O deputado e dirigente da Iniciativa Liberal (IL) Carlos Guimarães Pinto é crítico aos impasses na eleição da nova presidência da Assembleia da República (AR).
Em declarações à Renascença, o deputado espinhense eleito pelo círculo do Porto fala em "maioria absoluta polarizadora do PS e do Chega" que pode dificultar a governação do PSD.
Sobre a não entrada da IL no Governo, Guimarães Pinto diz que se trata de uma decisão que sai de uma reunião entre os dois líderes partidários (PSD e IL) e avança que a Iniciativa Liberal "não vai facilitar, nem dificultar" a vida do novo executivo, uma vez que vai votar a favor ou contra quando considerar que o deve fazer.
Carlos Guimarães Pinto fala ainda sobre as eleições europeias e a perspetiva de que sejam eleitos dois a três eurodeputados pela IL numa candidatura sem coligação com PSD.
Assistimos a uma eleição difícil para a Assembleia da República. Começamos com José Pedro Aguiar Branco como candidato único pelo PSD, depois passamos a uma escolha entre PS, Chega e PSD e acabamos entre PS e PSD. O que terá acontecido?
O que aconteceu foi um ensaio de polarização entre o PS e o Chega. No passado, havia o costume que era institucionalizado de o Presidente da Assembleia da República vir do maior partido e, a não ser, que existisse alguma objeção pessoal a esse candidato. Isso chegou a acontecer, por exemplo, com Fernando Nobre. Aí havia uma objeção de carácter pessoal de acharem que não correspondia ao perfil. Fernando Nobre nunca tinha sido deputado. A não ser que houvesse uma situação destas, a Assembleia da República unia-se na eleição do Presidente da Assembleia da República, que seria o candidato do partido mais votado.
Aquilo que começou por acontecer foi basicamente que PS e Chega uniram-se para vetar esse candidato sem nunca apontarem uma razão específica para não quererem ou não aprovarem esse candidato, nenhuma razão de perfil. Simplesmente o objetivo foi polarizar a Assembleia da República, instalar este clima de instabilidade, que se calhar já se esperava que acontecesse mais tarde numa moção de censura ou numa votação do orçamento, mas quando estamos aqui a falar de uma votação para uma instituição de algo que garante o funcionamento da Assembleia da República ainda se compreende menos esta necessidade de polarização.
Não será esta a forma de o Chega mostrar a Luís Montenegro que poderá ter algum peso no Parlamento?
Percebo os comentadores quando falam nessa demonstração de força e isso até poderia ser uma demonstração de força mais tarde, quando fosse consequente a uma discussão de um orçamento. Estamos aqui a falar de uma eleição institucional para garantir o funcionamento da Assembleia da República, em que vários partidos optaram por polarizar mais cedo. Mesmo dentro dessa estratégia de polarização, que considero errada, agiram demasiado cedo, demonstram demasiada fome de polarizar logo desde o princípio, sem apontarem uma única razão para rejeitarem aquele nome.
Ninguém disse nada em relação a Aguiar-Branco, aliás, até houve elogios de deputados do PS - não sei se no Chega isso aconteceu - e depois rejeitaram-no porque querem que esta polarização exista dentro da Assembleia da República até em assuntos institucionais.
O que fizeram foi sacrificar, mais uma vez, as instituições democráticas para beneficiarem - acham eles e eu não sei se irão - com a tática partidária de curto prazo. Acho que isto não vai resultar muito bem. Independentemente das diferenças ideológicas que tenhamos, é preciso preservar as instituições. Isso é o mais importante. A base, o chão comum da democracia, é o mais importante e não me parece que nem PS, nem Chega tenham estado interessados nisso.
Rui Rocha chegou a apelidar André Ventura de irresponsável. Também partilha desta opinião que o líder do Chega está a fazer birra, como disse o líder da Iniciativa Liberal?
Houve irresponsabilidade de ambas as partes. Houve irresponsabilidade do Chega, que até foi mais vocal em relação a isso - a vitimização de que, como alguém disse não sei o quê umas horas antes na televisão, aquele entendimento que existia deixou de existir.
Numa eleição institucional deveria ter havido um perfil institucional dos vários partidos de perceberem que, para a Assembleia da República funcionar, é preciso haver um Presidente da AR, que esse Presidente seja digno. Nunca ninguém colocou em causa a dignidade ou a capacidade de exercer aquelas funções no PS. E o Chega foi mais vocal a exprimir.
A Iniciativa Liberal terá sido um dos adultos na sala?
É evidente que foi. Já disse isso em público, votei em Aguiar Branco para presidente da Assembleia da República, como teria votado no Francisco Assis se o PS tivesse vencido as eleições. Se o PS tivesse vencido as eleições e tivesse proposto Francisco Assis, que também era uma pessoa que nessas circunstâncias teria a capacidade para exercer o cargo, teria votado em Francisco Assis e não vou falar em nome dos meus colegas todos.
Nós, com oito deputados, respeitamos as instituições, respeitamos a democracia, respeitamos aquilo que deve ser o chão comum de todas ideologias e depois. Quando chegar a altura de debater soluções diferentes - para onde devíamos avançar o mais rápido possível -, aí sim podemos ter discussões bastante agressivas em relação às soluções que cada um tem para os verdadeiros problemas do país. Este não era o momento para polarizar.
Miranda Sarmento [líder da bancada do PSD] disse que houve contacto com alguns partidos por parte do PSD a avisar que Aguiar-Branco seria candidato à Presidência da AR e que os social-democratas iriam votar a favor dos Vice-Presidentes. A Iniciativa Liberal assumiu que iria votar a favor do candidato do PSD. Houve algum acordo para a eleição de Rodrigo Saraiva para vice-Presidente?
Não há qualquer tipo de acordo, até porque se trata de uma votação secreta. O que existe é um contacto, os partidos informam quem é que vão apresentar para Presidente, para vice-presidente e eventualmente os líderes de bancada dizem que sim, que é um candidato que corresponde a esse perfil.
O Chega decidiu chamar a isso acordo, mas isto é a dinâmica parlamentar normal nestas eleições institucionais. Informa-se os outros partidos do candidato a apresentar, informa-se a posição de princípio do líder de bancada, mas nunca chamaria a isso acordo. Houve de facto essa comunicação, mas não é um acordo. Não é preciso um acordo para votar numa pessoa com perfil para presidente da AR, basta o bom senso.
É apresentada uma pessoa com um perfil para ser Presidente da Assembleia da República nas atuais circunstâncias e vota-se a favor. Não é preciso receber nada em troca para fazer a coisa certa. Foi isso que fiz, foi isso que a minha bancada fez. Assumimos eventualmente que uma grande parte de deputados do PSD iria votar no nosso candidato a vice-presidente, mas isso até podia não acontecer e continuaríamos a fazer a coisa certa, que é votar no candidato que corresponde ao perfil.
Para tentar resolver o problema, houve uma reunião entre os líderes do PSD e PS. Parece-lhe que Luís Montenegro vai ter de procurar mais vezes o PS para conseguir uma governação mais ou menos estável?
Se calhar sou um bocado ingénuo nestas coisas, mas aquilo que acho que é obrigação de um deputado é receber as propostas, perceber se elas são boas para o país no seu esquema mental e aprová-las ou não. Acho que é isso que todos os deputados de todos os partidos devem fazer: votar em consciência, perceber se uma proposta, o nome é bom e se, mesmo não sendo bom, se é melhor que qualquer uma das alternativas, votar de acordo com a sua consciência. Espero que o PSD faça isso, o PS faça isso, que o Chega faça isso e que a esquerda faça isso e certamente que irei fazer isso e a Iniciativa Liberal irá fazer isso, porque é isso que interessa ao país.
Se todos seguirem, como diz, esse trabalho de deputado que a Iniciativa Liberal está a fazer, acredita que o Governo liderado por Montenegro consegue ir até ao final da legislatura?
Não sei se vai chegar ao final da legislatura. A exceção tem sido os governos chegarem ao final da legislatura. São circunstâncias muito complicadas, é evidente, e todo este processo [de eleição da AR] é revelador das circunstâncias muito complicadas de uma vontade tremenda de polarização, ou seja, no fundo uma maioria absoluta de partidos polarizadores da Assembleia da República entre o PS e o Chega, que têm uma vontade bastante grande de polarizar a discussão e que irá causar instabilidade. Eventualmente, pensam que isso será positivo para as suas perspetivas eleitorais. Não sei se é positivo ou não, mas parece-me que pensam dessa forma, portanto, será muito complicado que a legislatura chegue ao fim nestas circunstâncias específicas em que temos uma maioria absoluta de partidos polarizadores.
Acredita que passará do Orçamento de Estado?
Não vou estar aqui a fazer futurologia. O Orçamento de Estado nem sequer foi apresentado, imagino que nem sequer esteja a ser desenvolvido. Veremos a capacidade que o PSD e que a Assembleia da República tem de encontrar consensos. E vamos ser claros: depois de toda esta situação, parece-me que vai depender muito mais das perspetivas eleitorais que o PS e Chega tenham do que propriamente da qualidade do Orçamento. Se calhar nessa altura vamos ter dois partidos que, em vez de olharem para o bem do país, vão olhar para os seus números nas sondagens e decidir a sua votação no orçamento de acordo com esses números.
Uma entrada da Iniciativa Liberal no Governo não iria facilitar a vida ao PSD? Porque é que a Iniciativa Liberal não entra?
Isso foi muito claro. Houve essa abertura ainda durante a campanha, fomos muito transparentes, colocámos um conjunto de condições que acharíamos importantes para o país. Depois das eleições, a soma dos deputados não deu uma maioria absoluta e só isso eventualmente retirou algum interesse ao PSD de ter mais um partido na coligação de Governo. Houve uma conversa entre os líderes e foi decidido que não iria avançar. Não foi uma questão de cargos, foi uma questão do conjunto de ideias que a IL apresentou. As negociações foram confidenciais, não sei exatamente em que pontos específicos houve uma distinção. Estaremos na Assembleia da República e, independentemente de haver este acordo, se o orçamento for minimamente aceitável para nós, iremos aprovar o Orçamento.
Mesmo não estando [no Governo], iremos aprovar as medidas que o PSD apresenta e sejam positivas e iremos rejeitar as medidas que o PSD apresenta que consideramos negativas. Acho que é isso que todos os partidos deveriam fazer, independentemente das táticas de curto prazo. Até aceito que se calhar, pensar taticamente, colocar os interesses do partido à frente dos interesses do país, seja aquilo que renda mais em termos eleitorais, mas não é isso que fazemos.
Mas não fica a Iniciativa Liberal fragilizada por esta não entrada, uma vez que nunca fecharam essa porta durante a campanha eleitoral?
Nós apresentámos essa disponibilidade que é o que acho que um partido responsável deve fazer. Apresentámos as nossas propostas, que é o que um partido responsável deve fazer. Um partido responsável não vai para o Governo só para ter meia dúzia de cargos, vai para o Governo para implementar um conjunto de propostas a uma determinada velocidade. O PSD, olhando para os pesos que os partidos têm de resultado das eleições, optou por não estar de acordo com essas propostas e é legitimo, uma vez que também têm um esquema mental diferente do nosso.
Estamos na Assembleia da República e vamos apresentar propostas. Esperemos que algumas sejam aceites, outras não. Da mesma forma que todas as propostas de todos os outros partidos, iremos aceitar aquelas que achamos que contribuem para o bem do país e vamos rejeitar as que não contribuam.
A Iniciativa Liberal disse que vai manter o diálogo com o PSD. Vão facilitar a vida a Luís Montenegro, é isso?
Vamos votar em todas as propostas com que concordemos com que que achemos que fazem bem ao país e vamos rejeitar as propostas que achemos que fazem mal ao país. Isto não é facilitar, nem dificultar. Vamos facilitar a vida aos portugueses. É esse o nosso objetivo.
A Iniciativa Liberal, como disse, não vai desistir das tais 10 propostas, vai tentar que, uma vez que tem esta porta do diálogo aberta, o PSD aceite as medidas defendidas pela IL, como por exemplo, a criação da taxa única de IRS de 15% que defenderam para quem ganha acima do salário médio nacional? Além desta, há outra prioridade que seja já conversada com o novo Governo?
Há várias e posso garantir que essa no imediato não era uma das exigências que tínhamos. Essa não foi uma das exigências colocadas para entrarmos no Governo.
Mas o alívio fiscal dos trabalhadores em sede de IRS, que não precisa de ser imediatamente com uma taxa única, é algo que o PSD disse no passado concordar connosco, achamos que isso pode vir a acontecer. O restabelecimento de algumas PPP’s na saúde para que alguns hospitais voltem a funcionar bem, todas as medidas de desburocratização para que o país possa crescer. Há um conjunto de coisas que vamos propor, algumas das quais, note-se, o PSD já disse no passado concordar. Portanto, independentemente se estamos ou não no Governo, não achamos que o PSD vai voltar atrás nessa concordância apenas por estar no Governo. Já houve votações na Assembleia da República que no passado chumbaram, mas que o PSD votou ao nosso lado. Não esperamos que haja alguma alteração dessa perspetiva ou do esquema mental do PSD. Vamos apresentar as nossas propostas que achamos que são positivas para o país e espero que todos os partidos votem de acordo com a sua consciência dentro, obviamente, do esquema mental de cada um.
Olhando para o futuro, no horizonte estão as eleições europeias. Há alguma possibilidade de acordo com o PSD? Ou a Iniciativa Liberal vai mesmo sozinha?
Confesso que estou um bocado distante dessa situação. Não falo em nome da Iniciativa Liberal porque não faço parte da direção, mas imagino que não, que o plano seja aquilo que esteja montado, que seja irmos sozinhos às eleições europeias com um candidato que é forte e que tem condições para ter um bom resultado.
Está convicto que, com João Cotrim Figueiredo, conseguem um bom resultado?
Sim. O João foi presidente do partido durante três anos. Parece-me que alimentou uma boa imagem. As eleições europeias normalmente não são tão apelativas para o eleitor do voto útil, portanto, as circunstâncias são boas para se obter um bom resultado nessas eleições e eleger eventualmente dois ou três eurodeputados.