do seu afeto”.
Que nunca permitamos que os nossos avós, os nossos velhinhos se sintam um fardo e que nunca deixemos de lhes mostrar com afeto e com as adequadas políticas humanistas que constituem um património insubstituível na família, na sociedade, no mundo!

*Advogada e Deputada da XVI Legislatura